
Depois de ser exibido no Festival de Berlim e em outras cultuadas janelas europeias, o longa estreia nesta quinta-feira (17/12), em BH e outras salas brasileiras. Uma oportunidade para mais gente ainda conhecer a hist�ria de Marcelo, escolhido por Helv�cio n�o s� como ator, mas como personagem da trama.
O cineasta mineiro, que j� havia filmado o sert�o e sua gente em Girimunho (2011), explica que o filme nasceu depois de um assalto ocorrido na fazenda onde o protagonista trabalhava. “Marcelo nasceu e se criou ali. Foi andar de carro aos 17 anos, foi ver uma escada rolante aos 20. Ele tem uma coisa intr�nseca � terra, tem os p�s na terra. � como se ali fosse tudo dele”, conta o diretor mineiro.
Pessoa tranquila e comunicativa, Marcelo viu sua vida mudar depois do assalto. “Aquilo mexeu muito com ele, deixando-o muito traumatizado. A gente se encontrou na noite seguinte, chovia muito e at� o barulho dos trov�es o apavorava. Foi um grande trauma, mas o filme nasce justamente da tentativa dele de reconstruir a vida depois disso”, diz Helv�cio Marins.

ROSA
Rodado no Vale do Urucuia, com direito a cenas do rio citado por Guimar�es Rosa em seus romances, o filme tem a proposta quase documental de registrar o cotidiano de Marcelo e seus amigos. Entre eles, Kaik Lima. Planos mais abertos mostram os dois tangendo gado no pasto, enquanto quadros mais fechados revelam cenas do cotidiano rural – como negociatas de frangos, cuidados com as cria��es e momentos de confraterniza��o, boa prosa e troca de saberes –, nas quais os di�logos ganham destaque.
� neste contexto que um Marcelo atordoado tenta seguir a vida depois de ser rendido por assaltantes, que levaram 120 cabe�as de gado em caminh�es.
O trabalho com atores que jamais haviam pisado num set foi facilitado pela amizade de longa data entre Helv�cio e o elenco. “Marcelo j� tinha um lado art�stico, assim como Kaik. Eles escrevem versos, fazem locu��o. Ent�o, foi um trabalho de prepara��o. Investi muito tempo do projeto nisso. Tecnicamente, � a prepara��o de elenco, mas quem faz sou eu mesmo, � algo de que gosto”, revela o diretor. Na Europa, ele d� curso de prepara��o de atores n�o profissionais.
Al�m das estrat�gias usadas por Marins para atingir seus objetivos c�nicos, o roteiro, totalmente ligado ao cotidiano dos artistas, facilitou o processo. “Tudo foi discutido de acordo com a vida deles. N�o gosto de me impor muito. Se colocasse coisas minhas na boca deles, soaria estranho. Ent�o, tudo � de acordo com a viv�ncia deles. Claro que tem o link dramat�rgico, uma curva dram�tica do roteiro, mas quase tudo ali � real”, explica o diretor.
Atualmente, Marins se divide entre Portugal e Minas Gerais. Ele conta que costuma passar mais tempo na regi�o onde Quer�ncia foi rodado do que em Belo Horizonte.
"Assim como conheci o meio urbano atrav�s da TV e do r�dio, da mesma forma o pessoal da cidade pode conhecer o meio rural atrav�s de um filme"
Marcelo Di Souza, protagonista de Quer�ncia
ORGULHO
Marcelo di Souza revela que nunca imaginou participar de um longa-metragem. Para ele, Quer�ncia � motivo de orgulho, sobretudo porque pode compartilhar sua vida com o mundo. “Esse filme � a minha vida. Qualquer pessoa que quiser me conhecer vai ver que � a pura realidade. Andar no campo, andar a cavalo, tirar leite, os rodeios, tudo isso est� na minha vida real. Tem um significado muito grande o Brasil inteiro e o mundo ver esta minha hist�ria”, diz Marcelo.
O protagonista de Quer�ncia conta que sua liga��o com o cinema, at� ent�o, se dava por meio de filmes “culturais, da vida real” ou de “bangue-bangues e faroestes com cavalo e caub�i”.

Helv�cio Marins mostra a vida rural sem glamour. H� um epis�dio central de viol�ncia, mas tamb�m trabalho, amizade, poesia, sonhos, fam�lia e solid�o. Marcelo Di Souza aprova esse olhar. “� muito importante para o pessoal da cidade conhecer o meio rural. Quantas pessoas nasceram na cidade grande e n�o conhecem? Assistindo, podem at� pensar que � fic��o, mas tudo � vida real mesmo. � bom as pessoas do meio urbano valorizarem mais o meio rural, t�o importante para o pa�s”, diz.
“Tenho prazer imenso em ser um agricultor, um pecuarista, um trabalhador rural. Assim como conheci o meio urbano atrav�s da TV e do r�dio, da mesma forma o pessoal da cidade pode conhecer o meio rural atrav�s de um filme”, argumenta.
"Tudo foi discutido de acordo com a vida deles. N�o gosto de me impor muito. Se colocasse coisas minhas na boca deles, soaria estranho"
Helv�cio Marins Jr., cineasta
PRECONCEITO
Marins concorda. “Hoje em dia, muita gente que antes n�o tinha voz, muitos grupos pelos quais tenho enorme carinho e quero que tenham ainda mais voz, s�o temas da realidade brasileira. A popula��o preta, que sofre enorme preconceito com o racismo estrutural, e tamb�m os LGBTs e os ind�genas, t�m voz. Mas as pessoas que s�o a base da pir�mide no campo, nisso pouca gente fala”, adverte o cineasta.
“No campo, s� quem tem voz s�o os grandes fazendeiros, a bancada ruralista. Ent�o, me interessa muito dar voz a essa popula��o. Al�m de que, gosto muito daquilo, tenho at� vaca e �gua com o Kaik e com o Marcelo, � uma coisa que est� na veia, � um 'encarno'.”, comenta Marins.
Quer�ncia foi exibido no New Horizonts Festival, na Pol�nia, Festival de Cinema Latino-americano de Toulouse, na Fran�a, IndieLisboa, em Portugal, e no Festival Internacional de Cinema Jeonju, na Coreia do Sul, onganhou o trof�u de Melhor filme.