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Estado de Minas ELIZABETH 2� E FAM�LIA

Al�m de 'The Crown': obras mergulham no estranho mundo da fam�lia real brit�nica

Dois novos romances revelam como a realeza tem se mostrado tradicionalmente t�o problem�tica


24/11/2020 07:20 - atualizado 24/11/2020 10:01


Dois novos romances revelam como a realeza tem se mostrado tradicionalmente tão problemática(foto: Getty Images)
Dois novos romances revelam como a realeza tem se mostrado tradicionalmente t�o problem�tica (foto: Getty Images)

Nosso primeiro contato com a realeza � por meio da fic��o. Muitas pessoas se tornaram fascinadas recentemente com a fam�lia real brit�nica atrav�s da s�rie de TV The Crown, que retrata em forma de fic��o a vida da rainha Elizabeth 2ª.

Esse fasc�nio com realeza j� come�a, para muitos, na inf�ncia. Princesas e pr�ncipes encantados, reis soberanos, rainhas malvadas... Todos esses personagens habitam os contos de fadas que povoam nossa inf�ncia, com uma magia narrativa t�o densa quanto o matagal que cresce em volta do castelo da Bela Adormecida.

Os s�mbolos da monarquia, suas coroas e tronos, e o forte senso de predestina��o enunciado na forma de maldi��es e promessas s�o alinhavados em nosso imagin�rio coletivo antes mesmo que tenhamos idade suficiente para entender.

Na idade adulta, acabamos percebendo que toda a magia do "conto de fadas" da realeza � uma faca de dois gumes: sim, os tapetes vermelhos s�o estendidos para eles, mas sua notoriedade � inevit�vel desde o nascimento; e o fasc�nio provocado pelas pedras preciosas � acompanhado pelo brilho ofuscante dos flashes.

Muitas vezes, os pal�cios funcionam como gaiolas douradas.

Ainda assim, exercem um enorme fasc�nio, at� porque os membros desta institui��o de apar�ncia intrigantemente anacr�nica nos remetem a uma �poca em que nossa paix�o pelo universo do "faz de conta" era insaci�vel.

Mas, como dois novos romances revelam, a fic��o ainda pode nos ensinar muito sobre a realeza, dando aos autores acesso, ainda que imagin�rio, a momentos privados e �ntimos aos quais bi�grafos e historiadores s�o impedidos por quest�es burocr�ticas e de protocolo.

E, assim como essas f�bulas infantis, a fic��o sobre a realeza mant�m seu poder de educar.


Na infância, muitos de nós fomos apresentados à realeza por meio dos contos de fadas, como 'A Bela Adormecida'(foto: Getty Images)
Na inf�ncia, muitos de n�s fomos apresentados � realeza por meio dos contos de fadas, como 'A Bela Adormecida' (foto: Getty Images)

Dado o papel onipresente que pr�ncipes e princesas desempenham na inf�ncia, � ir�nico que tradicionalmente a realeza tenha se mostrado t�o problem�tica. � isso que dois novos romances, The Governess ("A Governanta", em tradu��o livre) e A Most English Princess ("A Princesa Mais Inglesa", em tradu��o livre), se prop�em a revelar.

As autoras, a best-seller Wendy Holden e a estreante Clare McHugh, cresceram fascinadas pela fam�lia real brit�nica. No caso de Holden, ela se debru�ava sobre as fotos amareladas de um livro que pertencia a sua av�, comemorando a coroa��o de George 6º, pai da atual rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª.

"Embora eu achasse as coroas e peles incrivelmente glamourosas, foram os personagens que me atra�ram", relembra.

"Todos pareciam personagens de fic��o para mim, e daquele ponto em diante, embora inconscientemente, eu quis coloc�-los em um romance. Mas s� quando descobri a incr�vel hist�ria de Marion Crawford que encontrei o caminho certo. "

Marion Crawford era uma jovem com consci�ncia social que planejava dar aulas nas comunidades pobres de Edimburgo, na Esc�cia. Em vez disso, acabou se tornando governanta de duas princesas, Elizabeth — conhecida como Lilibet — e sua irm� mais nova, Margaret.

Ela passou 17 anos com a fam�lia real at� sua aposentadoria em 1948, quando cometeu o erro fatal de escrever um livro sobre suas experi�ncias com os Windsors. A publica��o de The little princesses ("As princesinhas", em tradu��o livre) a levou a ser banida da vida da fam�lia real para sempre.


'Crawfie' era governanta das princesas Elizabeth e Margaret e apresentou a elas aspectos da vida cotidiana(foto: Getty Images)
'Crawfie' era governanta das princesas Elizabeth e Margaret e apresentou a elas aspectos da vida cotidiana (foto: Getty Images)

Segundo Holden, as revela��es que Crawford fez s�o inofensivas para os padr�es modernos. N�o que suas p�ginas n�o guardassem surpresas do tipo que deixam a mente de um romancista inquieta.

