
Janelas para um novo mundo. Essa � a melhor defini��o para a poesia, acredita o ator Odilon Esteves. “Vejo tudo o que estamos passando hoje, acho que a poesia nos ajuda a abrir janelas. A literatura abre uma janela dentro da nossa imagina��o”, afirma.
Apaixonado por M�rio Quintana, Odilon tamb�m � poeta. E n�o perde a oportunidade para indicar a leitura de Emerg�ncia, de autoria do ga�cho. “Quem faz um poema abre uma janela. Respira, tu que est�s numa cela abafada, esse ar que entra por ela. Por isso � que os poemas t�m ritmo – para que possas profundamente respirar. Quem faz um poema salva um afogado”, declama o ator.
Para ele, esses versos do ga�cho resumem com perfei��o o isolamento social imposto ao mundo contempor�neo. Odilon comenta que Emerg�ncia, apesar de repleto de met�foras, � a tradu��o literal da crise que a humanidade enfrenta. “Este � um momento de recolhimento, de reflex�o e de pensar as perspectivas da arte”, afirma. “Muitas pessoas aproveitaram os per�odos de encarceramento para ler muito e aprender. Dentro da nossa cabe�a, a gente � livre”, garante Odilon.
Na opini�o dele, a quarentena permite �s pessoas perceber a import�ncia da poesia e da arte na vida. Ambas funcionam como uma janela para al�m da realidade.
Desde 2016, Odilon Esteves posta no YouTube e no Instagram v�deos em que declama poemas e interpreta textos de autores brasileiros e estrangeiros. “Com as pessoas em casa, o acesso a meu YouTube quase dobrou durante o isolamento social”, comemora. “Com a quarentena, voltei a gravar meus v�deos. Eles s�o uma gota no oceano da internet, mas essa gota j� me deixa feliz, porque vejo um p�blico muito interessado.”
O trabalho como ator vinha tomando todo o tempo desse mineiro – desde 2019, Odilon n�o postava suas leituras nas redes sociais. D� trabalho – e muito. O projeto exige aten��o total. O v�deo em que Odilon recita Para pintar o retrato de um p�ssaro, poema de Jacques Pr�vert, levou nada menos de dois anos para ser finalizado. “Gravei umas 23 vers�es. Quando chegava em casa e assistia, via que n�o era nada daquilo que eu queria”, explica. “Quando voc� v� o resultado, � muito simples. Mas essa simplicidade n�o � t�o simples de fazer”, brinca.
O ator est� em S�o Paulo, onde passa a quarentena ao lado de amigos. Ele se mudou para a capital paulista em mar�o, para participar da s�rie Mal secreto, do Globoplay. Devido ao avan�o do coronav�rus, as grava��es foram suspensas por tempo indeterminado.
“Continuo estudando o personagem e os textos que vou gravar. A produ��o est� parada, mas a pr�-produ��o continua”, explica. Dirigida por Mauro Mendon�a Filho, a s�rie � assinada por Br�ulio Mantovani, roteirista dos filmes Cidade de Deus e Tropa de elite.
''Voltei a gravar meus v�deos. Eles s�o uma gota no oceano da internet, mas essa gota j� me deixa feliz, porque vejo um p�blico muito interessado''
Odilon Esteves, ator e poeta
''Deixo mensagens em pontos estrat�gicos, mas n�o bato fotos. Depois de algumas horas, o p�blico come�a a mandar fotos de minhas frases''
Felipe Arco, grafiteiro e poeta
''Quem faz um poema salva um afogado''
M�rio Quintana, poeta
SUPERMERCADO
O isolamento social mudou a rotina do ator, mas ele administra bem as mudan�as. “Bate uma ansiedade, o que � natural. S� saio de casa de tr�s em tr�s semanas para fazer compras no supermercado. T� sendo tranquilo, t� aprendendo a cozinhar, uma coisa que fazia muito pouco”, revela.
Al�m de se dedicar ao personagem de Mal secreto, o ator e poeta aproveita para p�r em dia a leitura de romances, poemas e cr�nicas.
