
Para recuperar a trajet�ria de homens e mulheres que tiveram importantes pap�is na pol�tica, sociedade, cultura e esporte do pa�s, Castro Neves convidou outros tantos homens e mulheres com rela��o pessoal ou de afinidade com tais personagens. S�o 41 textos, em formato de mem�ria ou de ensaio.
O elenco � o mais diverso poss�vel: Celina Vargas do Amaral Peixoto escreveu sobre o av�, Get�lio Vargas; Nelson Motta sobre Vinicius de Moraes; Fernanda Montenegro sobre Irm� Dulce; Pedro Bial sobre o Marechal Rondon; Miguel Reale J�nior sobre Ulysses Guimar�es; Pedro Malan sobre Ruth Cardoso; Fernando Henrique Cardoso sobre Tancredo Neves; Marcelo Madureira sobre Monteiro Lobato; Zuenir Ventura sobre Vladimir Herzog; Iza Salles sobre dom Pedro I; Ancelmo Gois sobre Luiz Gonzaga; Renato Arag�o sobre Oscarito.
Castro Neves deu total liberdade para que os autores escolhessem seus her�is. “As pessoas foram escolhendo muito em fun��o de sua �rea de atua��o. A ideia n�o era fazer a coisa elogiosa, mas encontrar a humanidade daquelas pessoas, com seus pecados tamb�m. Queria ‘salvar’ estas pessoas para as novas gera��es, pois sen�o a hist�ria fica interrompida”, acrescenta ele.
O organizador diz ter se surpreendido com v�rias das hist�rias. “O Rondon, por exemplo, � claro que eu tinha a ideia de quem tinha sido, mas nunca havia parado para analis�-lo. O Bial apresenta uma hist�ria de vida sensacional, de exemplo de corre��o e respeito ao pr�ximo e amor � coisa p�blica. Daria v�rios filmes.”
CR�TICA
Advogado, professor da PUC-Rio e da Funda��o Getulio Vargas e autor de v�rios livros, entre eles Medida por medida: O direito em Shakespeare, Castro Neves tamb�m colaborou para a obra coletiva. � o autor de ensaio sobre o jurista Sobral Pinto. “Hoje ele � muito criticado porque era machista, mas era um homem do seu tempo. Um apaixonado pela liberdade, abnegado de bens materiais e entendia que o direito de defesa das pessoas era absoluto, a ponto de defender aqueles com quem tinha opini�o contr�ria.”
Algumas das mem�rias afetivas que o livro apresenta s�o reveladoras sobre os personagens. Paulo Ricardo comenta sobre o impacto que a presen�a de Cazuza lhe causou na primeira vez em que se viram; Cac� Diegues relembra da for�a da obra de Glauber Rocha, e a rea��o diversa que sua obra-prima, Deus e o diabo na terra do sol, provocou na premi�re do filme, no Festival de Cannes.
A jornalista S�nia Nolasco, vi�va de Paulo Francis, escreveu pela primeira vez sobre ele desde a sua morte, em 1997. No texto, ela trata de desmitificar o personagem “arrogante, c�ustico” que Francis, que chegaria aos 90 neste ano, teria criado.
Atrav�s de situa��es cotidianas – a rela��o com os gatos, a paix�o por comediantes populares, como Dercy Gon�alves e Oscarito, e filmes �picos b�blicos – ela tra�a um retrato emocionante e amoroso. Mas tampouco deixa apagar as lembran�as ruins de um casamento de 23 anos. “N�o foi f�cil”, S�nia admite, acrescentando com uma cita��o do marido: “Na nossa certid�o de casamento n�o consta a garantia de facilidade conjugal.”
Trechos
Paulo Francis, por S�nia Nolasco

“Aos 50 anos, Francis j� estava todo grisalho. Agora ele ia ao barbeiro porque trabalhava em televis�o, onde exigiam o tal ‘padr�o Globo de qualidade’. Quando ele come�ou a fazer coment�rios pol�ticos todo dia e a participar do programa Manhattan Connection, cometi a asneira de sugerir que ele escurecesse um pouco os cabelos para rejuvenescer. Feito Ad�o, ele caiu na conversa. S� que n�o procurou cabeleireiro. Contratou o Carlinhos, brasileiro, maquiador na televis�o e ex-cabeleireiro.
Carlinhos nunca acertou o tom de louro escuro que era o natural do Francis. Primeiro produziu um marrom d�grad�, depois marrom rosado, e finalmente o extravagante cor de burro quando foge, do qual Lucas Mendes riu tanto que nem conseguiu come�ar o programa. Parece que os espectadores n�o notaram, pois ningu�m escreveu perguntando sobre aquele arco-�ris de cores obviamente falsas.
E alguma vez Francis reclamou e pediu ao Carlinhos para refazer o trabalho? N�o. Mal olhava no espelho cada tonalidade absurda que o rapaz inventava e no dia seguinte ia para a rua, crente que estava abafando. Por que Carlinhos? Porque ele vinha em casa na conveni�ncia do Francis, fazia tudo na sala e lavava na pia do banheiro.”
Glauber Rocha, por Cac� Diegues

“Aos poucos, durante a proje��o, grande parte dos espectadores (do Festival de Cannes, em maio de 1964) ia se levantando de suas cadeiras para ir embora �s pressas, com o esp�rito confuso e quase sempre irritado. Quando Deus e o diabo na terra do sol terminou e a luz da sala se acendeu, uma boa metade dos espectadores a havia deixado, antes do fim do filme. Os que ficaram, at� a corrida final de Geraldo Del Rey do sert�o para o mar, permaneciam em sil�ncio, sem saber direito o que pensar, quanto mais o que dizer. Mais ou menos como se, naquela tela terr�quea, tivessem acabado de assistir a uma primeira exibi��o de cultura marciana.
N�o sei dizer quantos segundos se passaram entre o fim da proje��o e o que aconteceu em seguida. O fato � que, pouco a pouco, os que haviam ficado na sala come�aram, um a um, a aplaudir. At� que estavam todos de p�, aos gritos, saudando o que tinham acabado de ver. Muito provavelmente na certeza de que tinham que aprender a ver o que tinham acabado de ver. O que os havia entusiasmado tanto.”

Brasileiros
Organiza��o de Jos� Roberto de Castro Neves
Nova Fronteira (448 p�gs.)
R$ 69,90