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Estado de Minas

Mosquito � "filme de guerra sem guerra"


28/10/2020 04:00

Em Mosquito, Zacarias (João Nunes Monteiro) é um rapaz de 17 anos que foi para a guerra movido por ideais românticos e precisa amadurecer em situações extremas (foto: YOUTUBE/REPRODUÇÃO)
Em Mosquito, Zacarias (Jo�o Nunes Monteiro) � um rapaz de 17 anos que foi para a guerra movido por ideais rom�nticos e precisa amadurecer em situa��es extremas (foto: YOUTUBE/REPRODU��O)
Quando foi exibido no Festival de Roterd�, Mosquito foi definido de maneira sint�tica como "um filme de guerra sem guerra sobre um soldado sem ex�rcito". Perfeito. Mosquito � isso mesmo, uma obra de g�nero fora da curva, de todas as curvas. No entanto, tem base real em casos contados pelo av� do diretor Jo�o Nunes Pinto. Hist�rias de fam�lia podem ser bem um ponto de in�cio de reflex�o sobre grandes cat�strofes, como s�o as guerras. Basta apenas lembrar que 1917, de Sam Mendes, tamb�m foi inspirado no que contava o av� do diretor sobre sua presen�a nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial.

As coincid�ncias n�o acabam aqui. Tamb�m a hist�ria de Mosquito – em cartaz na 44ª Mostra Internacional de Cinema de S�o Paulo – � a de um soldado engajado na Primeira Guerra (1914-1918), o sangrento conflito que, para o historiador brit�nico Eric Hobsbawm, � o verdadeiro fecho do s�culo 19. Em sua barb�rie, encerra a belle �poque europeia e d� in�cio ao s�culo 20, chamado por ele de "a era dos extremos".

Nesse ambiente, Zacarias (Jo�o Nunes Monteiro) � o rapaz de 17 anos que deseja aventurar-se numa guerra que julga rom�ntica e alista-se no Ex�rcito. Sonha combater em territ�rio franc�s, mas, como o soldado n�o � dono de si, � enviado para Mo�ambique, na �frica. Portugal manda tropas para defender sua ent�o col�nia de poss�veis ataques alem�es.

Zacarias apresenta-se e toma contato com o cotidiano duro de um soldado. Seu antagonista, mas talvez mentor, � o sargento Justino (Jo�o Lagarto), dur�o, c�nico e c�tico, que ir� reencontrar Zacarias apenas no final da hist�ria. E em circunst�ncias nada convencionais.

O jovem soldado logo contrai mal�ria e fica incapacitado para a luta. � deixado para tr�s por seu destacamento. Com a febre, vive entre a realidade e a alucina��o. Esse registro – o da realidade incerta, do sonho desperto – ser� adotado no desenho narrativo da obra. Torna-se ainda mais evidente quando Zacarias for atravessar o pa�s, sozinho, para buscar seu pelot�o.

Ao longo desse percurso feito a p�, ainda doente, mal-armado e mal-ajambrado, Zacarias faz sua inicia��o no continente africano. Ent�o, temos a melhor parte desse "filme de guerra sem guerra". � quando o ainda adolescente vai encontrando pessoas e vilas em seu percurso, tentando se entender com gente que n�o fala seu idioma e da qual ele n�o compreende os costumes. Mosquito �, tamb�m, um filme sobre o amadurecimento em situa��es extremas. Sobre o processo de tornar-se adulto dessa quase crian�a que foi para a guerra movido por ideias rom�nticas.

Ele descobrir� que pouco lirismo existe neste mundo e n�o apenas porque ter� de enfrentar um sargento dur�o em seu primeiro contato com a vida militar. Fome, frio, calor, desejo sexual e uma inesperada amizade – com algu�m que tamb�m n�o fala portugu�s – ser�o partes do percurso de amadurecimento de Zacarias.

FOR�A DAS IMAGENS 
Mosquito � um trabalho muito sofisticado do ponto de vista formal. Os di�logos s�o raros, quase inexistentes, at� mesmo pela barreira de l�nguas que o protagonista encontra em seu caminho. Desse modo, o diretor Jo�o Nunes Pinto aposta tudo na for�a das imagens, na ambienta��o tanto fascinante quanto amedrontadora da paisagem africana. E tamb�m no excelente trabalho do personagem, que envelhece ao mesmo tempo que amadurece. Uma transforma��o f�sica em contato com o sofrimento que lembra a de outro garoto precocemente devastado pela guerra, o protagonista do grande �pico V� e veja, do russo Elem Klimov.

H� muitas outras entradas poss�veis para leitura desse filme amb�guo e encantador. Pode-se, por exemplo, ver na trajet�ria de Zacarias uma alus�o � debilidade precoce de Portugal em terras africanas, bem antes das guerras de liberta��o colonial. � tamb�m um filme sobre a amizade e como esta pode nascer nas situa��es mais imprevistas. Fala da inicia��o sexual numa condi��o de estranhamento que lembra muito algumas sequ�ncias de Satyricon, de Federico Fellini.

Enfim, pode-se devanear sobre esse filme surpreendente e muito rico de sentidos. E pensar que, no fundo dele, reside a absoluta falta de sentido da guerra, o sofrimento in�til j� evocado em tantos filmes e outras tantas manifesta��es art�sticas e tamb�m numa das obras-primas do mestre portugu�s Manoel de Oliveira, Non – A v� gl�ria de mandar. (Estad�o Conte�do)


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