A divulga��o da pesquisa Retratos da leitura no Brasil, na �ltima semana, apresentou um n�mero alarmante. Entre 2015 e 2019, segundo o levantamento realizado pelo Instituto Pr�-Livro com o Ita� Cultural, o pa�s perdeu 4,6 milh�es de leitores. Ainda que os dados da pesquisa se refiram a um per�odo que vai at� o ano passado, n�o � poss�vel concluir que a pandemia do novo coronav�rus tenha reconfigurado esse cen�rio.
Mas, no meio editorial, um pequeno segmento, direcionado a um p�blico bastante espec�fico, vem conseguindo se manter ativo, a despeito das in�meras dificuldades decorrentes da epidemia da COVID-19. As revistas liter�rias, publica��es impressas com tiragens pequenas, v�m assistindo, nos �ltimos meses, � chegada de novos leitores. Ainda que n�o descartem suas edi��es f�sicas, elas t�m aumentado o enfoque em seu modelo digital, em busca de novos assinantes.
“Financeiramente, tivemos um baque, por causa da situa��o das bancas (de revistas). Em S�o Paulo, por exemplo, mesmo que elas n�o tenham fechado, as pessoas pararam de circular. Preventivamente, reduzimos a tiragem (de 11 mil para 7 mil exemplares) para n�o morrer com a revista na m�o. Por outro lado, houve uma rea��o muito boa na audi�ncia on-line, um fen�meno geral”, comenta Paulo Werneck, editor da Quatro Cinco Um, publica��o liter�ria mensal criada em 2017.
Segundo Werneck, o “ficar em casa” dos �ltimos seis meses resultou em novas assinaturas. “Hoje, temos 3 mil assinantes, um n�mero que considero bom. A venda em banca ainda est� incerta, mas temos um p�blico de 55 mil pessoas (inclu�dos aqueles que acessam o site gratuitamente).”
Foram criados novos planos de assinatura – as op��es v�o de R$ 4,51, para pessoas abaixo de 26 anos, at� R$ 451 por ano, para o chamado assinante entusiasta. “Este plano n�o oferece nada al�m para quem assina; � ajuda mesmo. Durante a pandemia, entraram muitos assinantes desse plano. Ainda lan�amos um novo podcast. Eu me considero um privilegiado no mundo cultural, em que todo mundo est� sem recurso. N�s, de alguma forma, conseguimos tocar o barco, ainda que no sacrif�cio”, completa Werneck.
''Durante a pandemia, entraram muitos assinantes. Ainda lan�amos um novo podcast. Eu me considero um privilegiado no mundo cultural, em que todo mundo est� sem recurso. N�s, de alguma forma, conseguimos tocar o barco, ainda que no sacrif�cio''
Paulo Werneck, editor da revista Quatro Cinco Um
QUEDA
Editada em Curitiba por Rog�rio Pereira, a Rascunho, tamb�m independente e de circula��o nacional, publicou normalmente suas edi��es mensais desde que o per�odo de isolamento social teve in�cio. “O que realmente complicou foi a queda do poder aquisitivo. Entre um quilo de arroz e um jornal de literatura, voc� vai sempre optar pelo arroz”, afirma ele. A publica��o chegou aos 20 anos em abril passado.Com uma edi��o impressa de 5 mil exemplares (direcionados para assinantes, que recebem o n�mero em casa, j� que a Rascunho n�o � vendida em livrarias ou bancas), ele viu um aumento do interesse no site. Tanto que, a partir do m�s que vem, a revista ter� novidades, tanto na edi��o em papel quanto na digital.
“Falta de incentivo de publicidade ou do pr�prio estado j� eram quest�es que sofr�amos antes. N�o ficamos esperando que uma grande editora venha e fa�a an�ncio de duas p�ginas. Para contornar as dificuldades que j� t�nhamos e foram acentuadas na pandemia, aproveitamos a valoriza��o do mundo digital. Acreditamos que o leitor do papel vai continuar. Agora queremos ter algum tipo de benef�cio financeiro no digital, pois at� hoje ele n�o d� nada”, afirma Pereira.
A Rascunho lan�a seu novo site em outubro, com conte�do exclusivo para assinantes, atualizado diariamente. Na vers�o impressa, a revista saltar� das atuais 32 p�ginas para 48. “Independentemente das dificuldades, trabalhamos com a cren�a das possibilidades que a literatura tem de mexer com a sociedade”, diz Pereira, que j� previa o investimento no ambiente digital antes mesmo da pandemia.
''O que realmente complicou foi a queda do poder aquisitivo. Entre um quilo de arroz e um jornal de literatura voc� vai sempre optar pelo arroz''
Rog�rio Pereira, editor da Rascunho
SALTO
Com um perfil singular no mercado editorial – s�o tr�s edi��es anuais (mar�o, julho e novembro), de 224 p�ginas cada uma, o que faz dela quase que um livro – a Serrote, publicada pelo Instituto Moreira Salles, tamb�m acompanhou a tend�ncia de aumento da leitura on-line. No caso dela, de forma bastante expressiva. “O n�mero subiu de 10 mil para 80 mil pessoas (acessos �nicos mensais). (A pandemia) Foi o grande salto da revista”, comenta o editor, Paulo Roberto Pires.N�o houve uma edi��o f�sica da Serrote no per�odo. Em julho, foi publicada uma vers�o exclusivamente digital. “Pragmaticamente, seria bobagem imprimir e levar para a livraria. Fizemos ent�o um n�mero digital completamente quente no debate”, comenta Pires. Para compensar, diz ele, a edi��o que ser� publicada em novembro, novamente em papel, ser� dupla e vir� com 336 p�ginas.
