
''Estou com 73 anos, sou debochado, brinco com as pessoas. Viver � muito importante numa �poca t�o �spera, dif�cil como est� o presente, empesteado de �dio, de nojo, de todas as qualidades piores''
Jorge Salom�o, escritor
Jorge Salom�o estava chateado com o clima de intoler�ncia instalado no Brasil. Um dia, conversando com a editora, mencionou a vontade de fazer um livro para se animar. No matutar sobre o que seria poss�vel, lembrou que muitas de suas obras est�o esgotadas e, assim, prop�s uma colet�nea com os sete volumes publicados ao longo das �ltimas quatro d�cadas. O resultado est� na antologia 7 em 1, lan�amento da Gryphus. Al�m disso, o poeta do desbunde, como ficou conhecido nos anos 1970, tem uma cole��o de projetos na manga, todos em vias de execu��o. Em breve, ele quer lan�ar Campo minado de flores e Panacum, al�m de um livro sobre o irm�o, o tamb�m poeta Waly Salom�o (1943-2003), cujo t�tulo provis�rio � Duas ou tr�s coisas que sei dele ou Waly, Waly!.
Agora, � sentar e finalizar tudo para dar um g�s que ajudem a tocar a vida, algo que Jorge sempre soube fazer. “Carrego em mim uma coisa de que gosto muito: a idade n�o me trouxe nenhuma dose de dor nem de arrog�ncia com as coisas, sempre estou com muita alegria para o que vier, para as coisas em si. Gosto de conhecer pessoas. Gosto de n�o ter coagulado em mim o prazer de viver. Estou com 73 anos, sou debochado, brinco com as pessoas, ando na rua, moro h� muitos anos em Santa Tereza (Rio) e as pessoas de l�, quando me veem, v�m e falam comigo. Viver � muito importante numa �poca t�o �spera, dif�cil como est� o presente, empesteado de �dio, de nojo, de todas as qualidades piores”, acredita.
Reunir Mosaical, O olho do tempo, Campo da Am�rika, Sonoro, A estrada do pensamento, Conversa de mosquito, Alguns poemas e + alguns deu ao poeta a oportunidade de lan�ar um olhar panor�mico sobre a pr�pria obra. Lan�ados entre 1994 e 2016, os livros apresentam a evolu��o da poesia e tamb�m da prosa de Jorge. “� legal isso porque voc� viaja. Lendo as coisas, ficava entusiasmado com meu �mpeto de escrever em certos livros. O campo da escrita � intenso, filos�fico, ut�pico, mistura linguagens sonoras, escritas”, interpreta. “Voc� revisar seu pr�prio trabalho traz surpresas inacredit�veis. Jamais imaginaria que me entusiasmaria lendo coisas minhas. Escrevi isso, � muito legal, � bom, � fant�stico”.
Ele se entusiasma tamb�m com o projeto da colet�nea, especialmente com a “orelha”, da acad�mica N�lida Pi�on e do jornalista Christovam De Chevalier (filho de Scarlet Moon), e a capa feita pelo filho, Jo�o Salom�o, designer gr�fico radicado em Nova York e orgulho do pai. “Jo�o veio do grafite, passou para a ilustra��o e tem feito muita coisa em revistas americanas. Chevalier � um excelente poeta, e N�lida, uma grande escritora, que escreveu palavras sobre minha pessoa que s�o inacreditavelmente geniais”, garante.
''Voc� revisar seu pr�prio trabalho traz surpresas inacredit�veis. Jamais imaginaria que me entusiasmaria lendo coisas minhas. Escrevi isso, � muito legal, � bom, � fant�stico''
Jorge Salom�o, escritor
Olhar anal�tico sobre
o conjunto dos poemas
Olhar para esse conjunto de livros fez Jorge ter uma ideia da evolu��o da pr�pria obra. Quando escreveu Mosaical, nos anos 1990, ele lembra ter colocado os versos em um saquinho de pl�stico para levar para a editora. De l� para Alguns poemas e alguns, publicado em 2016, h� um caminho tra�ado n�o apenas pela experimenta��o da forma, mas pelo conte�do.
