''Acho importante essa profissionaliza��o do ator, jogar para a sociedade a ideia do trabalhador de cultura enquanto um trabalhador importante no meio social. Ainda mais neste momento nebuloso que estamos vivendo. A gente sabe que � um mercado inst�vel, mas j� tentaram acabar v�rias vezes com o teatro, e ele resiste''
Gabriel Vin�cius, ator e estudante de letras
Eduarda Fernandes tem 21 anos e concluiu no ano passado o curso de teatro do Centro de Forma��o Art�stica e Tecnol�gica (Cefart) da Funda��o Cl�vis Salgado. Al�m de ter algumas pe�as no curr�culo, ela � a protagonista de Luna, longa-metragem do diretor Cris Azzi que est� em cartaz em Belo Horizonte. Gabriel Vin�cius, de 20, � um dos formandos da primeira turma do curso de capacita��o profissional em artes c�nicas de Contagem, e est� apresentando o espet�culo Ensaio sobre a cegueira, no qual, al�m de atuar, assina a dramaturgia, ao lado do diretor Kalluh Ara�jo. J� Vanessa Machado, de 35, nascida em Belo Horizonte e formada em letras, descobriu os palcos recentemente e agora faz parte da Mi�da Cia, que tem cinco anos de funda��o. Mesmo com pouco tempo de carreira, esses tr�s atores t�m chamado a aten��o no meio teatral.
Foi em Vespasiano, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, onde nasceu e morou at� h� pouco tempo, que Eduarda teve o primeiro contato com as artes. Primeiro, foi a m�sica e depois, o teatro. Com 16 anos, quando ainda cursava o ensino m�dio, fez a prova do Cefart e foi aprovada. Durante todo o curso, ela se deslocava de Vespasiano at� o Pal�cio das Artes, numa jornada de no m�nimo duas horas de viagem, para acompanhar as aulas. No entanto, ela precisou fazer uma pausa nos estudos teatrais para dizer “sim” a um convite especial: estrelar um filme.
O longa Luna conta a hist�ria de uma adolescente introvertida e criada por sua m�e solteira. No primeiro dia de aula do �ltimo ano escolar, ela conhece Em�lia (Ana Clara Ligeira), tamb�m filha �nica, mas com pais ricos que vivem viajando. Sentindo a mesma solid�o em contextos totalmente diferentes, as duas se tornam amigas. A promessa dessa amizade intensa e explosiva � interrompida quando Luna tem sua intimidade exposta nas redes sociais. Diante de uma situa��o cada vez mais opressiva, ela precisa descobrir quem realmente �.
Eduarda conta que o primeiro contato que teve com o pessoal da produ��o do filme n�o foi para nenhum tipo de teste, mas para participar de um bate-papo com o diretor. “Ele queria conversar com meninas da minha gera��o para entender esse discurso, alinhar os pensamentos. Quando abriu a sele��o, com centenas de candidatas, decidi participar. Depois de muitas etapas, acabei passando. Foi o meu primeiro trabalho profissional, mas s� agora est� chegando ao p�blico. Comecei com o p� direito”, diz.
(foto: Paulo Lacerda/Divulga��o
)
''� triste e problem�tico ver uma extrema-direita atacando os meios simb�licos, que s�o os mais efetivos no sentido de afirma��o de uma classe e de comunica��o com o p�blico. Enquanto artista, temos que encontrar uma forma de pensamento para ir contra esse sistema de cr�ticas e de censura que estamos vivendo%u201D
Eduarda Fernandes, atriz
ESPET�CULOS
Ap�s as filmagens, a jovem atriz voltou para o Cefart e encenou dois espet�culos no �ltimo ano do curso – H� algo de podre no reino da Dinamarca, inspirado na trag�dia de Hamlet, de William Shakespeare, e Eclipse solar. Esse �ltimo tem dire��o de Ricardo Alves Jr. e dramaturgia de Germano Melo. A pe�a recorre a uma narrativa fragmentada e mostra um grupo de expatriados na Cidade dos Exilados. Eles est�o � espera do fen�meno do t�tulo e, enquanto o eclipse n�o vem, t�m de lidar com seus medos, procurar transform�-lo e resistir. A montagem voltar� a ser encenada na pr�xima ter�a (29), no Teatro Francisco Nunes, dentro da programa��o do Festival Estudantil de Teatro (Feto).
