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Estado de Minas

Fil�sofos refletem sobre o efeito do coronav�rus na sociedade

Pensadores contempor�neos alertam para dimens�es pol�ticas da pandemia, como agravamento da desigualdade


postado em 13/07/2020 04:00 / atualizado em 12/07/2020 20:29

(foto: KRISTOF VAN ACCOM/AFP )
(foto: KRISTOF VAN ACCOM/AFP )

"Precisamos ser muito cuidadosos com a vigil�ncia. Se instituirmos o sistema e as leis erradas, a tecnologia nos ajudar� a combater a epidemia, mas tamb�m poder� destruir a democracia e nossas liberdades. J� estamos vendo em v�rios pa�ses a tentativa de usar a situa��o para estabelecer regimes autorit�rios"

Yuval Harari, historiador e fil�sofo

Ao longo da hist�ria, sobretudo em seus momentos mais marcantes, o pensamento cr�tico sempre ajudou a elucidar os acontecimentos, oferecendo novos entendimentos e reflex�es, em contraposi��o ao pragmatismo dos fatos. Nos �ltimos meses, quando a humanidade se deparou com um evento de grande complexidade e de impacto direto na ordem global, n�o foi diferente. Mesmo com o imediatismo dos acontecimentos relacionados � pandemia da COVID-19, a filosofia tem reagido com ideias e posicionamentos.

Desde que o isolamento social come�ou a se tornar realidade para boa parte da popula��o mundial e sobravam incertezas sobre o v�rus capaz de matar milhares por dia, os pensadores mais importantes da atualidade j� se pronunciavam. O israelense Yuval Harari, autor do best-seller Sapiens – Uma breve hist�ria da humanidade, e tido como grande guru dos tempos atuais, foi procurado pelos principais ve�culos de comunica��o do mundo para compartilhar seus entendimentos sobre o tema.

Ao contr�rio das vis�es mais pessimistas que anunciam o caos, Harari vem apresentando argumentos mais alentadores sobre o futuro. Em entrevista � BBC, ele declarou que “a humanidade tem tudo de que precisa para conter e superar essa epidemia. N�o � a Idade M�dia. N�o � a peste negra. N�o � como se as pessoas estivessem morrendo e n�o tiv�ssemos ideia do que as est� matando e o que pode ser feito sobre isso”. Ele ainda recha�a perspectivas sobre a perman�ncia de um estado de isolamento social para o futuro das rela��es humanas, p�s-pandemia. “� muito dif�cil para n�s, como animais sociais. Acredito que quando a crise acabar, as pessoas sentir�o ainda mais a necessidade de estabelecer v�nculos sociais. N�o creio que possa haver uma mudan�a fundamental na natureza humana."

Por�m, o fil�sofo e historiador ressalta a dimens�o pol�tica da pandemia. “Entendemos completamente o que estamos enfrentando e temos a tecnologia, temos o poder econ�mico para superar isso. A pergunta �: como usamos esses poderes? E essa � principalmente uma quest�o pol�tica”, disse. Harari ainda alerta: “Talvez as duas op��es mais importantes sejam se enfrentamos esta crise por meio do isolamento nacionalista ou se enfrentamos atrav�s da coopera��o e solidariedade internacionais”. E acrescenta: “Dentro de um pa�s, as op��es s�o tentarmos superar a crise por meio de controle e vigil�ncia totalit�rio e centralizado ou por meio da solidariedade social e do empoderamento dos cidad�os”.
(foto: Wikipedia/Reprodução)
(foto: Wikipedia/Reprodu��o)

"A desigualdade social e econ�mica garantir� a discrimina��o do v�rus. O v�rus por si s� n�o discrimina, mas n�s humanos certamente o fazemos, moldados e movidos como somos pelos poderes casados do nacionalismo, do racismo, da xenofobia e do capitalismo"

Judith Butler, fil�sofa e escritora


No fim de maio, passados dois meses de pandemia, tempo suficiente para muitos governantes apostarem em comportamentos controversos, em entrevista � revista Veja, Harari afirmou que “as tecnologias de vigil�ncia desenvolvidas nos �ltimos anos ser�o extremamente �teis para permitir que as pessoas possam retornar ao trabalho ou � escola com seguran�a. Se voc� � capaz de monitorar pessoas e avis�-las da proximidade de infectados, a volta a uma situa��o normal pode ser acelerada. Mas tudo tem de ser feito com absoluta pondera��o. Precisamos ser muito cuidadosos com a vigil�ncia. Se instituirmos o sistema e as leis erradas, a tecnologia nos ajudar� a combater a epidemia, mas tamb�m poder� destruir a democracia e nossas liberdades. J� estamos vendo em v�rios pa�ses a tentativa de usar a situa��o para estabelecer regimes autorit�rios”.

Os desdobramentos da COVID-19 em espectros pol�ticos e sociais ocuparam a mente de outros fil�sofos e pensadores contempor�neos. Alguns deles publicaram artigos em uma colet�nea chamada Sopa de Wuhan – Pensamiento contempor�neo en tiempos de pandemia, lan�ado em abril pela Pablo Amadeo, com o apoio da Editorial Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio (Aspo). A edi��o, dispon�vel para download gratuito em e-book, re�ne textos (em espanhol) de Giorgio Agamben, Slavoj Zizek, Judith Butler e Alain Badiou, entre outros.