“Geralmente, dedicamos grande parte do nosso tempo ao trabalho remunerado e � sobreviv�ncia. Agora, estou conseguindo me organizar melhor e posso at� ler aqueles livros que estava adiando”, revela. “� um exerc�cio voc� se concentrar no que pode fazer agora, sem deixar o t�dio e a ansiedade se instalarem. Mas � dif�cil, h� dias que n�o tem jeito. � um exerc�cio.”
Ao falar de suas leituras prediletas, Odilon recomenda duas obras para estes dias de quarentena: O livro dos abra�os, do uruguaio Eduardo Galeano, e O filho de mil homens, do portugu�s Valter Hugo M�e.

Do rap ao poema
“Escrevi a vida toda. Comecei com rap, mas custei a entender que ele tamb�m era poesia”, conta Felipe Arco, poeta e grafiteiro. Nascido no Bairro S�o Geraldo, na Regi�o Leste de Belo Horizonte, ele achava que a poesia dos livros n�o se encaixava em seu mundo. Mas isso mudou.
H� cerca de seis anos Felipe posta seus textos no Instagram. Come�ou brincando de fazer rimas com os amigos na rua, embora n�o conseguisse se ver como poeta. “Eu era o tipo de pessoa que dizia que poesia � chata. Quando comecei a ir �s disputas (de hip-hop), percebi que rap tamb�m � poema e me apaixonei. Descobri, ent�o, que a poesia n�o � ma�ante. Na verdade, era tudo aquilo de que eu j� gostava”, relembra.
Al�m das redes sociais, ele escreve seus versos na frente de lixeiras instaladas nas ruas de BH. “� um projeto de revitaliza��o. Limpo as lixeiras e escrevo as frases. Busco sempre deixar uma em cada esquina da cidade”, ressalta. Para Felipe, essa a��o junta o amor pela literatura com a paix�o pelo grafite.
E ele tomou, mesmo, gosto pela coisa. “Quando voc� escreve, a pessoa l� como ela quer. Mas quando voc� fala, a pessoa entende”, observa, referindo-se a seu rec�m-criado canal no YouTube. Ali, Felipe est� sempre postando textos e explicando a hist�ria por tr�s deles.
VIAGEM
Depois que o isolamento social terminar, o poeta e grafiteiro pretende viajar por cidades brasileiras com a miss�o de espalhar sua poesia. “As pessoas s�o carentes de uma palavra de incentivo e carinho. Deixo mensagens em pontos estrat�gicos, mas n�o bato fotos. Depois de algumas horas, o p�blico come�a a me mandar fotos de minhas frases com o relato delas”, conta, feliz com o resultado de sua a��o.
Felipe calcula j� ter visitado cerca de 70 cidades, onde deixou a sua palavra. “� muito legal! Pessoas que n�o conhe�o e provavelmente nunca vou ver encontraram um verso meu. Elas tiveram o seu dia mudado, refletiram sobre aquelas frases”, acredita.
S�RIES
O isolamento social mudou a rotina do poeta urbano. Ele n�o pode ir para a rua conversar, ouvir as pessoas e se inspirar. “Todos os dias, tiro um tempinho para escrever”, conta. Se n�o pode buscar sua “mat�ria-prima” na cidade, ele busca essa inspira��o em s�ries, filmes e m�sicas.
Durante a quarentena, Felipe faz exerc�cios, conversa com pessoas nas redes sociais, l� e tamb�m estuda a B�blia e textos voltados para a espiritualidade.
“T� escrevendo o meu quinto livro, que pretendo lan�ar no final do ano. Agora fa�o de uma forma diferente, focando mais em cr�nicas e contos”, adianta.
Apesar dos pesares, o isolamento social veio mostrar � sociedade a import�ncia da arte e do artista, acredita Felipe Arco. “As pessoas est�o compreendendo o quanto o artista � importante e o quanto � insustent�vel viver sem arte”, diz. “A arte nos aproxima.”
* Estagi�ria sob supervis�o da editora-assistente �ngela Faria
LEIA E VEJA
ODILON ESTEVES
O ator faz performances liter�rias no YouTube (@odilon.esteves) e Instagram (@espalhemospoesia)
FELIPE ARCO
O poeta e grafiteiro posta seus versos no Instagram (@felipe_arco) e no YouTube (@felipearco)