
“Por que n�o fala na cara/Por que n�o diz o que pensa/Se nunca pensa o que fala/Pra que viver de mentira”, canta Bebel Gilberto, acompanhada de Mart’n�lia, em Na cara, composta pelas duas durante conversas mantidas via WhatsApp. � de cara limpa, sem meias palavras, que a cantora e compositora chega a Agora, seu primeiro �lbum de est�dio em seis anos.
O clipe de Na cara, lan�ado nesta semana (foi gravado por celular pelas cantoras, cada uma de sua casa, dirigidas remotamente por Erich Baptista), � um aperitivo para o disco, que ser� lan�ado nos formatos vinil, CD e em plataformas digitais, no pr�ximo dia 21, pela gravadora belga Pias Recordings.
Bebel, de 54 anos, estreou h� 40 ao lado do pai, Jo�o Gilberto (1931-2019), cantando Chega de saudade para um especial de TV. H� 20, lan�ou Tanto tempo, o �lbum que a projetou mundo afora. Agora � um disco com momentos felizes, o que fica claro na faixa-t�tulo, e outros um tanto melanc�licos, como O que n�o foi dito, que ela comp�s para o pai.
O �lbum foi preparado por Bebel e Thomas Bartlett, em Nova York, ao longo de tr�s anos. Foi tamb�m nesse per�odo que ela sofreu a perda da m�e, Mi�cha (1937-2018), e do pai, que morreu apenas seis meses depois da cantora.
FORTE “Acho que n�o d� para poder pensar muito, ainda estou processando. J� perdi muita gente, namorados, muitos amigos. Na verdade, as coisas que sofri me fizeram muito mais forte. Hoje em dia me sinto mais preparada. Claro que n�o d� para controlar as emo��es, venho tentando ser o mais forte poss�vel. No momento, n�o estou me aprofundando no assunto (a morte de Jo�o Gilberto), s� falo durante entrevistas”, ela comenta.
Depois de tr�s d�cadas vivendo em Nova York, Bebel voltou a morar no Rio de Janeiro. “Moradora do Rio e m�e de uma cachorra linda (Ella, da ra�a shih-tzu) e muito peluda. Vim para c� logo antes de a mam�e falecer (em 27 de dezembro de 2018). O Rio � o lugar que chamo de minha casa, entreguei meu apartamento em Nova York, mas a minha vida continua l�, onde est�o empres�rio, agente.”
E o mundo ainda � o seu palco. A cantora estava em Nova York quando ficou sabendo da morte do pai. Uma temporada solo na It�lia contribuiu muito para a feitura do disco. No in�cio deste ano, ela passou um tempo entre o Jap�o e Los Angeles (onde gravou o clipe de Deixa, o primeiro single do novo �lbum). Voltou ao Brasil em mar�o, diretamente para a quarentena.
“Estou meio frustrada, com disco novo, turn� marcada. Tinha agenda na Europa, Estados Unidos, Canad�. Est� dif�cil”, ela diz. A turn� original havia sido pensada somente com tecladista e baterista. No momento, tem feito pequenas apresenta��es on-line. “Estou querendo fazer s� com o Chiquinho Brown (filho de Carlinhos Brown e Helena Buarque e neto de Chico Buarque, tio de Bebel), pois ele toca teclado muito bem.”
A por��o compositora de Bebel apareceu de forma t�mida em Tanto tempo e nos trabalhos posteriores foi se desenvolvendo. Todas as 11 can��es de Agora s�o assinadas por ela e Thomas Bartlett – com o acr�scimo de Mart’n�lia na j� citada Sua cara e Jennifer Charles em Bolero e Yet another love song.
LETRA “� uma press�o escrever letra, a parte que sofro mais, n�o posso negar. Melodia � f�cil”, afirma. Bartlett, pianista, cantor e produtor norte-americano, que Bebel conheceu como m�sico, anos atr�s, e com ele fez uma turn� pelo Brasil, tornou-se um nome disputado no meio musical mais recentemente.
