postado em 15/04/2020 04:00 / atualizado em 14/04/2020 20:03
"Li o livro da Samantha Power (no qual o filme se baseia), vi document�rios, li muito, inclusive teses acad�micas. Estudei todo esse material para depois 'esquecer' tudo e criar a minha pr�pria vers�o dele"
Wagner Moura, ator e produtor do longa
“Voc� sabe que n�o posso resumir 34 anos em tr�s minutos”, diz S�rgio Vieira de Mello a uma funcion�ria que lhe pede um v�deo de boas-vindas a novos funcion�rios da Organiza��o das Na��es Unidas, na sede da ONU, em Genebra, “porque voc� est� pedindo para eu contar a minha vida”, ele acrescenta.
O documentarista norte-americano Greg Barker partiu desse registro para reconstituir a trajet�ria do brasileiro em seus dois longas dedicados a ele. O primeiro, de 2009, � o document�rio Sergio, produzido para a HBO. O segundo, que estreia na Netflix nesta sexta-feira (17), tamb�m chamado Sergio, � o primeiro longa de fic��o do diretor.
Wagner Moura interpreta o alto comiss�rio das Na��es Unidas para os direitos humanos, morto aos 55 anos, em 19 de agosto de 2003, em um atentado a bomba contra o Hotel Canal, ent�o sede da ONU em Bagd�. O diplomata, a contragosto, mas aceitando um pedido de Kofi Annan, na �poca secret�rio-geral da ONU, tinha ido para o Iraque represent�-lo em uma miss�o de assist�ncia. S�rgio era bastante cr�tico da a��o americana naquele pa�s.
Morreram ao seu lado 21 pessoas – a Al-Qaeda assumiu a autoria do ataque. S�rgio ficou preso nos escombros durante tr�s horas. Entre os sobreviventes, estava a argentina Carolina Larriera, sua colega na ONU e companheira havia quase quatro anos – somente em 2017 ela conseguiu que a Justi�a brasileira reconhecesse a uni�o civil do casal. No filme, o papel de Carolina ficou com a cubana Ana de Armas.
Os dois filmes de Barker (o document�rio est� dispon �vel na plataforma de streaming), ambos baseados no livro O homem que queria salvar o mundo (2008), de Samantha Power, t�m estrutura semelhante. A narrativa vai e volta no tempo, a partir da explos�o, para acompanhar a trajet�ria do diplomata. Na �poca, ele era o nome mais cotado para suceder a Kofi Annan – “o �nico alto funcion�rio da ONU conhecido por todos pelo primeiro nome”, como descreveu o amigo, em um emocionado discurso que os dois filmes recuperam.
O longa mostra o passado de S�rgio com a m�e e os filhos no Rio, sua bem-sucedida atua��o no Camboja e, em especial, no Timor-Leste, e a presen�a no Iraque. As passagens se sucedem como um quebra-cabe�as. Sua rela��o com Carolina, no entanto, acaba se sobrepondo � vida p�blica. Por mais de uma vez, a conota��o pol�tica da narrativa esmaece frente ao drama amoroso. Na entrevista a seguir, Wagner Moura, tamb�m produtor do filme, e Ana de Armas falam do projeto.
SERGIO
O filme de Greg Barker estreia nesta sexta (17), na Netflix
ENTREVISTA
De que maneira o document�rio Sergio influenciou o filme?
Wagner Moura – Tivemos a preocupa��o de fazer com o que o filme, sendo de um g�nero diferente, funcionasse mesmo tendo uma estrutura similar � do document�rio. Ali voc� tem algu�m que, num momento de vida e de morte, repensa sua vida. Eu, pessoalmente, n�o gosto de estrutura que vai e vem no tempo, mas neste filme acho que fez sentido ter tantos flashbacks.
Chamam a aten��o o seu gestual e a postura, muito pr�ximos aos de S�rgio Vieira de Mello. Como se preparou para o papel?
