
Fernanda Takai perdeu as esperan�as. Prova disso � o conte�do de seu novo �lbum solo, Ser� que voc� vai acreditar? (DeckDisc), que chega nesta sexta-feira (10) �s plataformas digitais. Produzido, arranjado, gravado e mixado durante o confinamento por John Ulhoa, seu parceiro de vida e banda, o trabalho carrega um repert�rio que dialoga diretamente com o contexto de incerteza que o Brasil e o mundo vivem atualmente.
“Ele tem uma sincronia com essa sensa��o de limite que estamos vivendo. E isso � curioso, porque a maioria das can��es entrou no repert�rio antes mesmo da pandemia e do isolamento, o que confirma que esse n�o � um sentimento novo. Afinal, n�s estamos vendo o pa�s andar de r�”, comenta a cantora e compositora.
“Ao mesmo tempo, eu me invisto da vontade de lan�ar um trabalho novo, mesmo num momento t�o deprimente da nossa hist�ria. Sinceramente, sinto que as pessoas precisam de m�sicas que falem da nossa fragilidade e impot�ncia.”
PANDEMIA Embora soe como um projeto pensado para ser fruto de uma incurs�o criativa durante os dias em casa, o disco come�ou a nascer antes de a pandemia do novo coronav�rus impor essa realidade.
Dois anos ap�s O tom da Takai (2018), disco com repert�rio dedicado �s can��es de Tom Jobim, Fernanda j� pretendia entrar em est�dio para um novo registro. A produ��o come�ou logo depois do carnaval dese ano, no in�cio de mar�o.
Quando a Organiza��o Mundial da S�ude (OMS) decretou a pandemia, no dia 11 daquele m�s, a cantora, John e Nina, filha de 16 anos do casal, se isolaram em casa, em Belo Horizonte. A partir da�, a rotina da fam�lia passou a girar em torno da grava��o do disco.
“Produzi-lo foi o que nos manteve numa rotina durante esses dias. Moramos em uma casa com jardim e animais, ent�o a gente teve que se organizar para realizar os afazeres dom�sticos. Eu, por exemplo, cozinho todos os dias”, conta.
Diferentemente de seus outros discos solo, e tamb�m dos 11 que comp�em a discografia do Pato Fu, o trabalho atual foi constru�do a quatro m�os, com John no comando de todos os instrumentos ouvidos nas m�sicas. O esfor�o resulta num trabalho afinado, minimalista e elegante.
Terra plana abre o �lbum, trazendo � tona um coment�rio delicado sobre as ansiedades de educar uma filha. A can��o seguinte, N�o esque�a, pin�ada do repert�rio do artista ga�cho Nico Nicolaiewsky (1957-2014), segue a mesma toada. Apesar de datar de uma �poca passada, alguns versos parecem ter sido escritos durante os tempos de pandemia: “N�o esque�a que tudo � ilus�o, n�o esque�a de lavar as m�os”.
P�rola da m�sica popular brasileira interpretada por Paulo Jos� e lan�ada em 1970, N�o creio em mais nada ganha um registro � altura de sua import�ncia. Com elementos eletr�nicos e diferentes camadas vocais, a can��o se reveste de uma nova cara e � uma das melhores do disco. A vers�o conta com a participa��o da rob�tica voz do Google.
“Fico impressionada com o tanto que essa m�sica fez sucesso, mesmo sendo t�o intensa para a �poca. Nesse mar de mentiras e not�cias falsas em que a gente vive hoje, acho que ela est� bem de acordo com a realidade do Brasil”, afirma Fernanda.
Em O amor em tempos de c�lera a cantora divide os vocais com Virginie Boutaud, vocalista da banda de new wave Metr�, que fez sucesso nos anos 1980 com a m�sica Tudo pode mudar. Quem tamb�m est� no disco � a japonesa Maki Nomiya. Conhecida por integrar o duo Pizzicato Five, ela � coautora da can��o Love song e a canta com Takai.
Cora��es vazios e O que ningu�m diz nasceram durante a quarentena. Em ambas, Fernanda Takai transborda melancolia, ainda que a segunda tenha uma levada dan�ante. “Mas seu ponto de vista/ Duro como cimento/ N�o dura muito tempo/ Se a boca secar/ Se a fome doer/ Voc� vai entender/ Espere s� pra ver”, canta ela, na primeira.
Balada promovida como quinto single do consagrado segundo �lbum de Amy Winehouse (1983-2011), Back to black (2006), Love is a losing game aparece no disco sob a forma de uma bossa nova eletr�nica.
“Sempre fui muito f� da Amy”, admite Fernanda. “Torcia para que ela n�o tivesse um final t�o tr�gico e prematuro. At� cheguei a cantar Rehab em alguns shows do Pato Fu, mas, depois que ela morreu, acho que a m�sica ganhou um novo significado. Para mim, Love is a losing game � a m�sica mais bonita do disco dela. Fala sobre um amor que deu errado, mas de uma forma nova e diferente.”
Outro sucesso internacional regravado pela cantora amapaense radicada em Minas Gerais � a balada One day in your life, hit na voz de Michael Jackson (1958-2009), em grava��o para seu quarto �lbum solo, Forever, Michael (1975).
“Essa � uma m�sica muito especial para mim. Lembro-me de ouvi-la quando era jovem, mas nunca tive a coragem de trabalhar nela. Como n�o t�nhamos mais um cronograma r�gido de grava��o para seguir, eu e John decidimos quebrar a cabe�a para produzir essa”, comenta.
Essa n�o � a primeira vez que Fernanda presta tributo ao cantor norte-americano. No disco ao vivo Luz negra ela regravou o sucesso Ben, de 1972.
Sem medo de demonstrar seu posicionamento pol�tico, ela avalia o atual momento da pol�tica no Brasil com preocupa��o. “Somos governados por gente muito irrespons�vel e tudo � muito pior do que a gente pensava que seria. Sofrer um golpe como em 2016 ou perder a elei��o de 2018 s�o coisas que acontecem. Mas ter ali, no comando do pa�s, uma pessoa como Bolsonaro � um completo descalabro”, afirma.
“Levou muito tempo para construirmos um caminho que favorecesse a maioria das pessoas, mas a destrui��o est� sendo muito r�pida. Por isso n�o podemos deixar de sinalizar nossas convic��es.”
Apesar de adepta �s redes sociais, ela n�o se adaptou ao universo das lives, alternativa aos shows ao vivo criada na quarentena. Como artista, fez poucas, em geral participando de transmiss�es ao vivo de colegas. Assume que v� poucas, na maioria das vezes as de entrevistas, e conta que tem usado o tempo livre para fazer cursos on-line.
“Cultivo uma certa birra dessas grandes lives que duram horas e horas e, com certeza, envolvem o trabalho de uma equipe grande. Agora � o momento de darmos o exemplo e ficar em casa. Espero me apresentar ao vivo, para o p�blico, quando isso for uma decis�o segura.”
E apesar da falta de esperan�a que paira em sua voz, tanto no disco quanto na entrevista, a �ltima can��o do �lbum, Who are you?, parece conter o ant�doto para esse sentimento. Embalada por um instrumental eletr�nico soturno, a faixa destoa do restante, mas soa como um convite � ressignifica��o da realidade.
“Quem � voc�?/ Se explique/ Me ajude a entender”, canta ela em ingl�s, como quem tenta decifrar o inimigo.
Ser� que voc� vai acreditar?
. Fernanda Takai
. DeckDisc
. Dispon�vel nas plataformas digitais a partir desta sexta (10)