“Come�o a dialogar com a prosa po�tica e, depois, com Campos da Am�rica, que � um discurso estratosf�rico, um discurso denso, filos�fico e forte sobre a situa��o do mundo, sobre como nos posicionamos frente a tanto acontecimento desastroso, a tanto avan�o tecnol�gico por um lado e desumanidade, por outro”, repara. Sonoro, ele aponta: � um livro de poemas que dan�a um pouco entre Brecht e Rimbaud, autores que Jorge aprecia mito. A estrada do pensamento � mais reflexivo e filos�fico, sobre como prosseguir e o que fazer. Conversa de mosquitos carrega uma anedota interessante. Jorge estava lendo um livro do fil�sofo austr�aco Ludwig Wittgenstein no parapeito de uma janela, quando viu dois mosquitos. “E eles se olhavam e parecia que estavam conversando”, lembra, aos risos, ao se recordar tamb�m da rea��o do irm�o, Waly, ao t�tulo da obra.
Jorge achava que boa parte da poesia feita na �poca era acad�mica demais, chata demais. “E eu n�o gosto disso”, avisa. “Sou uma pessoa muito vulc�nica, discuto muito os conceitos, gosto de destrinchar conceitos, de misturar informa��es.” Com um apego � sonoridade dos versos, ele come�ou a reparar que esse aspecto estava fragilizado e a poesia estava se tornando muito parnasiana. Olhando agora para os sete livros, compreende o conjunto da obra. “Gosto do avesso das coisas. Ou de revirar as coisas. Acho que, ao conceituar, voc� pode tamb�m dar uma conota��o de rota��o de tudo, e n�o ser uma coisa estabelecida”, repara.
Mergulho na m�sica,
inspirado pelo irm�o
Tr�s anos mais velho, Waly foi muito importante na vida de Jorge Salom�o. Foi ele um dos grandes incentivadores da escrita po�tica, mas tamb�m das letras de m�sica. Waly e Ant�nio C�cero insistiram muito para que Jorge escrevesse m�sica. “Tudo que eu falava, Waly e C�cero diziam que era genial e ficavam falando: ‘voc� devia fazer letra de m�sica’. Mas eu achava minhas frases muito longas, chatas. E eles batiam na tecla. J� eram famosos. E isso aconteceu misteriosamente”, conta.
Um encontro casual, na praia, com o compositor Nico Rezende resultou em Noite, gravada por Zizi Possi, e Pseudo blues, levada �s listas das mais ouvidas pela voz de Marina Lima. As m�sicas catapultaram Jorge ao mundo dos est�dios e gravadoras. “Eu entrava em um t�xi e tocava Noite, ia comprar cigarro e tocava Pseudo blues. Uma loucura!”, lembra.
Sobre o livro dedicado a Waly, Jorge antecipa que ser� um conjunto de mem�rias e reflex�es dedicadas ao irm�o. “Est� pronto e � sobre nossas vidas, nossas brincadeiras, nossas uni�es e desuni�es, nossos amores. Desde crian�a a gente era muito unido. Ele sempre teve muita prote��o comigo. “Nossas vidas inteiras foram muito paralelas, mesmo em momentos de desuni�o. A gente tinha uma paix�o grande um pelo outro. Talvez tenha sido n�o s� uma coisa de irm�o, mas por termos os dois escolhido caminhos libert�rios, que possibilitaram uni�es mais fortes, alian�as progressistas”.
7 em 1
• De Jorge Salom�o
• Editora Gryphus
• 252 p�ginas
• R$ 59,90
Minha sensibilidade
minha sensibilidade
n�o � lata de lixo n�o
nem espremedor de laranjas
a triturar frutas sem parar
nem alvo para testes de pontaria
nem rede para se espregui�ar
nem milho de pipoca prestes a estourar
nem ar-condicionado
nem nada do que se possa esperar
nem ventilador a atirar o caos para o ar
nem mensagens que n�o puderam
numa garrafa entrar
nem barco sem condi��es
atirado a altas ondas do mar
minha sensibilidade � simples
n�o gosta de barulho
mas gosta de dan�ar
� simples
e volta e meia
se perde no filme invis�vel
que passa por entre as rochas
e fica a indagar o seu caminhar
minha sensibilidade
� uma interroga��o
neste deserto de absurdas afirma��es
n�o � nada
do que se possa esperar
� simples
e quer aumentar...