
Nesta quinta-feira (29), ser� comemorado o Dia Nacional do Livro. Por�m, a cadeia ligada a esse produto t�o simb�lico tem mais motivos para se preocupar do que para comemorar. A despeito da valoriza��o da leitura por parte da popula��o durante os meses de isolamento social, o mercado livreiro se sente amea�ado pela reforma tribut�ria proposta pelo Minist�rio da Economia, que tramita no Congresso desde julho.
Isentos de impostos pela Constitui��o Federal e tamb�m de PIS/Pasep e Cofins, os livros passar�o a pagar 12% de Contribui��o Social sobre Opera��es com Bens e Servi�os (CBS), caso seja aprovado o projeto do governo Jair Bolsonaro.
''Um novo imposto desse tamanho fecharia lojas e significaria a redu��o de livros publicados''
Marcos Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros
AUMENTO
Representantes do setor advertem: caso o projeto em tramita��o no Congresso seja aprovado, o aumento de pre�os para o consumidor pode chegar a 20%, o que resultaria em queda fatal nas vendas para muitas livrarias e editoras.“Para a ind�stria, que hoje tem al�quota zero, redesenhar o processo com 12% � quase imposs�vel. A ind�stria inteira teria de ser redesenhada e isso afetaria o pre�o e o consumidor final”, alerta �ngelo Xavier, presidente da Associa��o Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), destacando ainda a vulnerabilidade hist�rica do setor diante de crises econ�micas.
Representantes do segmento publicaram, recentemente, o Manifesto em Defesa do Livro, com o objetivo de barrar a proposta. O texto ressalta a prote��o hist�rica dada ao produto no Brasil. Isso ocorre desde a Constitui��o de 1946, quando foi aprovada a isen��o de impostos para o papel destinado a livros, jornais e revistas, projeto do ent�o deputado federal e escritor Jorge Amado.
O documento � assinado pela Associa��o Brasileira de Difus�o do Livro (ABDR), Associa��o Brasileira das Editoras Universit�rias (Abeu), Associa��o Brasileira de Editores e Produtores de Conte�do e Tecnologia Educacional (Abrelivros), Associa��o Nacional de Livrarias (ANL), C�mara Brasileira do Livro (CBL), Liga Brasileira de Editoras (Libre) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).
Marcos Pereira, presidente do SNEL, diz que o encarecimento dos livros a partir do novo tributo ter� graves consequ�ncias. “A vida das livrarias ficaria mais dif�cil. Elas est�o come�ando a reabrir agora, por causa da pandemia, voltando a 70%, 80% do volume normal. Um novo imposto desse tamanho fecharia lojas e significaria a redu��o de livros publicados. Sem um canal de venda irrigado, n�o h� capacidade de apostar em novas coisas. Com menos publica��es, s�o menos editoras, menos autores e menos ideias. Esse � o resumo do impacto da CBS se ela for aprovada. � um impacto sobre a leitura no Brasil, mais do que sobre a ind�stria do livro”, argumenta Pereira.
Na Am�rica Latina, apenas Chile e Guatemala taxam livros. Na Europa, todos os pa�ses operam com taxas reduzidas ou al�quota zero, como faz o Brasil. “A isen��o � o reconhecimento da sociedade de que o livro tem contribui��o importante a dar. Precisamos dela por ter escala vari�vel, pois h� livro de poesia, livro t�cnico, romance”, argumenta Marcos Pereira.
De acordo com Vitor Tavares, presidente da C�mara Brasileira do Livro, “quando veio a imunidade do produto, em 2004, o setor editorial aumentou as vendas em 90 milh�es de exemplares anuais entre 2006 e 2011. O pre�o m�dio do produto caiu 35% entre 2006 e 2019”. Ele refor�a a necessidade de medidas que promovam e facilitem a leitura – e n�o o contr�rio.
“Um pa�s onde o �ndice de leitura j� � baixo, de 2,5 livros ao ano per capita, taxar um produto t�o importante vai interferir em nossa bibliodiversidade. O livro isento de qualquer taxa ou imposto � conquista da sociedade brasileira h� anos”, defende.
