
"Eu queria me conhecer enquanto autora de fic��o. Os contos seriam uma forma barata e poss�vel de me conhecer, de conhecer meus personagens", afirma a autora. "Esse livro foi um laborat�rio para fazer fic��o autoral. Foi a� que descobri quais hist�rias queria contar, para depois levar ao cinema."
De fato, espalhados pelas seis breves narrativas est�o personagens, dramas e tem�ticas que viriam a se espelhar, de forma mais ou menos fiel, na filmografia de Muylaert. Ali est�o as ang�stias e press�es da vida feminina, a aliena��o das madames de classe m�dia alta, as quest�es amb�guas que definem a vida de trabalhadoras dom�sticas, assuntos que retornam em filmes como Chamada a cobrar (2012).
A �nica adapta��o literal � o curta A origem dos beb�s segundo Kiki Cavalcanti (1995), que transp�e para a tela o hil�rio conto hom�nimo da crian�a que desvirtua a aula de ci�ncias ministrada por uma professora iniciante sobre o nascimento dos pintinhos, ao relatar sua hip�tese a respeito da maneira pela qual os beb�s s�o concebidos, inspirada por uma cena perturbadora que havia testemunhado entre os pais.
O conto que d� nome � colet�nea � talvez o mais forte, e certamente o que mais reverbera em seu filme de maior sucesso at� hoje, Que horas ela volta? (2015). O roteiro do longa, estrelado por Regina Cas�, ali�s, est� sendo lan�ado em livro pela cole��o Roteiros do Cinema Brasileiro, da Klaxon Cultura Audiovisual, com pref�cio da jornalista Eliane Brum e transcri��o de uma longa entrevista com Muylaert, al�m de ricamente adornado com fotos do filme.
Quando o sangue sobe � cabe�a narra, com uma cronologia fragmentada, o colapso de um n�cleo familiar h� muito desgastado. Marido e mulher n�o se suportam – nem mant�m rela��es – h� meses; ele a traiu com a empregada, ela foge de casa. A filha do casal est� prestes a menstruar pela primeira vez, e seu av� s� pensa na morte que se avizinha. As tens�es se avolumam at� um ponto sem retorno, e quem sofre as consequ�ncias de forma mais dr�stica � justamente a dom�stica.
PALAVRA
H�, claro, uma s�rie de diferen�as entre a escrita liter�ria e a cria��o cinematogr�fica de Muylaert. "No roteiro, o que voc� est� trabalhando � a estrutura narrativa, os di�logos, voc� trabalha muito mais a emo��o cena a cena, o que vai levar ao espectador. No cinema, o que voc� escreve ningu�m vai ler, s� os atores. Na literatura, a palavra � o produto final, � a palavra que tem valor", analisa ela.
Como principal influ�ncia para seus contos, Muylaert cita dois gigantes da literatura brasileira. "Nessa �poca, eu lia muito Nelson Rodrigues. Ele foi uma grande inspira��o nos di�logos. Ele tem essa coisa do cotidiano, do prosaico. Embora eu n�o ache uma literatura rodriguiana. Tamb�m me influenciei muito por Machado de Assis, essa ironia, essa acidez dele."
Em 2019, Muylaert presidiu a comiss�o que escolheu A vida invis�vel, de Karim A�nouz, como o indicado brasileiro � disputa pelo Oscar 2020. Hoje em dia, diferentemente de quando iniciou sua carreira, ela v� um bom panorama para o cinema nacional. "Houve uma expans�o incr�vel motivada pelas pol�ticas p�blicas de valoriza��o da pluralidade. H� muitos filmes bons sendo feitos por ano. Melhorou tudo, tanto t�cnica quanto artisticamente, tanto que estamos em todos os festivais importantes." Apesar disso, Muylaert alerta para o perigo de uma regress�o no cinema brasileiro, caso as pol�ticas p�blicas de est�mulo �s produ��es nacionais n�o se mantenham.
Enquanto se isola durante a pandemia de coronav�rus, ela trabalha para ajeitar os �ltimos retoques de seu novo roteiro e espera come�ar a rodar seu pr�ximo longa, O clube das mulheres de neg�cios, no fim deste ano. "� um filme no estilo dos meus anteriores. Um drama que tamb�m � engra�ado, tenso. Ser� sobre constrangimento de g�nero, principalmente no ambiente profissional", diz.

Quando o sangue sobe � cabe�a
Anna Muylaert
Editora Lote 42 (136 p�gs.)
R$ 45