Na briga pelo Oscar, Karim A�nouz revela detalhes de A vida invis�vel
M�e do diretor e mulher � frente de seu tempo, Iracema A�nouz inspirou a personagem Guida. Ele diz que cinema n�o � terapia, mas admite: 'N�o tem como um filme meu n�o ter algo de autobiogr�fico'
postado em 17/11/2019 04:00 / atualizado em 16/11/2019 22:28
Karim A�nouz afirma que 'cinema n�o � terapia', mas admite: 'N�o tem como um filme meu n�o ter algo de autobiogr�fico' (foto: Fotos: Pedro Machado/divulga��o)
Em novembro de 2015, quando sua m�e, Iracema Lima A�nouz, morreu aos 85 anos, o cineasta cearense Karim A�nouz, de 53, escreveu uma carta “muito pessoal” para ser entregue �s pessoas que compareceram ao vel�rio. Tentou contar o que ela havia vivido.
Hoje nome do audit�rio do Departamento de Bioqu�mica e Biologia Molecular da Universidade Federal do Cear�, Iracema graduou-se em agronomia, tornou-se a primeira mulher pesquisadora daquela institui��o, estudou nos Estados Unidos, trabalhou na Fran�a. No Brasil, criou sozinha seu �nico filho, fruto da rela��o com um argelino que sumiu antes de o beb� nascer.
Exata uma semana depois da morte da m�e, Karim leu A vida invis�vel de Eur�dice Gusm�o. Na �poca, o romance de estreia da carioca Martha Batalha n�o havia sido publicado no Brasil – isso ocorreu somente em abril de 2016, pela Companhia das Letras –, mas j� era vendido para v�rios pa�ses. Karim admite: sentiu inveja do poder que a hist�ria trazia, pois reconheceu nas personagens fict�cias n�o apenas sua m�e, Iracema, como suas tias e as amigas delas.
“Todo mundo tem algum ponto em comum com a hist�ria, pois ela fala sobre a constitui��o da fam�lia brasileira”, afirma o cineasta. Karim conversou com o Estado de Minas de um carro em Los Angeles – vai permanecer nos Estados Unidos mais duas semanas. Cineasta experiente – A vida invis�vel, que estreia no Brasil na quinta-feira (21), � seu s�timo longa-metragem –, admite estar em “outro mundo”, “aprendendo” a lidar com ele.
Desde maio, sua vida virou do avesso. Naquele m�s, quando chegou ao Festival de Cannes para exibir o filme na mostra Um certo olhar, o diretor via o evento franc�s como a grande vitrine para uma obra autoral. “Cannes � �timo ber��rio para uma crian�a, ao lado de Berlim e Veneza”, disse na �poca, referindo-se aos mais prestigiosos festivais europeus onde exibira seus trabalhos.
S� que veio o principal pr�mio da mostra Um certo olhar (feito at� ent�o in�dito para o cinema brasileiro). No final de agosto, o longa de Karim foi escolhido, com diferen�a de um voto para o incensado Bacurau, de Kleber Mendon�a Filho e Juliano Dornelles (que tamb�m fez premi�re em Cannes e dali saiu premiado), como o representante brasileiro para tentar uma vaga no Oscar 2020. A concorrida categoria melhor filme internacional tem candidatos de 93 pa�ses, n�mero recorde de inscritos.
AMAZON
Do ber��rio, Karim teve que pular para a universidade. Produzido pela RT Features, de Rodrigo Teixeira, hoje o brasileiro mais influente na Academia de Ci�ncias e Artes Cinematogr�ficas de Hollywood, A vida invis�vel foi vendido para mais de 30 pa�ses. Nos EUA, o longa estreia em 20 de dezembro, com distribui��o pela gigante Amazon. J� estreou na It�lia; chega em novembro � Espanha; em dezembro � Holanda, B�lgica, Luxemburgo, Fran�a; e em janeiro � Gr�cia.
Em meio a tantas datas, uma poder� fazer ainda mais a diferen�a: 16 de dezembro. Neste dia, a Academia de Hollywood vai anunciar a chamada shortlist com os 10 filmes internacionais (dos 93 inscritos). Dali eles passar�o por novo funil – apenas cinco ser�o indicados ao Oscar, em 13 de janeiro, como candidatos na dita categoria. A cerim�nia est� marcada para 9 de fevereiro.
“Se a gente entrar na shortlist, tudo vai se intensificar”, admite Karim, que, por ora, participa sozinho (sem elenco) da pr�-campanha do Oscar. “� um outro ecossistema. Como o pr�mio � muito ligado � ind�stria americana, o ritmo � muito diferente daquele dos festivais. � realmente entrar na rotina de mostrar filmes, fazer debates, entender onde est�o os votantes (da Academia). Estou adorando a aventura.”
