Biografia revela a arte singular do m�sico carioca Luiz Melodia
Escrito por Toninho Vaz, bi�grafo de Paulo Leminski e Z� Rodrix, livro aborda o precioso legado que o autor de 'P�rola negra' e 'Juventude transviada' deixou para a MPB
Luiz Melodia em Belo Horizonte, em dezembro de 2015, antes de se apresentar no Pal�cio das Artes (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Arredio � ideia de celebridade. Assim era Luiz Melodia (1951-2017), nas palavras do jornalista e escritor paranaense Toninho Vaz, que acaba de lan�ar a biografia do cantor e compositor carioca. O livro traz a trajet�ria do menino criado no Morro de S�o Carlos, no Rio de Janeiro, que conquistou o Brasil com sua voz, musicalidade e poesia. Vaz mostra tamb�m um homem sens�vel e complexo, �s voltas com problemas com as drogas e o �lcool, que enfrentou o racismo.
Luiz Melodia era uma das vozes mais talentosas da gera��o de m�sicos surgida no fim dos anos 1960, afirma o jornalista. “Ele desceu o morro, amadrinhado pela cantora Gal Costa e sob as b�n��os dos amigos H�lio Oiticica, Waly Salom�o e Torquato Neto. Conseguiu ocupar lugar de destaque na MPB como compositor inventivo e po�tico, nos brindando com joias como P�rola negra, Est�cio, holly Est�cio e Juventude transviada, entre outras can��es.”
Em Meu nome � �bano – A vida e a obra de Luiz Melodia, o jornalista aborda a complexa personalidade do artista, autor de cancioneiro sofisticado e singular, que se desentendeu com as ent�o poderosas gravadoras para defender a ess�ncia de sua obra. Recusou-se a fazer disco de samba, como uma delas planejava. Rebelde, ganhou a pecha de “maldito”, clich� que o acompanhou por anos.
Cr�ticos apontam que sua m�sica era “inclassific�vel”, mesclando samba, rock, soul, blues e jazz. H� quem diga que o compositor do Morro de S�o Carlos inventou o “samba-blues carioca”.
Vaz destaca a postura independente de Melodia, que teve problemas com �lcool e drogas. Negro, enfrentou o racismo – nas ruas e em shows. Elegante e sedutor, impressionava as mulheres. Com a capixaba Beatriz Saldanha teve o filho Hiran, advogado. Com a baiana Jane, com quem se relacionou de 1977 at� morrer, teve Mahal Reis, rapper.
(foto: Acervo pessoal)
"Jane nunca me censurou. Ali�s, nunca quis saber de nada, nem mesmo leu os originais, uma confian�a total. Para mim, � inestim�vel esse tipo de liberdade"
oninho Vaz Bi�grafo de Luiz Melodia
VIZINHO
Vaz diz que n�o conheceu “o Melodia”, mas “o Luiz”, seu vizinho. “Na verdade, n�o foi um amigo meu. Pude estar com ele apenas duas vezes, sendo que a primeira superficialmente, quando cheguei ao Rio de Janeiro. Ele estava morando em Santa Teresa, perto de onde eu fui morar.”
Vaz viu Melodia pela primeira vez da janela de sua casa. Os dois foram apresentados por um conhecido. “Ele disse: 'Amigo, esse aqui � o jornalista Toninho Vaz, agora nosso vizinho’. Luiz apenas acenou e deu um sorriso. Alguns anos depois, em 2003, eu o entrevistei no palco do Canec�o. Foi um encontro maior, que durou por volta de meia hora. A entrevista era para a biografia do Torquato Neto que eu estava escrevendo”, relembra, referindo-se ao poeta e compositor piauiense, pioneiro do Tropicalismo, que se matou aos 28 anos, em 1972. “Melodia era tido como uma descoberta do pr�prio Torquato e tamb�m do Waly Salom�o”, informa.
