Conhe�a quatro escritores que oferecem novo olhar sobre o Brasil
Livros de Marcelo Moutinho, Juli�n Fuks, Natalia Borges Polesso e Caetano Galindo trazem hist�rias e personagens que nem sempre est�o em primeiro plano na literatura brasileira
postado em 17/02/2020 04:00 / atualizado em 16/02/2020 18:21
Eles se interessam por pessoas, por quest�es existenciais, pela dor do outro, mas tamb�m pela diferen�a, em olhar para o pr�ximo como ser humano e n�o como amea�a. Com livros publicados do fim de 2019 para c�, Marcelo Moutinho, Juli�n Fuks, Natalia Borges Polesso e Caetano Galindo levam a literatura brasileira para um patamar de delicadeza e talento narrativo com hist�rias bem-escritas e sens�veis.
O fato de ter crescido em Madureira, em uma fam�lia simples de comerciantes portugueses, tem certa relev�ncia na maneira como Marcelo Moutinho constr�i os personagens de Rua de dentro. Protagonizados por figuras normalmente � margem na produ��o liter�ria brasileira, os 13 contos trazem hist�rias de transexuais, moradores de favelas, casais homossexuais e v�timas do machismo.
Como em Ferrugem, livro de contos que deu a Moutinho o Pr�mio Clarice Lispector, Rua de dentro faz um recorte com personagens de classe m�dia baixa e, sobretudo, pessoas invisibilizadas pelos contextos sociais.
“Muita gente tem falado em pessoas � margem da sociedade, mas n�o acho que estejam � margem. Elas fazem parte da sociedade, mas quando s�o objetos da literatura s�o colocadas em situa��es acess�rias, sem protagonismo, ou vistas sob a lente de dois estere�tipos: viol�ncia e falta de recursos”, explica o autor. A inspira��o de Moutinho veio das cal�adas do Rio de Janeiro, cidade onde mora, dos �nibus, das esquinas e do dia a dia distante do glamour da Zona Sul.
� o mesmo universo que interessa a Caetano Galindo nos contos de Sobre os canibais. As min�cias do cotidiano e quest�es existenciais que j� estavam presentes no livro anterior, Ensaio sobre o entendimento humano, voltam em uma prosa que se ancora na oralidade e na explora��o da consci�ncia. “Um gesto heroico hist�rico muitas vezes n�o me emociona mais do que algu�m que passa pela cal�ada da minha casa e de repente se abaixa para amarrar o sapato. Sei l�. Me parece um lembrete s�bito da grande realidade, da realidade de verdade, premente, presente o tempo todo. Tipo tomar um copo d'�gua”, avisa o autor.
Os contos de Galindo s�o breves. Funcionam, muitas vezes, como recortes e retratos, nascem do desejo de “n�o explicar demais o que est� ali”. Tradutor de cl�ssicos da literatura mundial – sua vers�o em portugu�s de Ulysses � considerada uma das melhores – e professor da Universidade Federal do Paran�, Galindo revela que a maioria de seus contos surge de uma imagem.
Nesse processo, ter trabalhado a fundo com tradu��o do melhor da literatura ajuda a manejar as t�cnicas narrativas. “Afia as ferramentas, n�? O pouco que elas estejam afiadas”, comenta. “Traduzindo, voc� tem que abrir o cap� das obras e ver como elas funcionam. Isso ensina muito sobre os mecanismos de condu��o liter�ria. Tive muita sorte de s� ter traduzido literatura muito boa. A�, como que fiz anos de 'est�gio' de escrita liter�ria...”
A ruptura e a solid�o conduzem a trajet�ria de Maria Fernanda no romance Controle, de Natalia Borges Polesso. Durante a adolesc�ncia, a personagem descobre que sofre de epilepsia. Ao mesmo tempo, precisa lidar com os desejos efervescentes das descobertas da idade. A paix�o pela melhor amiga complica tudo. A sensa��o de isolamento social pauta boa parte do livro, em uma escrita em que dor e delicadeza se cruzam de forma muito bonita.
Tamb�m � densa a prosa de Juli�n Fuks em A ocupa��o, uma esp�cie de sequ�ncia de Resist�ncia. Em cap�tulos curtos, o autor retoma seu alter ego, Sebastian. A narrativa alterna entre as conversas do narrador-protagonista com moradores de um velho pr�dio ocupado no Centro de S�o Paulo, a doen�a do pai e a chegada de um filho. A incerteza diante de poss�veis perdas e da vida que se renova conduz Sebastian a reflex�es sobre os pr�prios limites da exist�ncia humana.
Tr�s perguntas para...
Marcelo Moutinho (foto)
escritor
(foto: Leo Aversa/divulga��o)
Em que lugar da imagina��o voc� buscou os personagens do livro Rua de dentro?
Uso muito como mat�ria-prima a experi�ncia de caminhar na rua. Primeiro, porque acho que todas as cidades t�m uma linguagem, meio ca�tica �s vezes, como no Rio. O bord�o de um camel�, uma fala entrecortada de um celular, o transporte p�blico, h� v�rios est�mulos verbais, sonoros e visuais que est�o no espectro da linguagem de uma cidade. Quando o escritor est� atento, acaba tirando da� mat�ria-prima interessante para material ficcional.
Voc� diz que hoje estamos lendo mais o que se escreve nas favelas. Por qu�?
O que aconteceu � que tem uma cena liter�ria nas favelas muito forte agora, possibilitada por saraus e feiras liter�rias, e isso acabou revelando autores. Mas esse espa�o continua meio despovoado e imagino que isso est� ligado � ideia de que vidas comuns n�o rendem literatura.
Faltam personagens perif�ricos na fic��o brasileira?
Sou de Madureira, moro na Zona Sul, e acho que tem uma confus�o entre representatividade e lugar de fala na fic��o. � importante que haja representatividade das minorias, mas um escritor pode escrever sobre o que bem entender. As hist�rias acabam se repetindo por falta de circula��o, mas circula��o em lugares que t�m o outro. Tenho muitos amigos que moram na Zona Sul e nunca foram a uma favela. Se foram, foram na van, numa expedi��o. Isso n�o � conhecer o outro, conhecer o outro � fugir do estere�tipo. Quando voc� n�o conhece o outro, tende a ter mais medo. O Rio, como diz Zuenir Ventura, � uma cidade em que as popula��es das �reas mais pobres v�o �s zonas de elite, seja para trabalhar, seja para usufruir dos equipamentos culturais, mas a maioria da elite n�o circula na cidade.