N�o h� como Karim falar de A vida invis�vel sem falar de Iracema e de suas contempor�neas. “N�o tem como um filme meu n�o ter algo de autobiogr�fico, n�o sei muito separar. Mas adoto sempre o cuidado de n�o escrever sobre mim mesmo. Cinema � trabalho art�stico, n�o � terapia”, admite. “Iracema � a Guida do filme?”, n�o d� para n�o perguntar. “Ela � muito parecida com minha m�e, foi por causa dela que comecei a fazer o filme, pois me apaixonei pela personagem. Mas ao longo do processo fui descobrindo que todas as nossas m�es t�m algo de Guida e Eur�dice”, comenta.
O cineasta comanda as filmagens de A vida invis�vel
SEPARA��O
A vida invis�vel acompanha as irm�s Guida (Julia Stockler) e Eur�dice (Carol Duarte), filhas de um casal de imigrantes portugueses que passam a juventude no Rio de Janeiro dos anos 1950. Muito unidas, mas bem diferentes, elas acabam separadas. Guida, a mais velha, foge de casa e volta gr�vida, o que a faz ser expulsa pelo pai. J� Eur�dice, que sonha se tornar pianista, cumpre o papel de praxe: como dona de casa, vive um casamento sem amor. A separa��o for�ada determina a trajet�ria dessas duas mulheres. A narrativa vai de 1950 e 1958 – os momentos finais ocorrem em 2018.
Livro e filme s�o bem diferentes, inclusive o final, com caminhos opostos. “O que o filme tem em comum com o romance s�o os personagens e seus dilemas. Mulheres que t�m o sorriso 'afogado'. E a Martha foi maravilhosa em construir uma galeria de personagens que acabam se tornando um grande mosaico daquela gera��o”, elogia Karim.
Gera��o de mulheres marcadas pelo machismo. “O pai, ao separar as meninas, cometeu um ato de crueldade. As consequ�ncias do machismo s�o muito graves, pois ele destr�i a vida de muita gente. A minha m�e fez a vida dela, mas �s custas de uma dor muito grande depois de ser largada pelo meu pai. Uma dor que ela n�o dividia comigo”, revela o cineasta.
O Rio de Janeiro de A vida invis�vel � uma cidade partida. Rodado em S�o Crist�v�o, Santa Teresa, Est�cio de S�, Centro e Praia Vermelha, o filme busca, por meio das loca��es, apresentar o “mapa de classes” que n�o se encontram. “Acho importante que a trama mostre essa separa��o das zonas, uma das coisas mais fortes na cidade”, comenta o diretor.
Al�m das duas protagonistas, atrizes jovens e estreantes em cinema, Karim contou com uma participa��o de luxo. Fernanda Montenegro – “se minha m�e estivesse viva, teria a mesma idade dela” – surge nos momentos finais. Participa��o essencial, que fecha a narrativa (com algumas l�grimas nos olhos, para aqueles que n�o se furtam a embarcar de cabe�a num bom melodrama).
Karim trabalhou no roteiro durante dois anos. Quando chegou � cena final, pensou: “Este filme � sobre pessoas que passaram por uma guerra e h� as veteranas, que est�o vivas. � importante que fosse a Fernanda, pois, al�m do talento, ela tem uma dignidade imensa”, conta.
A atriz foi o primeiro nome que veio � cabe�a do cineasta. Karim pensou que ela n�o aceitaria, “j� que o papel � bem pequeno”. Agora, com a possibilidade de o filme ir para o Oscar, a inclus�o de Fernanda Montenegro, indicada na categoria melhor atriz por Central do Brasil (1998), virou um trunfo de A vida invis�vel.
O PAI
Karim A�nouz teve de parar tudo o que estava fazendo para se dedicar � campanha do Oscar e ao lan�amento de A vida invis�vel. Com isso, interrompeu a montagem de Argelino
por acidente, seu pr�ximo longa. “O filme � realmente autobiogr�fico, como foi o meu primeiro (o curta Seams, de 1993, sobre sua av�, mulher que criou sozinha as duas filhas).” Desta vez, ele vai atr�s de suas ra�zes. “Procuro o pa�s onde meu pai nasceu. Ao tentar entender de onde ele vem, quero entender que pa�s � este que se libertou do colonialismo”, comenta. O pai do cineasta, ainda vivo, n�o est� no document�rio.“Ele est� no filme como uma aus�ncia”, revela Karim.
ESTREIA NA QUINTA
Ao longo este m�s, A vida invis�vel vem sendo exibido em pr�-estreias nos fins de semana. Em BH, as �ltimas sess�es antes da estreia oficial, na quinta-feira (21), ocorrer�o neste domingo (17), �s 20h50, no P�tio 2, e �s 21h30, no Belas Artes 1. O longa j� foi assistido por 11 mil espectadores no Brasil.