Ele produziu trabalhos de Norah Jones, Yoko Ono, Sufjan Stevens, Florence + The Machine e The National. Ao reencontr�-lo em seu est�dio, Bebel se reconectou rapidamente. “A gente n�o se via h� muito tempo. Quando o vi no est�dio, com esse barato mais como produtor, vi como sabe dirigir os artistas. No meu caso, sa�mos compondo as m�sicas sem press�o. �s vezes sa�ram m�sicas inteiras, com letra e tudo. Outras, eu tinha a melodia na cabe�a, e ele buscava a harmonia. Foi muito espont�neo, sem planejamento.”
Foi assim, entre idas e vindas, sem colocar uma data de lan�amento, que Agora saiu. O �lbum � aberto suavemente, com T�o bom, uma can��o-convite: “Deixa a m�sica entrar dentro de voc�”. J� a faixa-t�tulo � um dos momentos solares do trabalho. “Fazer essa m�sica era como se eu estivesse em um filme, fosse uma personagem. � quase uma viagem de atriz/cantora. N�o � a Bebel fofinha, mas � a Bebel brincalhona, que brinca mais com a voz. Foge bem das coisas que fiz at� agora.”
Bolero, como o pr�prio t�tulo diz, � uma can��o no ritmo latino em que Bebel se aventura a cantar em espanhol. “Sempre falei um portunhol, cantar em espanhol era quase um sonho. Quando conseguimos fazer Bolero, chamei a Jennifer Charles, que me ajudou com o espanhol, pois como eu n�o sabia, tinha composto com algumas palavras inventadas.”
Clich� � uma das can��es que se aproximam da bossa sofisticada que apresentou Bebel ao mundo com Tanto tempo. Mas sua interpreta��o se sofisticou. Em mais de uma vez, sua voz parece emular o que diz a letra, o mar, a lua, a brisa, temas comuns na bossa nova, que seu pai consagrou. � suave, sensual, quase pregui�osa.
PARA JO�O E, pela primeira vez, Bebel fala do pai por meio de uma can��o que ela mesma comp�s. O que n�o foi dito foi composta enquanto Jo�o Gilberto ainda estava vivo, “mas ele n�o a escutou”, ela diz. “Na outra metade da vida/Voc� soube, fez tudo/Mas nessa metade/Vou ter que tentar te ensinar”.
“Tive coragem de assumir o que ele foi para mim, foi um ato corajoso. N�o � que eu pensei em fazer uma m�sica para ele, mas as palavras acabaram vindo. E O que n�o foi dito � algo muito maior, uma grande met�fora.”
Ainda falando sobre Jo�o Gilberto, Bebel afirma considerar uma “�tima escolha” o nome da advogada Silvia Gandelman, em decis�o do Minist�rio P�blico, como inventariante dos bens do cantor e compositor. O assunto � espinhoso, j� que os tr�s filhos – Bebel e os meio-irm�os Jo�o Marcelo (filho de Astrud Gilberto) e Luisa Carolina (filha de Claudia Faissol) – vivem em lit�gio.
“Espero que ela consiga fazer um trabalho maravilhoso. Comecei a fazer um trabalho legal (em 2017, ela conseguiu a interdi��o judicial do pai, que acumulou d�vidas enormes), mas nunca fui executiva, s� queria poder ajudar. Uma especialista como ela (Gandelman se especializou na administra��o de direitos autorais) n�o poderia ser mais do que perfeita. Tem que saber cuidar, pois h� muitas possibilidades e ideias”, diz.

AGORA
. Bebel Gilberto
. Pias Recordings (11 faixas)
. Lan�amento em formato f�sico e digital em 21 de agosto. Vinil (US$ 26,99) e CD (US$ 13,99) em pr�-venda no site www.piasrecordings.com