
Ap�s d�cadas de viagens, pesquisas, olhos e ouvidos atentos, o casal de escritores mineiros Willian Vale e Gl�ucia Vale lan�a o livro “A M�e do Ouro” (editora Giostri), certo de que joga luz sobre o passado para chegar ao presente no tom certo da emo��o.
A hist�ria come�a no s�culo 18 e chega ao 21 tendo a minera��o de ouro como fio condutor, sem perder o sabor da fantasia, como nas apari��es da lend�ria M�e do Ouro, que se confunde, muitas vezes, com a natureza. Nesse cen�rio, est� presente a for�a que moldou o ser mineiro.
"Somos resultante de intera��es e misturas de muitos povos que aqui chegaram ao longo do tempo, forjando um rico e diversificado caldeir�o de diferentes relatos, mitos e lendas. Dois desses povos foram decisivos para definir o pluralismo de nossa personalidade: os portugueses e as etnias africanas. Cada qual trouxe consigo sua cultura, seus costumes e cren�as e uma maneira diferenciada de enxergar o mundo e a vida", explica Gl�ucia.
"Somos resultante de intera��es e misturas de muitos povos que aqui chegaram ao longo do tempo, forjando um rico e diversificado caldeir�o de diferentes relatos, mitos e lendas. Dois desses povos foram decisivos para definir o pluralismo de nossa personalidade: os portugueses e as etnias africanas. Cada qual trouxe consigo sua cultura, seus costumes e cren�as e uma maneira diferenciada de enxergar o mundo e a vida", explica Gl�ucia.
No romance, dois personagens principais, seus descendentes e obras, conduzem a trama, com diferentes janelas de percep��es do mundo.
Com a palavra, Willian: "De um lado, dentro de uma tradi��o de oralidade e magia, est� o her�i africano Kehinde, que no s�culo 18 trabalhava como aprendiz em uma oficina de metalurgia na cidade de Oyo, sede do imp�rio dos iorub�s, na �frica. Capturado, rebatizado como Benedito, � trazido como escravo para a regi�o das minas de ouro. Do outro, como herdeiro da uma hist�ria parcialmente escrita e que se prop�e objetiva, o fidalgo portugu�s Louren�o, foragido da repress�o pombalina, que aporta numa cidade da Bahia, antes de se dirigir ao sert�o. Aos dois personagens v�o se associando muitos outros".
J� no s�culo 19, h� um contraponto entre Pedro, o escravo que compra a alforria para virar oper�rio, e Eduardo, um idealista engenheiro de minas, enquanto no s�culo 20 surge Ign�cio, que, provocado pela M�e do Ouro, vai buscar suas origens, ao mesmo tempo em que se dedica � pesquisa de um tesouro perdido. N�o ser� surpresa – e aqui n�o h� spoiler – se o leitor, frase a frase, for vislumbrando as amea�as que transformaram, no s�culo 21, empreendimentos miner�rios das Gerais em trag�dias socioambientais que ainda assombram o mundo.
M�ltiplas formas
Para os autores, Minas � uma terra ainda hoje povoada por seres m�gicos. "Invocamos em nosso livro a M�e do Ouro, um ser m�gico que se revela com ubiquidade, aqui e ali ao longo de toda a narrativa, assumindo diferentes formas, inclusive a de uma serpente ou de uma dama revestida de terra e ouro, capaz de recorrer a diferentes estratagemas para garantir a integridade dos seus territ�rios, com seus tesouros e mist�rios,localizados sobretudo em extratos mais profundos. Nesse caso, o ouro representa poderoso arqu�tipo ancestral, encontrado em diferentes culturas e lugares do mundo", destaca Gl�ucia.
As p�ginas fazem o leitor viajar por tempos, espa�os, e certamente ao fim do livro bater� uma vontade louca de (re)visitar o Santu�rio do Cara�a, em Catas Altas, na Regi�o Central de Minas, onde se passa grande parte da hist�ria. Aqui vai a dica: o Cara�a est� aberto, embora funcionando com agendamento para hospedagem, dentro das normas sanit�rias impostas pela pandemia do novo coronav�rus.
Os caminhos do ouro escritos a quatro m�os
Os autores escreveram sobre lugares que lhes s�o familiares. No Brasil, conhecem todos; no exterior, boa parte: na �frica e em Portugal, estiveram em fun��o de trabalhos. Quando come�aram a escrever o romance, revelam, fizeram quest�o de fazer ou refazer alguns dos percursos narrados no livro, visitando e explorando antigas minas de ouro. Percorreram alguns dos trajetos dos personagens, saindo de Ouro Preto, antiga Vila Rica, em dire��o a Diamantina e ao Rio Jequitinhonha. No Cara�a, que dizem adorar, trilharam muitos caminhos, assim como os existentes em dire��o � Cachoeira das Andorinhas, em Ouro Preto.
