'Bom dia, Ver�nica' aborda a viol�ncia contra mulheres no Brasil

O sil�ncio dos inocentes brasileiro. Essa era “apenas” a pretens�o do escritor e roteirista Raphael Montes ao se unir � crimin�loga Ilana Casoy para criar, a quatro m�os, um thriller investigativo. Ele viria com sua experi�ncia como ficcionista (rec�m-chegado aos 30 anos, � o mais jovem e celebrado autor da literatura policial contempor�nea do pa�s) e ela com a da vida real (especialista em perfis psicol�gicos de criminosos, com �nfase no estudo de serial killers, j� publicou livros sobre crimes famosos, como os casos Nardoni e Richthofen).

Ainda h� de nascer um personagem t�o perverso e brilhante quanto Hannibal Lecter. O tenente-coronel Brand�o n�o devora ningu�m, mas sua crueldade com as mulheres impressiona. A ele s� interessam jovens pobres vindas de S�o Lu�s do Maranh�o, mas sua maior v�tima � a pr�pria mulher, Janete.

� ela quem encontra as jovens na rodovi�ria de S�o Paulo, e que logo ser�o aniquiladas pelo marido. Presa em um casamento que lhe nega tudo – amigos, fam�lia, at� mesmo qualquer tipo de contato telef�nico –, Janete sofre, calada, com os rompantes de viol�ncia de Brand�o, que v�o em um crescendo. Come�a a perder a conex�o com o mundo real, at� que se depara com Ver�nica, uma jovem escriv� da pol�cia.

Bom dia, Ver�nica (2016), primeiro fruto da parceria Montes/Casoy, foi publicado pela Darkside Books. O romance � creditado a Andrea Killmore, pseud�nimo criado pelo autor por “quest�es de seguran�a”. Era o que se dizia quatro anos atr�s, j� que apenas em 2019 a brincadeira foi revelada ao p�blico.

Em 2017, a Netflix procurou Montes pedindo a ele o roteiro de um thriller investigativo. “Se um livro comunica, imagina uma s�rie que vai para 190 pa�ses. Na �poca, propus a adapta��o de Bom dia, Ver�nica. Eles (a Netflix) disseram que iriam comprar os direitos. Falei para ligarem para meu advogado, pois ele diria quem era o autor”, conta Montes.

Adapta��o em oito epis�dios do livro, a s�rie Bom dia, Ver�nica estreia na quinta-feira (1º/10) como o principal investimento da Netflix no Brasil neste semestre. � o primeiro thriller da plataforma de streaming no pa�s. Mais: chega com elenco e ficha t�cnica que dispensam apresenta��es, com nomes oriundos da televis�o e do cinema. Mais ainda: �, at� o momento, a primeira (e provavelmente �nica) s�rie nacional da Netflix em 2020 n�o voltada para o p�blico jovem.

Ainda que seja Ver�nica (Tain� M�ller) a personagem-t�tulo, os protagonistas s�o tr�s: Janete � defendida por Camila Morgado (sem d�vida, a grande interpreta��o da s�rie) e Brand�o por Eduardo Moscovis. Montes, criador da s�rie, divide com Casoy tanto o roteiro quanto a produ��o-executiva. A dire��o-geral � de Jos� Henrique Fonseca, que dirigiu v�rias hist�rias criadas por seu pai, Rubem Fonseca, o mestre brasileiro do romance policial – o filme O homem do ano e as s�ries L�cia McCartney e Agosto.

Cansada do trabalho burocr�tico que n�o lhe d� nada al�m de dor de cabe�a e uma constante invisibilidade no meio policial, a escriv� Ver�nica assiste a uma jovem suicidar-se em plena Delegacia de Homic�dios. Ela foi v�tima do golpe “boa-noite, Cinderela”, aplicado por um conquistador em mulheres por meio de um site de namoro. Esse � o mote da hist�ria.

Tal narrativa, que no livro foi bem desenvolvida at� o final, perde a import�ncia na s�rie quando Ver�nica conhece Janete. J� no momento inicial, a escriv� entra de cabe�a no drama dessa mulher. Ao conseguir a confian�a dela (e ingressar na casa), Ver�nica percebe que o marido n�o apenas abusa da parceira – ele mata mulheres.

