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Estado de Minas

Filho e neto mant�m o legado de GTO, mestre da arte popular brasileira

Mario e Alex Teles seguem os ensinamentos do escultor mineiro, que chamou a aten��o com suas famosas mandalas


postado em 07/09/2019 04:00 / atualizado em 06/09/2019 15:26

Mandala sem emendas desenvolvida por GTO. Peça se tornou marca do artista e o projetou inclusive internacionalmente(foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press)
Mandala sem emendas desenvolvida por GTO. Pe�a se tornou marca do artista e o projetou inclusive internacionalmente (foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press)

Geraldo Teles de Oliveira, conhecido como GTO, se tornou um dos mais importantes artistas populares brasileiros, ao criar esculturas com figuras humanas que se amontoam de maneira esquem�tica e repetida, em geral formando rodas vivas e mandalas, o que apelidava de “A Roda da Vida”. GTO repassou seus conhecimentos ao filho Mario Teles, que por sua vez os transmitiu a Alex Teles, representante da terceira gera��o. GTO faleceu em 1990, mas “A Roda da Vida” que ele imaginou continua a girar. "Esse � nosso orgulho. Temos enorme gratid�o por esse dom que nasceu em nossa fam�lia", diz Alex. Mario Teles nasceu em 1942 e come�ou na arte como pintor em 1964, da� derivando para a escultura, tr�s anos mais tarde. Autodidata, desde pequeno tinha interesse em artesanato, criando, por exemplo, carrinhos. Foi um observador atento e curioso do labor art�stico do pai, a quem ajudava entalhando e vazando as pe�as.

Durante um per�odo, Mario trabalhou na �rea de sa�de e viu GTO fazer sucesso como artista popular. Com um direcionamento preponderante ao folclore, �s manifesta��es populares e movimentos culturais, Mario busca na tradi��o popular os fatos, a religiosidade, os preconceitos e a sabedoria que tematizam suas esculturas. Da� o fato de sua obra ser classificada como primitiva. Em compara��o com o trabalho do pai, a representa��o humana assume uma propor��o maior. A tem�tica carrega uma evidente conota��o fant�stica, com figuras detalhadas em estruturas verticais e desenhos vazados, trazendo � tona uma sensa��o de for�a, equil�brio e liberdade.

"Minha obra passa muito pelo folclore mineiro. O congado, o pau-de-sebo, a festa junina, os pescadores, a folia e as guardas de reis", diz. Com uma obra espont�nea, contempor�nea e org�nica, no trabalho de Mario Teles est� a ess�ncia de uma cultura viva. Torna-se clara a heran�a que recebeu de GTO, ainda que isso n�o o caracterize como mais um prosseguidor do estilo paterno. Mario j� exerce uma express�o pr�pria, consciente, explorando recortes geometrizados e volumes.Em mais de 50 anos dedicados � arte popular brasileira, Mario Teles marcou presen�a em mostras e exposi��es em v�rias cidades e estados do Brasil e recebeu muitos pr�mios. Suas esculturas chegaram a pa�ses como B�lgica, Estados Unidos, Egito, Argentina, Chile, Jap�o, �frica do Sul, Alemanha, Iraque, Peru, M�xico, Portugal, entre outros. "Uma pessoa humilde e simples, meu pai � uma grande inspira��o. Foi com a arte que conseguiu manter a fam�lia, que inteirava para comprar as coisas da casa. Sua arte � fruto dos sonhos e do sofrimento. Agora usamos a criatividade e o talento para expressar a arte que veio dele", afirma. O escultor se lembra com carinho das pescarias e da lida na ro�a, um divertimento para GTO, mas tamb�m conta sobre as vezes em que encontrou o pai triste. Mario conta que, quando trabalhou em um hospital, em Divin�polis, GTO recebeu do chefe do setor de marcenaria da institui��o um peda�o grande de madeira. “Ao que ele respondeu: 'N�o sei se sou merecedor, mas aceito de cora��o'. Naquela noite, sonhou que estava fazendo uma igrejinha e a� entalhou a obra que chamou Igrejinha dos Sonhos, um de seus primeiros trabalhos". Uma das marcas registradas de GTO � a corrente de madeira utilizada em diferentes leituras, entre elas com refer�ncias aos negros escravizados e a Cristo acorrentados. A obra � feita sem nenhuma emenda, e o encaixe de cada elo � produzido diretamente na hora do entalhe da madeira, formando uma pe�a �nica, maci�a. Esse objeto j� foi premiado, e Mario prossegue com sua fabrica��o.
Aos 77 anos, ele diz que a arte � um modo de vida. "Sempre vivi da arte, como meu pai. Somos de origem pobre, e com a arte conquistamos muita coisa. Deus me deu a gra�a de conseguir externar o que eu sinto."

GTO tem em seu conjunto cerca de 3 mil esculturas; Mario, 15 mil, e Alex passou de sua cent�sima obra. A entrada de Alex nessa tr�ade se d� com ele j� adulto. Convive com a arte desde crian�a, tendo observado o av� e o pai no processo de cria��o.