"Oferecia uma vis�o inesperada e comovente da nossa ultra-composta rainha como uma crian�a preocupada, um ser humano vulner�vel."

At� "Crawfie", como a governanta ficou conhecida, entrar em suas vidas, as irm�s n�o tinham permiss�o para sujar a roupa e precisavam seguir o caminho pavimentado do jardim.

"Ela levou consigo sua consci�ncia social, e apresentou (as meninas) ao mundo, para mostrar a elas uma vida normal. Ela as levou no metr�, para fazer compras na tradicional rede de lojas Woolworth's (que fechou as portas no pa�s em 2009) e at� mesmo para nadar em piscinas p�blicas", conta Holden.

Enquanto outras garotas da sua idade sonhavam com a realeza, a jovem Lilibet se encantava com a escada rolante do metr� de Londres: "As escadas est�o se movendo!"

A cria��o excessivamente protetora acaba se revelando como uma esp�cie de desvantagem.

"A educa��o real pode ser muito prejudicial se fizer com que a realeza pare�a distante do povo, que odeia arrog�ncia e senso de poder", diz Holden.

"Crawfie achava que Lilibet e Margaret estavam levando uma vida formal, isolada, vitoriana, que n�o tinha lugar no mundo moderno. E achava que isso n�o era bom para elas pessoalmente, como ser humano, ou na pr�tica, como membros da fam�lia real."

"Ela tirou ent�o (as meninas) do pal�cio e mostrou como as pessoas comuns viviam. Estimulou o humor, a criatividade e o senso de aventura delas, que estavam sendo totalmente reprimidos quando ela chegou. "

Gra�as em grande parte a Crawfie, uma mulher cujo nome Holden diz ainda ser sin�nimo de trai��o no c�rculo da realeza, aquela crian�a preocupada e vulner�vel foi capaz de suportar alguns dos anos mais conturbados da hist�ria do pa�s.

"Crawfie as conduziu durante a abdica��o, a coroa��o inesperada de seus pais e toda a Segunda Guerra Mundial. Embora tudo isso fosse bastante dram�tico e brilhante para ser transformado em fic��o, deve ter sido muito assustador e confuso na �poca."

Os romances de Holden j� venderam mais de tr�s milh�es de c�pias ao redor do mundo, mas The Governess � sua primeira incurs�o no mundo da fic��o hist�rica.

Embora tenha mergulhado de cabe�a nesse per�odo, vasculhando sebos em busca de livros esgotados coletados por monarquistas da regi�o, sua pr�pria imagina��o, diz ela, foi a fonte mais importante de todas.

Se permitir a liberdade de inventar foi o que Clare McHugh, que tem uma carreira de 30 anos no jornalismo, achou mais dif�cil.

Seu romance, A Most English Princess, dramatiza a vida da filha mais velha da rainha Vit�ria, a princesa real conhecida como Vicky, que numa jogada de pol�tica internacional se casou com um pr�ncipe alem�o e deu � luz o futuro Kaiser, Guilherme 2º, que levou a na��o � Primeira Guerra Mundial.

Toque de empatia

"Eu me preocupava com a autenticidade", diz McHugh, que mora em Washington DC, mas nasceu em Londres, e cujo bisav� brit�nico uma vez conduziu o filho e irm�o de Vicky, o rei Edward 7º, em parte de sua jornada at� Osborne House, resid�ncia real localizada na Ilha de Wight, no Reino Unido.

"Como eu poderia imaginar, com precis�o, o que era ser uma princesa, e depois uma imperatriz alem�, e depois uma vi�va desolada, vivendo em um enorme castelo desprezada pelo filho?"

"Entre na cabe�a dela e fique l�", foi o conselho que a romancista Sandra Newman deu a ela. As cartas que Vicky escreveu para a m�e tamb�m ajudaram bastante, mas McHugh identificou paralelos que fizeram a hist�ria dela parecer mais emp�tica.

"A fam�lia real, acima de tudo, � uma fam�lia", diz ela.

"Todos os tipos de coisas que acontecem nas fam�lias acontecem com eles, em termos de rivalidades e compara��es difamat�rias que s�o feitas, mas h� muito mais em jogo."

Este � um ponto importante, levando em considera��o especialmente outra diferen�a fundamental: enquanto n�s podemos viver nossas pr�prias vidas independentes da nossa fam�lia de origem, os membros da realeza s�o definidos antes de tudo por sua linhagem.

� quase imposs�vel para eles alcan�arem algo que anule a sorte (ou n�o) de seu nascimento. E a ordem de nascimento e g�nero s�o tudo.