Diferentemente das tr�s publica��es acima, o Suplemento Liter�rio, editado pelo governo de Minas por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), tem uma longa hist�ria (no in�cio deste m�s, completou 54 anos), mas uma trajet�ria recente bastante conturbada. H� dois anos, ele deixou de ser impresso e sua �ltima edi��o digital, at� agora, corresponde aos meses de julho e agosto de 2019.
At� o final deste ano, dever�o sair quatro edi��es do SL, publica��o criada em 1966 por Murilo Rubi�o. Tr�s desses n�meros, na verdade, est�o prontos h� um ano – um deles, especial, vem celebrar os 80 anos de nascimento do poeta Ad�o Ventura, completados em julho de 2019.
Dos n�meros prometidos pela Secult, apenas um com previs�o de sair em dezembro – comemorativo dos 300 anos de Minas Gerais, abordando a trajet�ria da literatura mineira – ser� impresso. Essa edi��o ainda n�o foi produzida.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secult, afirma que a publica��o teve edi��es suspensas “em virtude da necessidade de uma readequa��o or�ament�ria, o que impactou nas publica��es que compreendem os meses de setembro/outubro e novembro/dezembro. Em 2020, a pandemia da COVID-19 tamb�m provocou efeitos na continuidade da publica��o, que tem um custo anual de R$ 150 mil.”
Segundo a Secretaria, os n�meros restantes referentes a 2019 n�o chegaram a ser publicados porque n�o havia quem os diagramasse. “Em setembro do ano passado, o contrato com a diagramadora terminou e n�o foi renovado. Ent�o, ficamos completamente parados”, afirma Jaime Prado Gouv�a, editor do SL desde 2009. Neste momento, as edi��es voltaram a ser diagramadas para que possam vir a p�blico. As datas de lan�amento on-line n�o foram fechadas por ora.
“Como editor, � frustrante, pois o neg�cio est� parado e esperando o pessoal resolver o problema. Na minha opini�o � barato imprimir em gr�fica, pois � um n�mero (com 40 p�ginas) a cada dois meses. Vivemos de colabora��o (de autores). Com esse tempo todo parado, o pessoal deixou de mandar o material, pois estamos sem publicar (em papel) h� dois anos”, comenta Prado Gouv�a.
Para o editor, uma publica��o sobre literatura tem que ter edi��o em papel. “Tenho que ser otimista”, diz ele, sobre o futuro do Suplemento Liter�rio. A t�tulo de compara��o, o Suplemento Pernambuco, criado h� 13 anos pelo governo daquele estado, �, nos dias de hoje, uma das publica��es liter�rias de maior prest�gio do pa�s.
As impress�es em papel foram interrompidas durante a pandemia, mas os n�meros mensais sa�ram normalmente, no formato digital. Com uma atividade on-line constante – no Instagram, s�o quase 56 mil seguidores –, o Suplemento Pernambuco vem realizando lives com autores e lan�amentos liter�rios.
''Pragmaticamente, seria bobagem imprimir e levar para a livraria (a edi��o de julho). Fizemos ent�o um n�mero digital completamente quente no debate''
Paulo Roberto Pires, editor da Serrote
CONHE�A E LEIA
» Quatro Cinco Um – quatrocincoum.com.br
» Rascunho – rascunho.com.br
» Serrote – revistaserrote.com.br
» Suplemento Liter�rio – edi��es de 2006 a agosto de 2019 est�o dispon�veis no bibliotecapublica.mg.gov.br
� ESPERA DE AL�VIO
Um aguardado respiro para editoras de pequeno e m�dio portes n�o veio e nem vir� em 2020. Previsto para agosto, o resultado dos editais dos Kits Liter�rio e Kit de Literatura Afro-brasileira, Africana e Ind�gena foi prorrogado pela Secretaria Municipal de Educa��o em 180 dias. Isso significa que n�o haver�, neste ano, nenhuma compra de livros para alunos da rede municipal de Belo Horizonte. “O que o precis�vamos neste momento era o kit, pois no nosso mercado n�o � s� reabrir livraria que est� tudo bem.
As escolas est�o fechadas e os eventos liter�rios n�o est�o acontecendo, o que prejudica demais as editoras e distribuidoras”, afirma �ngela Barcelos, da distribuidora Magia dos Livros, voltada para t�tulos infantojuvenis, e integrante da C�mara Mineira do Livro.
Os kits, cujos editais s�o anuais, preveem uma compra grande de um mesmo t�tulo – de 1 mil at� 5 mil exemplares – para serem adotados por alunos do ensino p�blico. Editoras de todo o pa�s, n�o s� as mineiras, se inscrevem para a sele��o. “A prefeitura procura fazer uma divis�o, n�o concentrando os t�tulos em uma s� editora, para poder ajudar outras no mercado. A gente pediu que fosse liberada ao menos a sele��o”, diz �ngela.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria Municipal de Educa��o afirmou que o adiamento do resultado dos editais foi em decorr�ncia da pandemia. “O material � para aulas presenciais e elas est�o suspensas desde mar�o. Quando as aulas presenciais forem retomadas, todos os processos em aberto tamb�m ser�o retomados.” (MP)