
As 140 p�ginas incluem verbetes “de A a Z”. A palavra fundamental para o volume, iniciada em I, est� presente, conta com uma longa descri��o, que inclui a observa��o: “Se voc� quiser ir direto ao ponto, pode dizer que a Independ�ncia foi (mais) uma das ocasi�es nas quais o Brasil mudou para continuar igual. Sim, porque o pa�s ficou independente, mas n�o s� se manteve uma monarquia (e n�o uma rep�blica, a exemplo de nossos vizinhos, as ex-col�nias espanholas), como tamb�m permaneceu uma monarquia sob o comando de um soberano portugu�s”.
O autor prossegue dizendo: “Al�m disso, a na��o que surgiu ap�s o Grito do Ipiranga preferiu (ao contr�rio dos vizinhos castelhanos) n�o abolir a escravid�o. Ou seja, o pa�s se anunciou como livre para o resto do mundo, s� que aqui ainda viviam mais de meio milh�o de escravos. Como quer que seja, uma coisa � certa: s� � realmente livre o povo que conhece – e por isso constr�i – a pr�pria hist�ria”, o que � um bom exemplo da caracter�stica geral do livro: apesar do tom l�dico, adota um m�todo anal�tico.
O sum�rio inclui velhos conhecidos dos livros de hist�ria, como Dom Pedro I, Jos� Bonif�cio, Dom Jo�o, Dona Leopoldina, e outros personagens nem sempre mencionados, como Domitila, a amante do imperador, e Chala�a, seu melhor amigo. Substantivos comuns surgem �s dezenas, como abdica��o, caf�, casamento, censura pr�via, col�nia, chin�s, livros, povo, riacho, xenofobia, e h� ainda adjetivos.
No caso de “brasileiro”, o texto explica que tratava-se de um pejorativo at� a �poca do 7 de setembro de 1822. “Originalmente, a palavra brasileiro era usada apenas e t�o somente para se referir �s pessoas que trabalhavam com o tr�fico de pau-brasil. E estava correto, pois o sufixo ‘eiro’ indica um of�cio, como em sapateiro, ferreiro, bombeiro.(...) Por isso, ‘brasileiro’ era depreciativo – na verdade, quase uma ofensa. E era com essa inten��o mal�vola que integrantes das cortes constituintes portuguesas chamavam D. Pedro de ‘O Brasileiro’. Se as regras gramaticais tivessem sido corretamente aplicadas, deveriamos nos chamar e ser chamados de ‘brasilienses’, como, ali�s, o somos em ingl�s (brazilians) e em franc�s (bresiliens)”, aponta o dicion�rio.
MULA
Autor de mais de 10 livros anteriores sobre a hist�ria do Brasil, com destaque para a Cole��o Brasilis, da editora Objetiva, Eduardo Bueno afirma que procurou “um equil�brio entre tr�s vertentes, uma delas englobando Dom Pedro, o Grito do Ipiranga, Jos� Bonif�cio. Outra para coisas mais desconhecidas, como quanto custou a Independ�ncia, com o verbete 'dinheiro'; o papel das mulheres e o do marqu�s de Marialva, e uma terceira para as curiosidades, com uma pegada divertida, falando da diarreia que Dom Pedro sentia no dia, e da mula, j� que n�o montava um cavalo, mas uma mula”.
Alguns verbetes, conforme observa o autor, remetem a aspectos do presente. “O Piolho Viajante era um dos pseud�nimos que Dom Pedro usava para escrever nos jornais. Hoje nos indignamos com o teor violento das discuss�es nas redes sociais, com as ofensas, mas, se lermos os artigos que os jornais da �poca publicavam, logo antes e logo depois da Independ�ncia, nada disso que vemos hoje � novidade. S�o muito mais violentos que esses de hoje, ofensas pessoais e an�nimas.”
Ainda sobre os paralelos hist�ricos, o autor diz que "na hist�ria de 1822, nesse e em outros livros, reconhecemos imediatamente a atualidade e a gravidade de determinadas coisas, como censura pr�via, ofensas na imprensa, d�vida externa, escravid�o, xenofobia, coisas que ainda existem, porque � um pa�s que muda para permanecer igual. Bolsonaro, por exemplo, se elegeu com o discurso de que iria combater a corrup��o. Ele se elege com o apoio de um juiz, convoca-o para o minist�rio, depois o demite, interfere na Pol�cia Federal, acaba com a Lava-Jato e ponto. Mudamos, mas continuamos iguais. E de quem � a culpa? Nossa, da sociedade civil, que n�o exerce a cidadania, porque isso s� � feito conhecendo hist�ria.”
Lan�ado pela editora Piu, mais voltada para t�tulos juvenis, Dicion�rio da Independ�ncia: 200 anos em 200 verbetes foi financiado via edital lan�ado em 2018 pelo extinto Minist�rio da Cultura para a produ��o de obras liter�rias sobre a Independ�ncia do Brasil. O livro � ilustrado por Paula Taitelbaum, casada com Bueno e s�cia da editora.
OLHAR AMPLIADO

O trabalho deu origem a uma plataforma virtual (www.olimpiadadehistoria.com.br/especiais/excluidos-da-historia), na qual figuras de grande import�ncia social, mas pouca visibilidade, t�m suas trajet�rias contadas.
Alfabeticamente, est�o contemplados desde Abdias do Nascimento (1914-2011), ativista e pol�tico brasileiro que atuou no movimento da Frente Negra Brasileira (1931-1937) enfrentando forte persegui��o e chegando a passar tr�s anos detido no Carandiru, onde liderou o projeto do Teatro Sentenciado, reinventando a cultura de v�rios presidi�rios, at� Zeferina. A princesa angolana foi trazida ao Brasil ainda crian�a, como escrava, no in�cio do s�culo 18, e criou e liderou o Quilombo do Urubu como rainha.
“No ano passado, trouxemos esse tema sobre grandes personagens que n�o est�o nos livros de hist�ria, inspirados pelo samba da Mangueira (Hist�rias para ninar gente grande). O projeto nasce de uma das tarefas colocadas para os participantes da Olimp�ada, na qual os estudantes tinham uma semana para escolher um desses personagens, justificar a escolha, fazer uma linha do tempo e conseguir uma imagem, foto ou desenho. Esse material ficou muito bom. Mostra o conhecimento produzido na educa��o b�sica, que nem sempre tem visibilidade", afirma Cristina Meneguello, professora de hist�ria da Unicamp e coordenadora da Olimp�ada Nacional em Hist�ria do Brasil.
“J� h� um tempo, a hist�ria oficial que se produz na academia n�o � sobre grandes nomes, grandes l�deres. Essa hist�ria da pol�tica diplom�tica � da hist�ria positivista, do s�culo 19. Historiadores trabalham com grupos sociais, pessoas que n�o eram narradas nas hist�rias h� um tempo. Nos livros did�ticos, h� tend�ncia de se procurar os grandes l�deres, grandes nomes, mas a hist�ria � feita pelo sujeito humano, por grupos sociais. Ningu�m faz transforma��es sozinho, � sempre um encontro de pessoas, e muitas delas ficam invis�veis nas narrativas oficiais por ser de classes populares. Nossos verbetes contemplam mulheres, negros, ind�genas e grupos de certa forma exclu�dos da nossa sociedade”, diz a professora.

Dicion�rio da Independ�ncia: 200 anos em 200 verbetes
Eduardo Bueno
Editora Piu (140 p�gs.)
R$ 53