
Os tr�s meses de confinamento social, com teatros, casas de shows e espa�os culturais fechados, poderiam ter aniquilado a produ��o art�stica. Por�m, surgiram projetos inesperados e surpreendentes. As lives se tornaram a nova base de lan�amento de m�sica, o que deve permanecer mesmo depois da pandemia e estimular “encontros distanciados” entre instrumentistas e cantores. Singles e �lbuns lan�ados em quase 100 dias de isolamento mostraram que artistas v�m se adaptando a condi��es que pareciam incompat�veis com a cria��o.
Ainda em 2019, a pianista Deborah Levy pode ter pressentido – ou tido sinais por meio de suas observa��es astrol�gicas – do que seria 2020, quando imaginou um projeto com o nome de Minha melhor vis�o de mundo. Ela iniciou a quarentena em 14 de mar�o e suas ideias evolu�ram em meio a tantas incertezas. Um �lbum come�ou a ser concebido com novo nome, Nossa melhor vis�o de mundo. Um processo de cria��o esterilizado por natureza foi colocado em pr�tica j� na produ��o do primeiro single, Isolamento e cura.

HOME STUDIO O que era um tema de piano se abriu para a entrada do baixista Rodrigo Villa e do baterista Rafael Barata, cada qual devidamente confinado em seu pr�prio home studio. Estabeleceu-se, ent�o, outra forma de grava��o, novidade para m�sicos que ainda n�o haviam trabalhado a dist�ncia.
O tema de Deborah saiu gravado em um arquivo s� ao piano, ganhou a bateria de Barata, ganhou o baixo de Villa e voltou pronto para ela. Tudo isso sem conversas, ensaios, brainstorms ou trocas presenciais. Processo, ali�s, que teria sido criticado por jazzistas aclamados, como Sonny Rollins e Omar Sosa. Talvez, o tabu de que grava��es a dist�ncia n�o possam ser vibrantes represente o desafio a ser vencido pela gera��o que enfrenta a pandemia. No caso de Deborah Levy, o novo m�todo funcionou.
Al�m de Isolamento e cura, o segundo tema da pianista desafiou ainda mais o ceticismo em rela��o ao calor humano nestes tempos de coronav�rus. No caso, uma salsa (que n�o se faria sem a eletricidade que os cubanos chamam de “descarga”) � quase uma prova da resist�ncia. Dan�a da lua cheia, al�m de Villa no baixo e Deborah ao piano, tem a bateria de Xande Figueiredo, a percuss�o de Mafram do Maracan�, o viol�o de F�bio Nin e o trompete de Diogo Gomescom. Cada um em seu quadrado.
O pianista cubano Chucho Vald�s, de 78 anos, diria ser imposs�vel gravar uma salsa a dist�ncia, mas os m�sicos de 2020 aprendem a estender ainda mais as percep��es para que a m�sica seja, mais do que acompanhada, prevista, suposta e incorporada.
Deborah Levy ainda n�o consegue dimensionar o que se perde ou se ganha musicalmente nestes tempos p�s-pandemia. “Sinto que o processo � diferente, n�o sei dizer se h� perda, talvez sim. Mas, por outro lado, aprendemos a nos comunicar por meio daquilo que j� foi escrito, que j� est� impresso”, explica. E tem feito lives aos s�bados, �s 20h, para apresentar os temas. Encontros promovidos por ela podem ser conferidos no Instagram (@deborahlevyoficial).

RAP �ntimo desde sempre das produ��es em computador, o hip-hop trabalha com um combust�vel po�tico ao qual a COVID-19 e a situa��o pol�tica do pa�s n�o param de oferecer material. Um dos primeiros raps criados na pandemia veio de MV Bill. Chamado Quarentena, vai direto ao ponto: “O povo gado � mais f�cil levar de lambuja/ Lavaram as m�os, mas a boca continua suja”. O artista carioca estrela o v�deo gravado por ele mesmo em sua pr�pria casa, no Rio de Janeiro, com equipamento emprestado por amigos.
O baiano Baco Exu do Blues lan�ou um EP de faixas in�ditas, de flow mais agressivo e acelerado, chamado N�o tem bacanal na quarentena. A faixa Amo Cardi B e odeio Bozo diz assim: “Trabalhadores na rua/ O papa � pop/ Quarentena � pop/ Cardi B fez mais que o presidente/ Porra, amo o hip-hop”. Aletra se refere ao v�deo em que a cantora nova-iorquina fala da import�ncia de lavar as m�os para evitar a contamina��o.
Baco diz que n�o se inspirou na pandemia, mas que suas m�sicas s�o consequ�ncia dela. “S� fiz o EP porque estava na quarentena, a gente acaba se tornando um fluxo dela. Se n�o fosse essa situa��o, o �lbum n�o existiria”, explica. Para ele, o isolamento social traz novas formas de ver o mundo. “Isso tem me ajudado a ficar mais na minha, a refletir mais, a pensar muito no outro”, explica.
Assistir ao mortic�nio anunciado � o que mais d�i, afirma o artista baiano. “Ver as pessoas que n�o t�m como ficar em casa, a galera que est� indo pro corre, tudo o que est� se passando no pa�s me deixa introspectivo, mais aberto �s dores dos outros tamb�m.”
LETRAS
“O povo gado
� mais f�cil levar
de lambuja
Lavaram as m�os,
mas a boca
continua suja”
>> Quarentena, de MV Bill
“Quarentena � pop
Cardi B fez mais que
o presidente
Porra, amo o hip-hop”
>> Amo Cardi B e odeio Bozo, de Baco Exu do Blues
“N�o foi prefeito
nem governador
Foi seu pai quem
decretou
Lockdown do
nosso amor”
>> Lockdown do amor, de Diogo, o Rom�ntico

Lockdown alegre e rom�ntico no Par�
O paraense Diogo Nogueira da Costa, cantor e compositor de brega conhecido como Diogo, o Rom�ntico, trabalha com outros sentimentos. Ele reconhece a seriedade da pandemia, mas procura captar algo que possa levar o pensamento dos confinados para o lugar de algum humor que possa coexistir com a tens�o.
Diogo dirigia pelas estradas de sua cidade, Capit�o Po�o, quando ouviu o locutor falar de lockdown. Imaginou como essa palavra, trancamento, traz a ideia da imposi��o. Foi assim que Lockdown de amor ganhou forma. N�o se trata de vers�o de Love lockdown, do rapper americano Kanye West.
A hist�ria � a de um pai que usa o isolamento para deixar a filha ao alcance de seus olhos, a desculpa perfeita para impedi-la de ver o namorado. Quem canta, ent�o, � o rapaz: “N�o vejo a hora disso tudo terminar/ Pra de novo a gente se encontrar/ Por causa dessa pandemia/ N�o posso mais te ver todo dia/ T� do jeito que seu pai queria/ Trancou em casa a sua filhinha/ Depois que ele decretou: lockdown do nosso amor”. Ent�o, vem o grande achado: “Lockdown de amor, lockdown de amor/ N�o foi prefeito nem governador/ Foi seu pai quem decretou/ Lockdown do nosso amor”.
Al�m de ser a segunda can��o mais tocada no Par�, Lockdown de amor, um brega arrocha, n�o tem respeitado isolamentos regionais. J� foi ouvida at� em quarentenas de Maputo, em Mo�ambique, e de Boston, nos EUA. (Estad�o Conte�do)