Como McHugh observa, desde o in�cio, Vicky ocupou uma posi��o peculiar na fam�lia. Ela n�o era apenas a mais velha, como tamb�m a mais inteligente e capaz dos nove filhos do casal real.

Uma crian�a destemida e otimista, ela teve aula de ci�ncias, leu livros como Uncle Tom's Cabin e aprendeu com o pai sobre governo e hist�ria. No entanto, pelas regras de sucess�o, ela n�o tinha chance de herdar o trono.

Ao mesmo tempo, ela era valiosa demais para ser autorizada a seguir seu pr�prio caminho. Com apenas 17 anos, ela trocou uma "gaiola dourada" por outra infinitamente mais restritiva, quando se casou com o futuro Frederico 3º, imperador alem�o e rei da Pr�ssia, como parte do plano de seu pai para levar a democracia moderna para a Alemanha.

McHugh retrata uma atra��o f�sica genu�na e profunda entre os rec�m-casados — mas ainda assim, � um casamento pol�tico e que a levaria para longe de casa.

H� uma cena no romance que simboliza toda fantasia de princesa. Vicky, uma garota que sabe que n�o � nenhum ideal de beleza, vai a um baile franc�s com um vestido desenhado para ela pela Imperatriz Eug�nie — uma roupa suntuosa com v�rias camadas de babados de renda branca, enfeitados com veludo p�ssego e ramalhetes de flores de tecido.

Entrar no Pal�cio de Versalhes � como "entrar em um enorme ba� de tesouros incrustado de joias".

No entanto, ela foi prejudicada por seu privil�gio, acredita McHugh, ao ser criada para confiar totalmente em sua pr�pria opini�o, sem se importar com o que os outros tinham a dizer, em parte porque seu status significava que ningu�m nunca lhe diria a verdade.

Enquanto isso, os elogios que recebia do pai deixavam sua m�e, a quem ele costumava repreender, com ci�mes.

A postura de Vicky contou contra ela at� postumamente.

"Ela � subestimada pela hist�ria e deixada de lado como uma figura real mal-sucedida e bastante pat�tica. Na �poca e agora, pessoas importantes, sejam da realeza ou n�o, est�o frequentemente sujeitas a interpreta��es hostis — no caso de Vicky, chegou ao ponto de Freud analisar suas falhas ap�s sua morte."

McHugh explica:

"Minha opini�o � que Vicky era uma personalidade radiante, que deu o seu melhor em um mundo estranho, desagrad�vel e mis�gino."

Foi essa percep��o que ajudou McHugh a dar o toque final de empatia que a fic��o requer para ganhar vida. Tamb�m oferece a seu romance um valor contempor�neo.

Da falecida princesa Diana �s duquesas de Cambridge e Sussex, Catherine e Meghan, as mulheres da fam�lia real neste e no �ltimo s�culo ainda tiveram que lidar com muitos julgamentos mis�ginos.


A princesa Diana está entre as muitas mulheres que passaram por momentos difíceis como membro da família real(foto: Getty Images)
A princesa Diana est� entre as muitas mulheres que passaram por momentos dif�ceis como membro da fam�lia real (foto: Getty Images)

"Vivemos em um mundo diferente, e muito melhor, mas espero que os esfor�os das mulheres em tentarem ser for�as positivas em pap�is pol�ticos e familiares tenham eco", diz ela.

Por mais que sua postura se baseie na tradi��o, as fam�lias reais evoluem. Marion Crawford pode ter sido afastada da vida da rainha, mas n�o vamos esquecer que ela trabalhou com a fam�lia real por quase duas d�cadas, tempo suficiente para se tornar o que Holden insiste ser uma influ�ncia fundamental em seu longo reinado e na forma com que ela criou seus pr�prios filhos.

"Hoje em dia, quando as pessoas falam sobre o bom senso e a habilidade da rainha de se comunicar com o povo, qualidades que refor�aram sua autoridade ao longo do seu reinado, sempre penso em Crawfie e em como isso come�ou com ela", acrescenta Holden.

Ao mesmo tempo, como em qualquer narrativa �pica, os padr�es se repetem. Basta lembrar o que aconteceu recentemente com Meghan, a duquesa de Sussex, que se mudou para a resid�ncia de Windsor, para depois se distanciar ainda mais da fam�lia real.

Como McHugh destaca, os membros da realeza simbolizam privil�gio e poder, mas tamb�m s�o seres humanos presos a circunst�ncias muito estranhas e distorcidas.

"N�o � um acordo que eu aceitaria", diz ela.

"Acho que h� um debate a ser travado sobre se o custo � ou n�o muito alto. Vamos lembrar, eles est�o sendo usados."

Estranhamente, apesar de toda liberdade concedida � uma obra de fic��o, quando os membros da realeza se tornam personagens liter�rios, � que essa vida estranha se torna mais honesta e esclarecedora.

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Culture.


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