
O filme que durante d�cadas foi considerado o melhor da hist�ria do cinema tamb�m j� virou um produto Netflix. N�o, n�o vem por a� uma nova vers�o, para streaming, de Cidad�o Kane, que, ali�s, nem em sua forma original faz parte do decepcionante repert�rio de atra��es da Netflix. O que vem por a� � uma esp�cie de making of do projeto Citizen Kane. Ou melhor, um docudrama com os bastidores da cria��o do filme que projetou Orson Welles como o maior e mais influente diretor do cinema moderno.
A come�ar pelo t�tulo, Mank, o fulcro desse "netflick", ora em filmagens sob a batuta de David Fincher, diretor de Seven - Os sete crimes capitais e A rede social, � a pol�mica criada em torno da autoria do roteiro original de Cidad�o Kane. Mank era o apelido de Herman J. Mankiewicz (leia-se "manqueuiques"), parceiro de Welles na confec��o do script e na premia��o do �nico Oscar que o filme, concorrendo a mais oito estatuetas, conquistou em 1942.
Irm�o mais velho do tamb�m roteirista e depois diretor Joseph L. Mankiewicz (A malvada, A condessa descal�a), Herman foi jornalista do New York Times, publicista da bailarina Isadora Duncan e cr�tico de teatro da revista The New Yorker, antes de ir para Los Angeles tentar uma carreira de roteirista, nos estertores do cinema mudo. Chefiou a divis�o de roteiristas da Paramount, trabalhou na Metro, palpitou nos scripts de O m�gico de Oz e Os homens preferem as louras, produziu as tr�s melhores com�dias dos Irm�os Marx e ganhou um segundo Oscar ex-aequo, pelo roteiro de �dolo, amante e her�i (The pride of the yankees).
�LCOOL
Pingu�o hard, desde o in�cio da prepara��o de Kane, Mank foi mantido longe do �lcool, sob a vigil�ncia de John Houseman, bra�o direito de Welles no Mercury Theater. Morreu em 1953, aos 55 anos. Gary Oldman o encarna no filme de Fincher. Quem faz Welles � o tamb�m brit�nico Tom Burke, salvo engano o sexto ator a interpretar na tela o cineasta, j� vivido at� por um brasileiro, Arrigo Barnab�, em Nem tudo � verdade, de Rog�rio Sganzerla.
Pelos dados at� agora disponibilizados pela produ��o de Mank, sabe-se que Amanda Seyfried faz o papel da atriz Marion Davis, amante de William Randolph Hearst, o magnata que serviu de modelo a Charles Foster Kane, mas nenhuma informa��o sobre o int�rprete de Hearst vazou para a imprensa. As figuras de Chaplin, Sternberg e Norma Shearer tamb�m fazem apari��es de destaque no filme, mas n�o vi qualquer refer�ncia a Houseman. Sem Houseman, a hist�ria da pol�mica sobre a autoria do roteiro de Kane fica meio capenga, pois ele, al�m de vigiar Mank e intermediar sua rela��o com Welles, deu ideias para o filme, aceitas pelo cineasta.
A pol�mica, saliente-se, � mais velha que o pr�prio filme. Nove meses antes do lan�amento de Kane, em maio de 1941, a colunista de fofocas hollywoodianas Louella Parsons – a mesma que moveria feroz campanha difamat�ria contra o filme para bajular Hearst, seu patr�o numa poderosa cadeia de jornais – divulgou uma declara��o de Welles sobre o roteiro, sem mencionar o nome do parceiro. Mank ficou uma cacatua e estrilou; mas, j� tendo embolsado US$ 22.833,35 pela coautoria, ali�s proposta por Welles, p�s o galho dentro.
Trinta anos depois, a recidiva: convidada a prefaciar a edi��o em livro do roteiro de Kane, a legend�ria cr�tica da revista The New Yorker Pauline Kael ressuscitaria a controv�rsia, tomando as dores de Mank. O ensaio pode ser lido em Criando Kane, traduzido pela Record. Espero que Jack Fincher, o finado pai de David, autor do roteiro de Mank, tenha se abastecido mais das hist�rias dos bastidores de Kane recolhidas por Robert L. Carrington (The Making of Citizen Kane, University of California Press, 1985) do que do texto tendencioso de Kael.
Sua tese de que as sacadas mais brilhantes de Kane sa�ram da cabe�a de Mank � inteiramente furada. Para in�cio de conversa, o filme n�o adquiriu notoriedade por sua urdidura dram�tica nem seus di�logos, mas pelo virtuosismo da mise-en- sc�ne de Welles, visualmente deslumbrante e com not�vel influ�ncia da sonoridade radiof�nica trazida pelo cineasta de sua experi�ncia no Mercury Theater On the Air. Encontraram entre os guardados de Houseman uma troca de cartas dando conta da insatisfa��o de Mank com a �nfase que Welles dava ao visual, em detrimento de seus di�logos. Essa revela��o n�o engorda a tese de Kael.
Carrington leu todos os tratamentos submetidos por Mank. Se n�o fosse Welles, incontrast�vel autor da concep��o e da estrutura do filme, Kane teria sucumbido a uma quantidade ponder�vel de cenas mal alinhavadas, sup�rfluas e enfadonhas, concluiu Carrington.
Se Mankiewicz j� dramatizara a vida da l�der religiosa Aime Semple McPherson e do g�ngster John Dillinger � base de flashbacks, em roteiros que n�o chegaram a ser filmados, Welles j� utilizara similar artif�cio para contar a vida do armamentista Basil Zaharoff numa de suas pe�as radiof�nicas.
Detalhe: o bilion�rio Zaharoff tamb�m morria cercado apenas de sua criadagem num castelo de Monte Carlo, tamb�m comprado para uma velha amante. Antes de dar seu �ltimo suspiro, o personagem pedia para ser levado at� uma roseira ("rosebush" em ingl�s).
Embora tivesse reconhecido por escrito a import�ncia de Mank na prepara��o do roteiro, Welles considerava bem maior sua d�vida com o diretor de fotografia Gregg Toland, cujo nome fez quest�o de p�r ao lado do seu, nos cr�ditos finais do filme. Sem Mank, Welles teria feito Kane quase igual ao que conhecemos. Sem o know how, a paci�ncia e o g�nio de Toland, tenho minhas d�vidas. (S�rgio Augusto, Ag�ncia Estado)
QUEM � QUEM
Confira o elenco principal do filme Mank

Gary Oldman (Herman J. Mankiewicz, o Mank)

Tom Burke (Orson Welles)

Amanda Seyfried (Marion Davis)

Tuppence Middleton (Sara Mankiewicz)

Tom Pelphrey (Joseph Mankiewicz)