Para se dedicar mais � sua profiss�o, Eduarda Fernandes se mudou para BH no fim do ano passado. A atriz conta que se sente privilegiada por contar com o apoio da fam�lia, sobretudo da m�e. “No comecinho, eu n�o tinha muito uma ideia do que isso (teatro) significava, mas, ao longo do tempo, fui me encontrando e reconhecendo o meu lugar. Vi que era aquilo mesmo que eu queria seguir”, diz ela, que agora tem feito tamb�m alguns trabalhos em publicidade, al�m de ter participado de curtas e da s�rie Sou amor, dirigida por Cris Azzi e exibida em emissoras p�blicas, como a Rede Minas.
Mesmo com as incertezas na esfera da produ��o cultural, Eduarda est� otimista e acredita na resist�ncia. “� triste e problem�tico ver uma extrema-direita atacando os meios simb�licos, que s�o os mais efetivos no sentido de afirma��o de uma classe e de comunica��o com o p�blico. Enquanto artista, temos que encontrar uma forma de pensamento para ir contra esse sistema de cr�ticas e de censura que estamos vivendo”, afirma.
A jovem, que se prepara para um longa-metragem e est� idealizando um projeto de arte-educa��o, n�o se imagina fazendo outra coisa na vida. Ela diz que o que mais a encanta no of�cio de ator � o fato de estar sempre atenta. “� um lugar que requer um estado de presen�a e de aten��o muito grandes. E presen�a n�o s� no palco, no set, mas em tudo. � quase uma simbiose com a pr�pria vida.”
(foto: B�rbara Junqueira/Divulga��o
)
''Quase todo artista que tem que se dividir entre duas profiss�es tem muito latente o desejo de se dedicar somente � arte. No momento, isso � invi�vel, n�o s� por quest�es financeiras, mas pelo pr�prio per�odo delicado que a cultura enfrenta. Mas eu penso, sim, nessa hip�tese de me dedicar somente a algo que descobri sem querer, que era um hobby e onde eu me encontrei''
Vanessa Machado, atriz e professora de ingl�s
Teatro e letras
Apaixonado pelo teatro e pela literatura desde crian�a, Gabriel Vin�cius passou a ter contato de verdade com os palcos quando participou de oficinas durante o F�rum Popular de Cultura de Contagem, sua terra natal. A partir dali – ele tinha ent�o 14 anos – come�ou a se dedicar com afinco e a fazer cursos profissionalizantes. Acabou montando com amigos a Companhia Boemia Liter�ria, que j� se apresentou em festivais em v�rias cidades do interior. Um dos espet�culos do grupo, o Manifesto pelo direito � poesia: a pe�a, foi premiado no Festival de Teatro Comunit�rio de Mariana. “A gente mescla teatro e literatura nas nossas pesquisas. Sempre gostei de escrever, tanto que estou cursando letras. S�o duas linguagens que dialogam muito, at� porque o teatro nasceu como literatura”, afirma.
Na semana passada, ao lado de 14 colegas, Gabriel estreou o espet�culo de conclus�o do curso de capacita��o profissional em artes c�nicas de Contagem. Ensaio sobre a cegueira � uma adapta��o da obra hom�nima de Jos� Saramago. O diretor da montagem, Kalluh Ara�jo, e Gabriel assinam essa adapta��o. “Adaptar um Nobel de Literatura � sempre um desafio. Foi maravilho criar com o Kalluh. O processo de escrita mistura teatro, dan�a, e a gente acabou fazendo um recorte dentro do que acreditamos que o texto do Saramago quer dizer ao p�blico”, diz.