TALENTO

Mario e Alex Teles, filho e neto de GTO, seguem sua tradição como escultores (foto: Pedro Oliveira/Divulgação)
Mario e Alex Teles, filho e neto de GTO, seguem sua tradi��o como escultores (foto: Pedro Oliveira/Divulga��o)

Na inf�ncia, ele se sentava perto de Geraldo, enquanto o av� esculpia, e ali ficava por horas a fio. "Um pouco antes de sua morte, meu av� falava com meu pai para cuidar de mim, que eu seria a terceira gera��o, mas que n�o me pressionasse para isso. Agrade�o por esse talento, esse dom, que agora est� tamb�m em minhas m�os." Aos 44 anos, Alex atribui para si o nome art�stico Teles, tem forma��o em comunica��o social, com especialidade em publicidade e propaganda. Em meados de 2000, envolve-se diretamente no espa�o criado pelo av� e ingressa como diretor no Museu Resid�ncia Geraldo Teles de Oliveira – GTO (popularmente conhecido como Museu Casa GTO), abrindo para a sociedade a hist�ria de mem�rias e sabedorias que fortalece a cultura da regi�o, mesmo assim de alcance mundial, sem deixar perder a ess�ncia da fam�lia."Como meu av� dizia, ele veio do povo, da pobreza, para fazer a obra para o povo. Minha miss�o � justamente trazer de volta n�o a obra de GTO, mas a mem�ria. A obra ficar�, mas, em rela��o � mem�ria, ainda h� muito que se trabalhar", diz Alex. "O desejo dele era que a arte se democratizasse, que pudesse ser vista por pessoas comuns. Ainda que n�o tenha frequentado a escola, sem saber o que era a arte, tudo o que conquistou, como dizia, foi com sua f� e perseveran�a, com muita luta e sem reclamar da vida."Em 2016, com o apoio do pai, Alex come�a a criar e entalhar seus pr�prios trabalhos. Alicer�adas em estudos do inconsciente, as pe�as lembram sonhos da cultura popular, da arte primitiva, exploram o di�logo e uma linguagem universalista. O artista tem ministrado palestras e oficinas em escolas, universidades e espa�os culturais, lan�ando novas sementes de uma hist�ria que teve in�cio na d�cada de 1960.

SONHO

Em um certo momento, Geraldo se viu desempregado e com a fam�lia para cuidar. Come�ou a esculpir em 1965, sem orienta��o alguma de um professor – era um fazer intuitivo, muito inspirado no que vivia ao sonhar. No princ�pio, vendia suas pe�as na regi�o de Divin�polis, onde morava, por valores irris�rios. Hoje, pe�as na mesma linha chegam a ser avaliadas em R$ 5 mil.

"Ele teve um sonho iluminado, um sonho divino. Assim falava. Dizia que o Esp�rito Santo pousou em seu ombro e ordenou que ele fizesse a obra de Deus. Come�ou a produzir mesmo n�o sabendo ao certo o que estava fazendo, at� porque n�o tinha refer�ncias na arte de esculpir a madeira. Dizia que n�o era nada, apenas um instrumento nas m�os de Deus. 

Contava que era impulsionado pelo sono. O sono levava aos sonhos, e nos sonhos tinha contato com o divino, que lhe mostrava o que fazer. Terminou sendo denominado como o artista dos sonhos", diz Alex. Em 1967, GTO realiza sua primeira exposi��o, na Galeria Guignard, em Belo Horizonte, o que impulsionou sua fama nacional e internacional. Sem sair do fundo de seu quintal, teve sua obra exposta em mais de 170 pa�ses. "N�o tinha marchand, n�o tinha representantes. A obra se fez �nica por si s�. N�o h� nada parecido no mundo. S�o pe�as sem emendas, criadas sem uso de lixas ou m�quinas el�tricas, somente o material cortante. Naquele tempo, no princ�pio, meu av� nem conhecia o form�o. As primeiras obras ele entalhou com seu canivete, o mesmo com que cortava o fumo", lembra Alex. Geraldo � natural de Itapecerica, entretanto mudou-se para Divin�polis antes de completar 1 ano, e a� constituiu fam�lia. N�o conheceu seus pais. O pai e a m�e eram �ndios e, quando GTO era ainda beb�, viajaram com a tribo para o interior de Goi�s. 

O pequeno, que n�o suportaria o percurso, acabou ficando sob a tutela de uma tia na cidade no Oeste de Minas. "Sempre voltava a Itapecerica. Algo o prendia, suas ra�zes estavam l�. Tudo ali fazia parte dele", conta Alex. GTO teve dois filhos e oito netos. E a quarta gera��o art�stica come�a a dar sinais. Um de seus bisnetos, aos 10 anos, aprende aos poucos o trabalho de Mario e Alex. "Notamos essa inclina��o, um querer. E o in�cio de toda obra de arte � a observa��o. Quem sabe ele ser� o seguimento dessa obra, desse novo giro." Para Alex, a arte significa uma exalta��o � vida. "Se olharmos para dentro, nos encontramos, e essa � a nossa obra. � a arte feita por m�os mineiras, m�os divinas, uma maneira de agradecer ao povo. Engrandece a nossa roda da vida, a nossa vida dentro da roda. Eu me defino como GTO e como Mario Teles. Sou um pouco GTO, sou um pouco Mario Teles, e sou Teles. Juntos somos GTO. A nossa trindade gira a roda da vida. A vida do menino Geraldinho, que um dia ousou entalhar as madeiras".


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