Vaz tamb�m chegou ao autor de Juventude transviada por meio do violonista Renato Piau – os dois tocaram juntos por cerca de 40 anos. “Piau frequentava a minha casa em Santa Teresa, era meu amigo desde o final do s�culo passado. Certo dia, ele nos apresentou”, conta.
MISSA
Melodia morreu aos 66 anos, em 4 de agosto de 2017, de c�ncer. “Em 4 de agosto de 2018, Renato virou-se para mim e disse: 'Vamos amanh� � missa de um ano de falecimento do Luiz, l� na igreja de S�o Conrado’. Fomos. Depois da missa, ele me apresentou � vi�va e fomos at� a casa dela. L�, Piau disse: ‘Jane, se um dia voc� for fazer a biografia do Luiz, aqui est� a pessoa certa’.”
A biografia levou dois anos para ficar pronta. “Cheguei a fazer 64 entrevistas durante um ano, e depois fiquei 10 meses escrevendo o texto.” Toninho Vaz informa que a fam�lia lhe deu total liberdade para escrever. “Jane nunca me censurou. Ali�s, nunca quis saber de nada, nem mesmo leu os originais, uma confian�a total. Para mim, � inestim�vel esse tipo de liberdade”, afirma o jornalista.
Situa��o bem diferente daquela vivida por ele com o livro Paulo Leminski, o bandido que sabia latim. Em 2001, a biografia foi lan�ada pela Editora Record, com elogios da cr�tica. As herdeiras do poeta vetaram a quarta edi��o, em 2013, j� pela editora Nossa Cultura. “A fam�lia resolveu que n�o iria deixar eu ter lucro sozinho. Como se tivesse lucro com esse tipo de livro”, comenta Vaz. “Leminski era muito pr�ximo de mim, eu vivia bebendo naquela fonte de sabedoria.”
A vi�va de Leminski, a poeta Alice Ruiz, e as filhas dele, Estrela e Aurea, alegaram que a nova edi��o inclu�ra um novo par�grafo, n�o autorizado por elas, abordando o suic�dio do irm�o de Leminski, explorando indevidamente um fato tr�gico e violando o direito � intimidade garantido pela Constitui��o. Vaz contestou as herdeiras, mas o livro n�o ganhou novas edi��es.
CONTRACULTURA
Fruto da gera��o da contracultura, o jornalista paranaense tamb�m escreveu biografias de Torquato Neto e do cantor e compositor Z� Rodrix.
“Eu era pr�ximo do poeta Torquato Neto, enquanto Z� Rodrix foi o (biografado) que menos conheci pessoalmente. Tamb�m escrevi a hist�ria da Pens�o Solar da Fossa”, comenta Toninho Vaz, referindo-se � pens�o em Botafogo, onde, nos anos 1960/1970, moraram os jovens Caetano Veloso, Gal Costa, Tim Maia, Paulo Coelho e Paulo Leminski. Frequentavam o casar�o Lenny Dale, Milton Nascimento, H�lio Oiticica e Paulinho da Viola. Dali a poucos anos, moradores e visitantes se transformaram em expoentes da cultura brasileira.
“Gosto muito desse livro. Na �poca do Solar, explodiram Gil, Caetano, Tropicalismo, S�, Rodrix e Guarabyra, aquela coisa do final dos anos 1960. Tudo aconteceu num cen�rio do Rio que j� n�o existe mais”, diz Toninho.
Al�m de Paulo Leminski, o bandido que sabia latim, o jornalista paranaense lan�ou Pra mim chega, a biografia de Torquato Neto (Casa Amarela, 2004), Darcy Ribeiro – Nomes que honram o Senado (Editora Senado, 2005), Santa Edwiges, a santa libert�ria (Objetiva, 2005), 90 anos de cinema – A hist�ria do Grupo Severiano Ribeiro (Record, 2007), O rei do cinema – A extraordin�ria hist�ria de Luiz Severiano Ribeiro (Record, 2007), Solar da Fossa (Casa da Palavra, 2011) e O fabuloso Z� Rodrix (Olhares, 2017).