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Estado de Minas LITERATURA

"Pol�tica � inven��o", defende o escritor e cr�tico Silviano Santiago

Autor mineiro lan�a dois livros em sua estreia no mundo das lives e ressalta que brasileiro tem a obriga��o de inventar uma linguagem para defender a democracia


17/02/2021 16:03 - atualizado 21/03/2023 01:09

escritor silviano santiago
Aos 84 anos, Silviano Santiago diz que, para ele, confinamento � desejo e necessidade (foto: F�BIO SEIXO/DIVULGA��O)
Era uma vez um menino que descobriu o mundo por meio dos gibis. Era uma vez um homem que, obrigado a se confinar, dedicou-se a escrever um livro sobre o ato de escrever. Menino e homem se encontram esta semana. Um momento feliz, apesar das adversidades destes tempos, na trajet�ria do escritor, ensa�sta e cr�tico liter�rio mineiro Silviano Santiago. Aos 84 anos, tr�s dias depois tomar a primeira dose da vacina contra a COVID-19, ele estreia em lives. Que v�m em formato duplo.

Nesta quinta-feira (18/2), Santiago promove uma live-aula sobre Graciliano Ramos e Machado de Assis, temas de “Fisiologia da composi��o” (Cepe Editora), escrito ao longo de 2020. Na sexta (19/2), ele fala sobre o rec�m-lan�ado “Menino sem passado” (Companhia das Letras), o primeiro dos tr�s volumes de suas mem�rias. Os dois encontros virtuais ter�o media��o do editor e cr�tico liter�rio Schneider Carpeggiani.

Nascido em Formiga, no Centro-Oeste de Minas Gerais, Santiago tomou emprestado o t�tulo de um poema de Murilo Mendes para dar conta de seus primeiros 12 anos. “Menino sem passado (1936-1948)” acompanha as marcas que a inf�ncia e a fam�lia deixam em todos n�s a partir da trajet�ria de um garoto que perdeu a m�e com 1 ano e meio, teve rela��o conturbada com o pai e descobriu, ainda bem jovem, o cinema e as hist�rias em quadrinhos.

O projeto memorial�stico vem sendo preparado por Santiago nos �ltimos anos. O pr�ximo volume, sobre a vida em Belo Horizonte, onde viveu at� 1960, quando radicou-se no Rio de Janeiro, j� deveria ter sido iniciado. Pequenos problemas de sa�de adiaram o come�o do volume, que dar� sequ�ncia ao terceiro livro, sobre as viagens do autor ao exterior.

J� “Fisiologia da composi��o”, escrito “por necessidade e desejo”, coloca o confinamento, a solid�o e a priva��o da liberdade decorrentes da pandemia sob o ponto de vista da literatura de Machado de Assis e Graciliano Ramos.

“Aos 84 anos, n�o se vive impunemente. Ou voc� passa pelo confession�rio ou pelo consult�rio. Por sorte, passei pelo consult�rio”, afirma Silviano Santiago nesta entrevista ao Estado de Minas.


N�o houvesse a pandemia n�o haveria “Fisiologia da composi��o”?
Acho que sim. O livro � consequ�ncia, obviamente, de alguma coisa a que estou acostumado: o confinamento pelo amor � literatura e o desejo de ser escritor e ser leitor. Por ter 84 anos e ser do grupo de risco, o confinamento tornou-se obrigat�rio para mim. O curioso � que o livro � uma mistura pouco comum: desejo com necessidade. Em geral, funciona apenas o desejo ou, ainda de maneira mais forte, a necessidade. O livro traz essa mistura tamb�m para preservar minha sanidade mental, com um trabalho que me agrada. Em geral, meus ensaios s�o mais curtos. Como neste tinha tempo de sobra, pude fazer um livro bastante reflexivo.

"O livro ('Fisiologia da composi��o') � consequ�ncia de alguma coisa a que estou acostumado: o confinamento pelo amor � literatura"



Compor � diferente de escrever?
Completamente. Composi��o � um voc�bulo muito mais amplo do que o mero h�bito de escrever. Acredito que a composi��o � um tema pouco trabalhado pela cr�tica brasileira. Para estudar composi��o, voc� precisa ficar na entrada do t�nel da cria��o. Para fazer an�lise, voc� fica ao final do t�nel da cria��o. (No livro) Pe�o ao leitor para ficar na entrada, ver como uma obra � composta. Nesse sentido, o livro escapa da cr�tica liter�ria tradicional, que em geral analisa a obra escrita, n�o se interessa pela composi��o. � um livro que julgo mais interessante para aqueles que queiram fazer literatura, pois n�o � sobre o prazer da leitura, mas sobre o modo como uma obra de arte � composta. A� entra o tema que foi capital na pandemia: a quest�o da liberdade.