''O livro isento de qualquer taxa ou imposto � conquista da sociedade brasileira h� anos''
Vitor Tavares, presidente da C�mara Brasileira do Livro
RICOS
O governo alega que o livro � produto consumido pelas classes mais altas, beneficiadas pela isen��o. A ideia � prontamente refutada por representantes do mercado editorial, que citam a Pesquisa de Or�amentos Familiares (POF) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) em 2017 e 2018. De acordo com o levantamento, 45% do consumo de livros no pa�s se deve a fam�lias com renda abaixo de R$ 5,7 mil. Elas representam 74% do total das fam�lias do pa�s.Questionado por parlamentares, o ministro Paulo Guedes alegou que o governo federal pretende dar livros de gra�a “para o mais fr�gil, para o mais pobre”, em vez de isentar o produto consumido pelos mais favorecidos. Representantes do mercado livreiro contestam essa tese, apontando a inefici�ncia de mecanismos de est�mulo � leitura, como a Lei 10.753, de 30 de outubro de 2003, que estabelece a Pol�tica Nacional do Livro.
“Essa fala do ministro � bastante desconectada da realidade e at� do que o governo federal faz em termos de leitura. A Lei do Livro exige do governo o investimento em programas de leitura, mas isso n�o acontece. Os governos n�o fazem o papel deles. As compras p�blicas para alunos da educa��o b�sica s� foram retomadas em 2018, s�o poucas as pol�ticas p�blicas de fomento � leitura”, reitera �ngelo Xavier.
O presidente da Abrelivros pondera que, do ponto de vista do legislador, “� f�cil falar em taxar toda a venda”, deixando de tratar exce��es. “Temos visto nas discuss�es no Congresso Nacional que eles querem sistemas simples de arrecadar. O que o livro conseguiu na Constitui��o � uma grande vit�ria. O governo n�o tem feito pol�ticas p�blicas de incentivo � leitura. E n�o � agora que as far�.”
Atualmente, lembra Xavier, o governo federal � respons�vel por 47% das aquisi��es de livros did�ticos, sendo o maior comprador do produto. “O implemento de 20% nos pre�os tamb�m teria impacto sobre estados e munic�pios. Alguns deles, independentemente de programas, compram do mercado para escolas, bibliotecas, complementos did�ticos. Ent�o, isso afetaria as verbas p�blicas de munic�pios e estados”, comenta.
Vitor Tavares, presidente da CBL, diz que a legisla��o prev� que escolas p�blicas e particulares tenham biblioteca com acervos condizentes com a realidade regional, com bibliotec�rios bem remunerados. “Isso n�o acontece, n�o temos bibliotecas em todas as escolas”, lamenta.
Al�m da isen��o tribut�ria, o setor reivindica respeito ao que est� estipulado para o fomento da leitura, viabilizando toda a cadeia produtiva – gr�ficas, livrarias, editoras e autores.
“Dos 5.500 munic�pios do Brasil, menos de 20% t�m livraria ou local que venda livros. H� uma car�ncia enorme. E qual � o papel do Estado? Fundamentalmente, come�a por investir em h�bitos de leitura, em profissionais que estimulem isso, em bibliotecas p�blicas, em linhas de cr�dito para livrarias e editoras. � obriga��o do Estado fomentar a atividade. Est� na lei de 2003, s�o 17 anos”, argumenta Marcos Pereira, presidente do SNEL.
DIGITAL
O grupo entende os formatos impresso e digital como complementares. “As vendas virtuais crescem, mas dois ter�os do que � comprado s�o adquiridos nas livrarias f�sicas. O ambiente virtual n�o � o melhor consumo, pois a pessoa busca apenas aquele determinado livro de que precisa. Na loja f�sica, ela se depara com t�tulos, toma conhecimento de outras coisas. Isso � o mais saud�vel nesse mercado”, explica �ngelo Xavier.Aguardando a constitui��o de uma Comiss�o Tempor�ria pela Mesa para apreci�-lo e sem data para ser votado na C�mara, o Projeto de lei 3.887/2020 encontra resist�ncia entre os consumidores. Um abaixo-assinado contra a tributa��o j� ultrapassou 1 milh�o de assinaturas.
“O brasileiro est� lendo mais. Essa � a constata��o que fizemos nas �ltimas semanas, o que nos d� esperan�a neste Dia Nacional do Livro. A pandemia ensinou muito a todos n�s. O mundo mudou, com certeza, e ver o crescimento da leitura � um sinal muito positivo”, conclui Marcos Pereira.