
Quando as lives come�aram a surgir nas redes sociais no contexto da suspens�o dos shows em decorr�ncia da pandemia do novo coronav�rus, a sambista Teresa Cristina, conhecida como a estrela da Lapa (bairro bo�mio carioca), encontrou nelas um meio de sobreviv�ncia psicol�gica. Ela diz que, no in�cio da pandemia, o medo e a ansiedade a rondavam, e, assim, percebeu que precisava de um prazer imediato. Sem poder fazer shows, viu nas lives essa oportunidade.Tudo come�ou de forma despretensiosa e tomou uma propor��o que Teresa Cristina nem poderia imaginar. Hoje, todos os dias, ela re�ne milhares de pessoas que se conectam a ela via tela do celular e acompanham um bate-papo sobre m�sica e atualidade, regado a cantoria, uma boa cerveja e convidados ilustres.Gilberto Gil, Caetano Veloso, Alcione e Simone s�o apenas alguns dos grandes nomes que estiveram com Teresa Cristina. Todos eles apareceram de surpresa e muitos emocionaram a sambista, que, em algumas oportunidades, n�o segurou as l�grimas. � esse modo espont�neo e informal que levou o p�blico a querer diariamente acompanhar as lives de Teresa Cristina. Na entrevista a seguir, a cantora fala sobre seu rec�m-lan�ado DVD Teresa Cristina canta Noel (Ao vivo) - Batuque � um privil�gio. A grava��o foi feita no ano passado, no Rio de Janeiro, sob a dire��o de Caetano Veloso. No disco-tributo anterior, Teresa Cristina interpretou Cartola.
"Essa coisa de patroc�nio, �s vezes, � muito ingrata. A gente fica invis�vel. Eu sou invis�vel desde 1998. Isso fala muito de como � o Brasil. As pessoas gostam de dar dinheiro a quem j� tem, n�o sei explicar como isso acontece, mas acontece. A quantidade de artistas, de pessoas brancas que t�m uma carreira facilitada para tudo... Isso � uma coisa que a gente n�o fala, porque a gente est� cansada de falar. A falta de apoio aos cantores de samba n�o � de agora"
Teresa Cristina, cantora
Como veio a ideia de usar essa plataforma e esse formato de lives com m�sica e bate-papos?
Come�ou com uma preocupa��o s�ria: o medo de entrar em um quadro depressivo. As not�cias come�aram a ficar cada vez mais fortes e s�rias. Minha m�e tem 80 anos e um grau de ansiedade muito forte. Perdi o sono. N�o conseguia dormir. Absorvi not�cias pesadas, ali�s at� hoje, n�? Da� pensei: preciso fazer alguma coisa que me d� prazer imediato. Nada funcionava. Uma noite, fiquei ouvindo Dona Ivone Lara at� 6h da manh�. Escutei coisas que eu achava que conhecia. Foi uma descoberta. Eu n�o conhecia nada. M�sicas que eu nunca tinha ouvido. Todo mundo estava fazendo live, pensei: acho que vou fazer alguma coisa para falar sobre as m�sicas dela. No mesmo dia, algum seguidor no Twitter falou de samba de terreiro como se fosse de umbanda ou candombl�. E v�rias pessoas seguindo a mesma coisa. A� comecei a explicar sobre samba de terreiro. Pensei: vou fazer uma live falando de samba de terreiro. O assunto n�o coube em uma live s�. J� tinha come�ado a ocupar minha m�e fazendo (lives) aos domingos com ela, porque ela gosta de cantar tamb�m. Ent�o comecei a fazer esporadicamente. As coisas (a pandemia) ficaram piores, as declara��es do presidente ficaram ainda mais perigosas. Quando vi, estava com lives todos os dias. E percebi a minha anima��o ao pesquisar os temas e curiosidades que eu apresentaria � noite, trocando ideia com as pessoas.
A que atribui o sucesso das lives?
Acredito que seja por conta da espontaneidade com que trato estes momentos. Estou ali para cantar, contar hist�rias, me aventurar em can��es que nunca pensei em colocar em algum repert�rio. Converso com o p�blico, recebo amigos e artistas com quem nunca pensei em dividir um espa�o. Quando Gilberto Gil apareceu, por exemplo, no dia em que fiz a releitura do �lbum Realce, n�o segurei as l�grimas. Ele surgiu j� com um viol�o, aqueles olhos de �guia, lindo e cantando Viramundo. Escolho os temas com carinho, acredito que alcan�o f�s de nomes como Tom Jobim, Elis Regina, Chico Buarque, Moraes Moreira, Cazuza, Marisa Monte e Alceu Valen�a, por exemplo. Bebo minha cerveja, me emociono e me divirto todas as noites. Precisamos da arte para viver. Ali � um espa�o aberto para os amantes da m�sica.
Voc� tem recebido muitos convidados de peso. Voc� busca as pessoas ou elas te procuram?