O italiano Agamben defendeu, em A inven��o de uma epidemia (escrito em fevereiro), inclu�da na colet�nea, a ideia de uma supervaloriza��o midi�tica da COVID-19, que justifica o que chama de “medidas fren�ticas, irracionais e completamente injustificadas de emerg�ncia”. Ele entende que tudo faz parte de uma “tend�ncia crescente em utilizar o Estado de exce��o como paradigma normal de governo”. Sua ideia foi confrontada por outros fil�sofos.
(foto: BoiTempo/DivulgaÇÃO )
(foto: BoiTempo/Divulga��O )

"Alguns afundam no pessimismo apocal�ptico. Outros est�o frustrados porque o 'eu primeiro', a regra de ouro da ideologia contempor�nea, neste caso � desprovido de interesse, n�o fornece socorro e pode at� parecer c�mplice de um prolongamento indefinido do ma"

Alain Badiou, fil�sofo e escritor


DISCRIMINA��O 

J� a norte-americana Judith Butler, considerada uma das principais te�ricas do feminismo, escreveu ainda em mar�o sobre sua preocupa��o em como o v�rus agravaria desigualdades dentro da sociedade capitalista. Segundo ela, as estruturas econ�micas sobre as quais estamos submetidos impediriam que a doen�a fosse um risco semelhante para toda a humanidade, capaz de gerar uma preocupa��o e uma colabora��o un�ssonas.

“A desigualdade social e econ�mica garantir� a discrimina��o do v�rus. O v�rus por si s� n�o discrimina, mas n�s humanos certamente o fazemos, moldados e movidos como somos pelos poderes casados do nacionalismo, do racismo, da xenofobia e do capitalismo. Parece prov�vel que passaremos a ver no pr�ximo ano um cen�rio doloroso no qual algumas criaturas humanas afirmam seu direito de viver ao custo de outras, reinscrevendo a distin��o esp�ria entre vidas pass�veis e n�o pass�veis de luto, isto �, entre aqueles que devem ser protegidos contra a morte a qualquer custo e aqueles cujas vidas s�o consideradas n�o valerem o bastante para ser salvaguardadas contra a doen�a e a morte”, publicou. Nos meses seguintes, as estat�sticas nos Estados Unidos mostravam, por exemplo, que as mortes por COVID-19 chegaram a ser tr�s vezes mais numerosas entre a popula��o negra.

O franco-marroquino Alain Badiou tamb�m aponta para contradi��es envolvendo o poder e o capitalismo no que se imaginaria como combate � doen�a em escala global, evidenciando um tom de descren�a em grandes mudan�as. No ensaio Sobre a situa��o epid�mica, de mar�o, ele frisa a necessidade do isolamento social como forma mais elementar de evitar o cont�gio, mas se dizia surpreso com “declara��es perempt�rias, apelos pat�ticos e acusa��es enf�ticas assumem formas diferentes, mas todos compartilham um curioso desprezo pela formid�vel simplicidade e aus�ncia de novidade da atual situa��o epid�mica”, que j� ouvia naquela �poca.

“Alguns s�o desnecessariamente servis diante dos poderes existentes, que na verdade est�o simplesmente fazendo o que s�o obrigados pela natureza do fen�meno. Outros invocam o planeta e sua m�stica, o que n�o ajuda em nada. Alguns colocam toda a culpa no infeliz Macron (Emmanuel Macron, presidente da Fran�a), que simplesmente est� fazendo, e n�o pior do que outro, seu trabalho como chefe de Estado em tempos de guerra ou epidemia. Outros fazem tom e choram por um evento fundador de uma revolu��o sem precedentes, cuja rela��o com o exterm�nio de um v�rus permanece opaca – algo pelo qual nossos ‘revolucion�rios’ n�o est�o propondo nenhum novo meio. Alguns afundam no pessimismo apocal�ptico. Outros est�o frustrados porque o 'eu primeiro', a regra de ouro da ideologia contempor�nea, neste caso � desprovido de interesse, n�o fornece socorro e pode at� parecer c�mplice de um prolongamento indefinido do mal”, escreveu.

SLOGANS INC�MODOS

 Badiou pondera que “no caso de uma guerra entre pa�ses, o Estado deve impor, n�o apenas �s massas populares, como � de se esperar, mas � pr�pria burguesia, restri��es consider�veis, tudo para salvar o capitalismo local”, lembrando que “algumas ind�strias s�o quase nacionalizadas em prol de uma produ��o desenfreada de armamentos que n�o gera imediatamente nenhuma mais-valia monet�ria. Muitos burgueses s�o mobilizados como oficiais e expostos � morte. Os cientistas trabalham noite e dia para inventar novas armas. In�meros intelectuais e artistas s�o compelidos a fornecer propaganda nacional, etc.”, mas que no enfrentamento da pandemia tal ideia gerava entranhamento.

“A li��o a ser tirada disso � clara: a epidemia em andamento n�o ter�, como epidemia, nenhuma consequ�ncia pol�tica digna de nota em um pa�s como a Fran�a. Mesmo supondo que nossa burguesia – � luz dos slogans inc�modos, fr�geis e difusos – acredite que chegou o momento de livrar-se de Macron, isso de modo algum representar� qualquer mudan�a digna de nota. Os candidatos 'politicamente corretos' j� est�o esperando nos bastidores, assim como os defensores da forma mais mofada de um 'nacionalismo' t�o obsoleto quanto repugnante”, escreveu o fil�sofo.


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