Wagner Moura – Tenho feito muitos personagens baseados em pessoas reais. N�o � algo que eu esteja particularmente interessado, prefiro n�o ter responsabilidade pela vida de ningu�m. Foi coincid�ncia mesmo ter feito Pablo (Escobar, na s�rie Narcos), dirigido Marighella (in�dito, filme que marca sua estreia na dire��o de longas) e at� uma produ��o recente, do Olivier Assayas (Wasp network, in�dito nos cinemas) rodado em Cuba, em que Ana (de Armas) e eu vivemos outro casal. No caso do S�rgio, claro que li o livro da Samantha Power, vi document�rios, li muito, inclusive teses acad�micas. Estudei todo esse material para depois “esquecer” tudo e criar a minha pr�pria vers�o dele. Agora, a quest�o externa, dos gestos, postura, n�o vem de uma imita��o. Isso aconteceu de forma mais org�nica.
Que contato voc�s tiveram com Carolina e os dois filhos de S�rgio?
Wagner Moura – No in�cio da produ��o, falei com os filhos em Genebra e com a Carolina. Mas foi uma conversa mais do ponto de vista �tico, do produtor (e n�o do ator). Para criar um personagem, n�o quero ningu�m com envolvimento emocional interferindo no que estamos fazendo. E a Carolina foi ao Festival de Sundance (em janeiro passado, na premi�re do filme) e tivemos uma conversa muito boa depois da exibi��o. � muito forte para ela, pois, al�m de estar l� e ter sido uma das v�timas, o que aconteceu lhe trouxe muitas consequ�ncias, j� que teve que lutar na Justi�a pelo direito de ser a vi�va.
Ana de Armas – Quando nos encontramos no Rio, eu estava muito nervosa. Ela foi at� o escrit�rio da produtora, onde ensai�vamos. Tomamos caf� e ela n�o tirava os olhos do Wagner, sorria e falava como ele se parecia com o S�rgio. Todas as hist�rias que ela nos contou nos pareceram muito vivas.
Sobreviventes do atentado participaram do filme. Como foi a rela��o deles com o elenco?
Ana de Armas – Sempre que cheg�vamos a um lugar para rodar, havia pessoas se voluntariando. Na Jord�nia, a participa��o de sobreviventes provocou uma rea��o muito forte tanto neles quanto em n�s. � como se estivessem revivendo o trauma. Mas, de certa forma, participar tamb�m envolveu um aspecto de cura. Levamos uma semana para rodar uma �nica cena (em que Carolina procura por S�rgio ap�s a explos�o). Foi uma das mais dif�ceis da minha carreira.
Daniel Dreifuss � natural de BH, mas est� radicado em Los Angeles desde 2003 (foto: Fotos: NETFLIX/DIVULGA��O
)
“Ele era perfeito para o papel”, diz produtor mineiro
Radicado em Los Angeles desde 2003, o produtor belo-horizontino Daniel Dreifuss conta que Sergio � o filme de maior or�amento que j� produziu. Ele n�o menciona o valor, mas, de acordo com o site especializado em produ��o audiovisual Internet Movie Data Base, a produ��o foi or�ada em US$ 16 milh�es (R$ 82 milh�es). At� ent�o mais conhecido como coprodutor do chileno No, de Pablo Larra�n, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, em 2013, Dreifuss diz que a sugest�o do nome de Wagner Moura lhe chegou por e-mail.
“Uma pessoa que eu n�o conhecia dizia que estava trabalhando com o Wagner na s�rie Narcos e que o ator estava buscando as pessoas que detinham os direitos do livro (da Samantha Power)”, diz Dreifuss, na �poca j� trabalhando com Greg Barker no projeto. “Quando o Wagner chegou at� n�s, j� tinha lido o livro, pesquisado sobre o S�rgio. O Greg n�o o conhecia, mas eu disse que a pessoa perfeita para o papel havia se apresentado.”
A presen�a de Wagner Moura, tamb�m um dos produtores do longa, foi determinante para a primeira conversa com a Netflix, que acabou sendo a �nica produtora que a equipe procurou.
Sergio foi rodado no Brasil, na Jord�nia e na Tail�ndia. Houve tamb�m um dia de filmagem em Nova York. “Rodamos o mundo uma vez para buscar loca��es e outra para filmar. Os lugares todos t�m culturas, idiomas e maneiras de trabalhar distintas. Na Jord�nia, o clima � muito �rido, enquanto na Tail�ndia, quando chegamos, era o per�odo de mon��es (com fortes chuvas). Sergio foi um projeto raro. Do ponto de vista do produtor, a vida no set era mais tranquila do que na pr�-produ��o”, afirma Dreifuss.