Sem amparo dos superiores (o delegado Carvana, papel de Ant�nio Grassi, a trata como filha, mas n�o quer dela mais que cafezinho), com um drama pessoal (o pai, ex-policial, n�o fala nem reconhece ningu�m) e problemas em casa (o marido e os filhos acabam ficando em segundo plano), Ver�nica descobre que para fazer justi�a ter� de agir praticamente sozinha.

Tain� M�ller passou por ampla prepara��o para o papel. Fez aulas de luta, defesa pessoal, tiro, passou por um laborat�rio em delegacia e estudou a fundo o feminic�dio. “Fiquei surpresa ao ver onde ele brota. Muitas vezes, o feminic�dio � um crime inesperado para as pessoas ao redor, mas n�o para a v�tima, porque ele vem de uma constru��o. O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking (de feminic�dios) no mundo, ou seja, o quinto lugar mais perigoso para ser uma mulher”, afirma a atriz.

Para Camila Morgado, Janete � resultado de manipula��o psicol�gica. “O Brand�o a chama de ‘passarinha’, mas cortou suas asas. Chega um momento em que a v�tima perde tanto a autenticidade que ela entra no processo de esquecimento sobre quem �.”

A casa de Brand�o e Janete, um dos principais cen�rios da s�rie, serve de contraponto � opressiva rela��o do casal. O ambiente � colorido, aberto, a dupla s� veste cores c�tricas. “H� um monte de signos embutidos ali. Brand�o tem um peso f�sico (Moscovis ganhou alguns quilos para interpretar o personagem) que � consequ�ncia disso tudo. Ele me parece um pouco o estado da nossa pol�cia, com a cara pesada, meio disforme, decadente”, diz o ator.

Bom dia, Ver�nica nasceu de casos reais. “A hist�ria da Janete n�o vem de uma mulher s�. Entrevisto fam�lias, mulheres de serial killers. Houve uma que me impactou muito. A pol�cia me pediu para entrevistar a mulher de um matador para tentar ver se ela era c�mplice ou n�o. Ela chorava muito e dizia: ‘Doutora, a senhora que sabe tanto, me ensina: como paro de gostar dele?. Ele � um monstro, mas me tirou da rua e tenho filhos com ele.’ S�o mulheres que se sentem culpadas”, comenta Ilana Casoy.

Ainda que fale da realidade brasileira, Bom dia, Ver�nica traz muitas refer�ncias de s�ries americanas, j� que, no fim das contas, � a cl�ssica trajet�ria de gato e rato. “O que fizemos foi encontrar dois autores brasileiros para contar uma hist�ria local. A gente procura contar uma hist�ria a mais pr�xima das situa��es reais. N�o h� a inten��o de reproduzir conte�do estrangeiro, mas ele nos inspira muito, j� que o thriller � um g�nero pouco produzido no Brasil”, comenta Maria Angela de Jesus, diretora de conte�do original da Netflix no pa�s.

De acordo com a executiva, o p�blico jovem � “uma for�a grande na plataforma”, mas, mesmo que haja “muitos conte�dos nessa linha”, a Netflix n�o se limita a um g�nero. Maria Angela diz que optar por atores j� conhecidos do grande p�blico foi uma consequ�ncia da pr�pria narrativa.

“Escolhemos o elenco a partir da hist�ria que queremos contar. Para uma s�rie com personagens muito fortes, precis�vamos de atores com amplitude de interpreta��o”, explica.

Sem entregar nada da hist�ria, o que d� para dizer � que Bom dia, Ver�nica termina com um gancho para a segunda temporada – o que, obviamente, n�o se pode confirmar por ora.

“A gente fica falando de thriller, mas um dos grandes ganhos da s�rie � o drama. O drama � universal, ele viaja para 190 pa�ses. Ent�o, tivemos todos os cuidados de tratar de quest�es universais. Al�m da ca�ada a um serial killer, a s�rie � humana. E � o humano que comove e engaja”, finaliza Montes, confirmando que j� est� �s voltas, ao lado de Casoy, com o segundo livro da s�rie, Boa tarde, Ver�nica.

. S�rie em oito epis�dios

. Estreia quinta-feira (1º/10), na Netflix