Alguns convidados, como a Alice Caymmi e a M�nica Salmaso, por exemplo, eu combino antes. Alice fez o que intitulei de “Batalha das Cantoras” na homenagem que fiz � obra de Dorival e Nana Caymmi. Eu canto, ela canta e assim seguimos. Com a M�nica, j� dividi o repert�rio do Chico Buarque. Mas, no geral, me surpreendo com a chegada de grandes nomes que admiro e aparecem nos coment�rios. Foi assim com Alcione, Simone, Alceu Valen�a, Maria Gadu, Gilberto Gil, Z�lia Duncan, Caetano Veloso, L�o Jaime, entre outros. Eu convido na hora que vejo essas pessoas presentes ali. Elas topam se quiserem. E ningu�m � obrigado a cantar. S� de participar e bater um papo, j� me deixa feliz.
Fala-se muito da live como uma alternativa, mas sabe-se que o patroc�nio n�o chega para todos os artistas e todos os g�neros. Como voc� enxerga esse mercado e como � poss�vel furar essa bolha?
Essa coisa de patroc�nio, �s vezes, � muito ingrata. A gente fica invis�vel. Eu sou invis�vel desde 1998. Isso fala muito de como � o Brasil. As pessoas gostam de dar dinheiro a quem j� tem, n�o sei explicar como isso acontece, mas acontece. A quantidade de artistas, de pessoas brancas que t�m uma carreira facilitada para tudo... Isso � uma coisa que a gente n�o fala, porque a gente est� cansada de falar. A falta de apoio aos cantores de samba n�o � de agora. A pandemia jogou uma lente de aumento em v�rias situa��es. Tivemos de passar por isso para entender que n�o � toda a popula��o que tem �gua encanada, luz, tratamento de esgoto. As pessoas vivem em condi��es prec�rias. Quando come�amos a falar sobre usar o �lcool em gel, por exemplo, esqueceram que tem pessoas que nem �gua t�m em casa. Os cantores de samba, em sua maioria, salvo algumas exce��es, sempre tiveram cach�s mais baixos. A rela��o com os contratantes sempre foi na base do “tudo t� bom”. Nunca precisou de um som incr�vel, uma grande produ��o. Isso � um reflexo do que sempre aconteceu.
Como tem sido a quarentena para voc�?
A gente n�o sabe de nada nessa quarentena. S� o que eu sei � que vou continuar fazendo minhas lives. Moro com minha m�e, Hilda, de 80 anos e minha filha de 11 anos, Lorena. Tenho meus afazeres dom�sticos e divido o dia entre essas tarefas e a elabora��o das apresenta��es baseadas em temas que me v�m � cabe�a. Dedico v�rias horas por dia a pesquisar e montar repert�rios.
Vivemos h� alguns anos num ambiente que ataca muito a arte e a cultura, que t�m se mostrado essenciais no per�odo da quarentena. Acha que a cultura sair� mais forte dessa pandemia?
A arte vai continuar sendo vitoriosa e sai mais forte dessa pandemia, pois ela sempre sobrevive. Ela teve for�a, base, hist�ria e sobreviveu contra o nazismo, o fascismo. Essa pandemia veio para mostrar isso. O que tem segurado a gente � a arte.
Musicalmente falando, voc� tem aproveitado o momento para projetos novos?
A ideia era ter lan�ado no primeiro trimestre o DVD Teresa canta Noel - Batuque � um privil�gio. Com a pandemia, foi adiado. Os planos mudaram. No entanto, nos �ltimos quatro meses, as lives come�aram a acontecer e entendemos que seria um bom momento para mostrar este trabalho t�o lindo e que me fez t�o feliz. A dire��o do Caetano Veloso � primorosa e a obra de Noel, irretoc�vel. Nada melhor que usar este momento para, enfim, apresentar um trabalho in�dito.
Como acha que ser� o novo normal na cultura e, mais especificamente, no samba?
Confesso que n�o gosto muito da express�o “novo normal”. N�o consigo me adaptar muito a ela, at� porque todas as vezes em que a ou�o, penso que as pessoas acham “normal” termos mais de 80 mil mortos. Isso n�o � normal. N�o estamos em um momento normal e n�o quero achar que isso � normal. N�o consigo fazer nenhuma proje��o, pois n�o sabemos se vai aparecer alguma vacina, se vamos voltar com os shows. A minha mente bloqueia. A pandemia me colocou presa em um dia. Ent�o, em um dia eu tenho s� o plano de terminar o meu dia. N�o consigo projetar para a frente. Talvez seja uma incapacidade minha neste momento.
Muito tem se falado tamb�m sobre o racismo, com os movimentos antirracistas nos EUA e no mundo. Voc� acredita que agora o Brasil discutir� mesmo a quest�o do racismo?
Alguma coisa j� mudou. Estamos falando de racismo nos meses de maio, junho, julho. Antes este assunto s� era colocado em pauta no m�s da Consci�ncia Negra (celebrado em novembro). No Brasil, as coisas costumam chegar bem depois de acontecerem nos EUA. O que aconteceu com George Floyd (morto numa abordagem policial em Mineapolis) � o cotidiano das favelas e comunidades e a nossa rea��o n�o � a mesma. Essa discuss�o precisa avan�ar e ter uma velocidade de a��o um pouco diferente do que tem acontecido at� agora.
Lives di�rias, �s 22h, no Instagram
(@teresacristinaoficial). Aos domingos,
cl�ssicos do samba cantados ao lado da
m�e, �s 15h, no YouTube (/teresacristinaoficial).