A ideia � que a pe�a circule. “Vamos nos aprofundar nesse texto, que � muito rico, para poder apresentar algo al�m”, avisa. Mesmo decidido a se formar em letras, Gabriel assegura que quer continuar se dedicando �s artes c�nicas. “Adoro estar no palco, mas tamb�m gosto muito de montar a luz, o equipamento de som, ajudar na t�cnica, escrever o texto. Gosto muito desse trabalho manual”, conta. O ator diz que a fam�lia se assustou um pouco com sua escolha pelo teatro, mas acabou aceitando e os parentes at� “deram uma respirada” ap�s a formatura no curso de capacita��o. “Teve beca e tudo o mais na cerim�nia. Acho importante essa profissionaliza��o do ator, jogar para a sociedade a ideia do trabalhador de cultura enquanto um trabalhador importante no meio social. Ainda mais neste momento nebuloso que estamos vivendo. A gente sabe que � um mercado inst�vel, mas j� tentaram acabar v�rias vezes com o teatro, e ele resiste.”
Outra que concilia letras e palcos � Vanessa Machado, embora ela nunca tenha se imaginado atriz e diz que considerava esse universo muito distante. “Nunca passou pela minha cabe�a enveredar para esse lado. Cresci vendo filmes, novelas e achava aquilo t�o longe de mim. Quando eu tinha 28 anos, vi em cena uma das minhas melhores amigas, que tinha se formado no Pal�cio das Artes. Ali eu percebi que essa era uma realidade mais poss�vel do que eu imaginava”, diz. E n�o deu outra. Vanessa fez o curso de teatro da PUC-Minas e logo depois o do Cefart. Foi ali que acabou surgindo, h� cinco anos, a Mi�da Cia.
O espet�culo mais recente do grupo, Zoom, une teatro com cinema e tem dire��o de Ricardo Alves Jr. O texto � de Vanessa. “Fizemos uma temporada na Funarte e teve uma boa repercuss�o. A ideia � at� fazer ali mesmo uma mostra no ano que vem com o repert�rio da nossa companhia. Foi a primeira vez que escrevi para o teatro. Mesmo tendo uma proximidade com as palavras, foi diferente, mas uma experi�ncia bem enriquecedora”, diz ela, que concilia a carreira teatral com a atividade de professora de ingl�s.
Vanessa diz que, apesar de gostar muito de dar aulas, ainda sonha em algum dia se dedicar exclusivamente ao teatro. “Quase todo artista que tem que se dividir entre duas profiss�es tem muito latente o desejo de se dedicar somente � arte. No momento, isso � invi�vel, n�o s� por quest�es financeiras, mas pelo pr�prio per�odo delicado que a cultura enfrenta. Mas eu penso, sim, nessa hip�tese de me dedicar somente a algo que descobri sem querer, que era um hobby e no qual me encontrei.”
Ensaio sobre a cegueira
Dire��o de Kalluh Ara�jo. Com alunos do curso de capacita��o profissional em artes c�nicas de Contagem. Nesta quinta-feira (24), �s 20h, no Audit�rio da Funec (Pra�a Mar�lia de Dirceu, 20, Inconfidentes, Contagem). Entrada franca. Dia 1º de novembro, �s 20h, na Casa de Apoio � Crian�a Carente (Rua Vl 6, 1.880, Nova Contagem). Entrada franca.
Eclipse solar
Dire��o de Ricardo Alves Jr. Com alunos do curso t�cnico de teatro do Centro de Forma��o Art�stica e Tecnol�gica (Cefart). Ter�a (29), �s 20h, no Teatro Francisco Nunes (Avenida Afonso Pena, s/nº, Parque Municipal). Ingressos: R$ 6 e R$ 3 (meia), � venda duas horas antes da sess�o, na bilheteria do teatro.