De que maneira essa composi��o ocorre?
Falando sobre o Guignard, por exemplo. Se no lugar de analisar as obras dele voc� ficasse frequentando o ateli� dele, observando como ele compunha um quadro. Machado de Assis � um autor que no meio de “Mem�rias p�stumas de Br�s Cubas” escreveu o cap�tulo “O sen�o do livro”. Como, se h� um sen�o, ele n�o o deixou de escrever. Ent�o, reflito sobre o que poderia ser o sen�o.

Outro escritor analisado em seu livro, Graciliano Ramos escreve que liberdade completa ningu�m desfruta, que o ser humano pode se mexer dentro de limites. 
Qualquer forma de arte tem limita��es formais. No nosso caso (da literatura), voc� n�o pode escrever qualquer palavra, ou ent�o ningu�m vai entender. Ent�o h� essa repress�o violenta do dicion�rio de um lado, e do outro a gram�tica. Graciliano tem isso de forma muito consciente: a forma, para ele, � uma pris�o. Por isso estou conversando sobre quem quer ser escritor, pois n�o acredito que com a folha de papel na frente voc� pode fazer o que quiser. A chamada forma – que, obviamente, a cr�tica sociol�gica tende a minimizar, querendo analisar apenas a mat�ria – tem um lado importante no livro. Se voc� � apenas um leitor, n�o precisa saber que tem que ter personagem, narrador. Mas se quer ser escritor, essas figuras de ret�rica s�o importantes. Se voc� escolhe escrever em primeira pessoa, o narrador e o personagem s�o iguais. Se escolhe na terceira, tem um narrador e um personagem. Ou seja, tudo isso vai te aprisionando e voc�, dentro da forma pris�o, tem que inventar a sua liberdade.

As atividades do cr�tico liter�rio e do escritor “brigam” de vez em quando?
O escritor tem a maneira de simplificar e acredita que o importante � s� a vida vivida. Acho que desde o in�cio, por ter perdido a m�e com 1 ano e meio e ter me dedicado aos gibis, me dei conta de que a vida vivida n�o � suficiente. Voc� vai construindo cada dia sem saber como andar no dia seguinte. Existe outra coisa, que � muito importante e n�o deve ser desprezada, que � a vida aprendida que algu�m – um escritor, um artista – te d� de presente. N�o existe grande escritor sem uma vida aprendida, s� que isso passa a ser tamb�m uma forma de pris�o. Uma coisa fascinante e ao mesmo tempo terr�vel � a tradi��o. Voc� tem que vencer a for�a da tradi��o para inventar algo muito pr�prio. A tradi��o e a inven��o trabalham juntas em um processo de grande solid�o. Pois a partir de determinado momento, voc� est� sozinho consigo mesmo.

"Desde o in�cio, por ter perdido a m�e com 1 ano e meio e ter me dedicado aos gibis, me dei conta de que a vida vivida n�o � suficiente"



Na sua opini�o, como anda a produ��o liter�ria no Brasil?
Pessoalmente, acredito que momentos pol�ticos muito desastrosos como o atual s�o p�ssimos para a literatura porque obrigam voc� a recorrer a frases feitas, slogans. A contund�ncia n�o traz ambiguidade de significados, ent�o n�o acho que estamos em um momento muito feliz para a literatura. E a� entramos em outra quest�o complicada. Pol�tica, para mim, e se estou falando de democracia, � inven��o. O brasileiro tem a obriga��o, neste momento, de inventar uma linguagem para poder argumentar a favor da democracia. Se ele ficar usando a linguagem como mero reflexo da linguagem do dominante, fica uma troca de slogans. E literatura n�o se faz com lugares comuns.

"Momentos pol�ticos muito desastrosos como o atual s�o p�ssimos para a literatura, porque obrigam voc� a recorrer a frases feitas, slogans"



De que maneira a literatura foi afetada pela literatura?
� uma coisa bem interessante num pa�s como o Brasil, em que desde o in�cio temos insistido na palavra solid�o. O Brasil tende a ser soci�vel e greg�rio, ent�o essa solid�o que existe de maneira natural nas pessoas introvertidas se tornou uma necessidade para o cidad�o comum. Se voc� perceber, as pessoas est�o lendo mais, inclusive mais livros. Por mais paradoxal que possa parecer, o h�bito da leitura surge da pandemia e, no caso do Brasil, num pa�s que n�o tem esse h�bito. Isso est� sendo bastante positivo. Grandes cl�ssicos, em geral catataus, est�o sendo muito lidos. � uma pena que seja por obriga��o. Preferia que fosse por desejo.


capa do livro fisiologia da composição
"FISIOLOGIA DA COMPOSI��O"
. De Silviano Santiago
. Cepe Editora
. 235 p�ginas
. R$ 60 (livro) e R$ 18 (e-book)


capa do livro menino sem passado
"MENINO SEM PASSADO"
. De Silviano Santiago
. Companhia das Letras
. 464 p�ginas
. R$ 89,90 (livro) e R$ 39,90 (e-book)
. Live de lan�amento na sexta-feira (19/2), �s 19h30, em youtube.com/companhiadasletras


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