
Ao retornar da Inglaterra, onde vivia desde outubro, em fun��o das incertezas geradas pela pandemia do novo coronav�rus, a advogada Fernanda Amariz, de 27 anos, encontrou nas aulas de canto uma forma de tornar os dias na quarentena menos angustiantes. H� uma semana e meia de volta a Belo Horizonte, ela passa quarentena com a fam�lia, mas em isolamento pessoal dentro de um quarto. Espa�o suficiente para aprimorar as t�cnicas vocais sob orienta��o da professora, via v�deo-chamada.
“Coincidentemente, uma amiga em comum me falou do caso de uma professora de canto que estava preocupada com a falta de aulas durante a epidemia. Ou seja, juntei a possibilidade de ajudar algu�m e de fazer uma atividade que me trouxesse alguma distra��o nestes dias”, conta Fernanda. A segunda aula ser� nesta semana. Aprender canto era algo que a advogada “j� tinha pensado v�rias vezes”, mas sem nunca iniciar. A aluna garante que n�o h� nenhum inc�modo no fato das aulas n�o serem presenciais e ainda celebra: “Poderei continuar, mesmo quando voltar para o exterior”.
Embora muitas vezes dependa dos encontros, o ensino das mais variadas artes encontra seus caminhos na quarentena, inclusive como ferramenta importante no bem-estar de muita gente. A servidora p�blica Camila Navarro, de 35, havia procurado a escola de escrita e literatura Estrat�gias Narrativas antes da epidemia estourar no Brasil. A ideia era fazer das aulas no “ateli� de escrita” um momento de relaxamento frente � correria rotineira. Com o isolamento residencial ocasionado pelo coronav�rus, a atividade ganhou outro significado para ela, que � m�e de uma crian�a de 2 anos e nove meses.
“A escrita tem sido uma forma terap�utica de lidar com o isolamento, mas tive a ideia de fazer um di�rio, para ele ler no futuro. Estamos vivendo um momento hist�rico, que ser� estudado nas pr�ximas d�cadas. Quando a gente v� a hist�ria, muitas vezes n�o entendemos como aconteceu, ent�o pensei em deixar esse registro para ele compreender quando crescer, j� que ele n�o deve se lembrar. � um registro para ele saber como estamos vivendo esses dias”, diz Camila.
Uma das respons�veis pelo ateli�, a professora de literatura J�lia Arantes diz que a procura foi grande durante a quarentena e alguns cursos da escola at� se esgotaram, como da oficina Formas breves: Escrevendo contos. “Antes da COVID-19, j� havia uma procura por parte de profissionais que t�m uma rotina extenuante, que buscam na escrita e na leitura uma forma de desopilar. Durante a quarentena, ficou mais intenso. Na falta de contato social, nesses cursos voc� se encontra com pessoas diferentes, mas de interesse em comum pela literatura. Muita gente precisa disso agora”, esclarece a professora.
J�lia Arantes ainda destaca o car�ter democr�tico da atividade. “Para aprender a tocar um violoncelo, � preciso comprar o instrumento. Escrita basta o papel e a caneta. Al�m disso, � uma forma de nos ajudar a compreender o que estamos vivendo, de registrar nossas pr�prias emo��es. Nos nossos cursos ainda podemos trocar essas experi�ncias, pois os alunos leem os textos uns dos outros, opinamos. H� uma grande cumplicidade nas turmas”, relata a professora, que est� ministrando os encontros dos cursos via plataformas digitais de v�deo-chamada.
CRIAR NO CAOS
Para quem j� lidava h� mais tempo com o ensino de atividades art�sticas, os tempos s�o de desafios e “reinven��o”, como define o professor coordenador dos cursos de teatro da PUC-MG, Luiz Arthur Oliveira. Com aulas presenciais interrompidas, as li��es continuam com aux�lio dos v�deos e da internet. Para Oliveira, se o contato f�sico � “mat�ria prima fundamental para o desenvolvimento do artista”, a capacidade de “improvisar e criar no caos”, tem a mesma import�ncia. Os mais de 140 alunos das tr�s modalidades de cursos teatrais da institui��o t�m seguido as aulas enviando cenas gravadas em casa e interagindo com colegas e professores nas plataformas digitais interativas.“N�o podemos interromper. Sobretudo agora, quando o que tem trazido serenidade �s pessoas � justamente a cultura e a arte, t�o depreciadas nos �ltimos tempos. O hist�rico e a gen�tica do teatro � de lutar contra panoramas adversos. Foi assim na ditadura e ser� assim agora, que lutamos n�o s� contra um v�rus, mas tamb�m contra o totalitarismo de governantes que est� junto com ele. Estamos reaprendendo e reinventando e os alunos t�m que ter protagonismo nessa hist�ria”, argumenta o coordenador.