Declarando-se mineiros ancorados em profundas ra�zes locais, que viveram metade da vida adulta fora de Minas, Willian e Gl�ucia fazem uma descri��o detalhada das origens dos mineiros e mineiras. E ela permeia os pensamentos de Ign�cio, o velho engenheiro de minas. “Mineiro fora primeiramente o mameluco paulista e o amer�ndio carij� que faiscaram nos veeiros da vertente oriental da Serra do Espinha�o, ao redor de Vila Rica e Mariana, onde eram mais generalizadas, mais 'gerais' as minas.”
“Mineiro fora o portugu�s minhoto, o dono da lavra, mineiro o propriet�rio da mina de ouro, mineiro aquele que dominava o of�cio de minerar, o faiscador e o garimpeiro. Mineiro o negro da mina, os escravos, que n�o foram chamados de mineiros. Mineiro aquele que, exauridos os aluvi�es, buscara o ouro no milho, no caf�, no leite e no gado das v�rzeas e cerrados (...) Mineiro � o brasileiro acoitado, misturado e parido no Brasil profundo. Mineiro seus filhos e netos que cresceram e constru�ram a terra das Minas para o bem e para o mal.”
Para Willian e Gl�ucia, escrever uma obra de fic��o a quatro m�os n�o foi um bicho de sete cabe�as. Os dois tinham alguma experi�ncia de escrever, juntos, textos e artigos de interesse cient�fico. "Temos tamb�m muitas obras solo publicadas, inclusive um �ltimo livro de poesia, “Cantos da terra”, reunindo alguns poemas premiados. Mas quando decidimos entrar juntos na aventura liter�ria foi muito mais desafiador. Por vezes, as dificuldades pareciam intranspon�veis, cada qual puxando para um lado. Ent�o, a gente parava, discutia, chegava mesmo a brigar, mas depois passava e retornava o curso, em uma via que nos parecia bem melhor", conta Gl�ucia.

Tr�s perguntas para...
Gl�ucia e Willian Vale
escritores
1 - Como surgiu a ideia de escrever o livro? Foram muitos anos de pesquisa?
Willian – H� muito, acalent�vamos a ideia de escrever sobre Minas Gerais. Finalmente, h� cerca de uns cinco anos, quando decidimos iniciar nossa obra ficcional, juntamos todo esse material, composto por muitas anota��es pessoais, muitos livros – antigos e novos –, artigos e teses de doutorado, mapas antigos, pinturas e gravuras da �poca e come�amos a escrever um romance, em que eventos hist�ricos s�o livremente tratados, se misturando � fic��o. Ao mesmo tempo, � medida que a narrativa evolu�a, procuramos revisitar e explorar alguns dos lugares que est�vamos mencionando.
2 - A hist�ria da fam�lia T�vora, de Portugal, est� muito presente no livro. Para voc�s, autores, o irm�o Louren�o, iniciador da obra do atual Santu�rio do Cara�a, era realmente Louren�o T�vora? Existe algum documento fazendo essa conex�o?
Gl�ucia – A origem do irm�o Louren�o permanece uma inc�gnita. Alguns documentos, bem mais recentes, do acervo da biblioteca do Cara�a, acalentam a hip�tese que ele teria sido um dos descendentes da fam�lia dos T�voras que conseguira escapar do furor do Marqu�s de Pombal. Mas s�o apenas especula��es, entre outras tantas, nenhuma delas explorada, tanto quanto a gente saiba, de maneira mais exaustiva ou conclusiva.
3 - Quem �, afinal, a M�e do Ouro?
Gl�ucia – Em Minas Gerais, no cora��o do Brasil, nas regi�es de explora��o do min�rio, m�e do ouro foi um ser ao mesmo tempo temido e respeitado por nossos ancestrais; e agora praticamente desconhecido. No mundo contempor�neo, entendemos que ela pode certamente ser associada � no��o de um ser protetor da natureza e de seu equil�brio. De certa maneira, como comentado por um dos leitores do livro, a obra seria um libelo contra a depreda��o da natureza e a explora��o do homem pelo homem, ontem e hoje em graus abusivos.

“A m�e do ouro”
(Editora Giostri) Autores: Gl�ucia Vale e Willian Vale
214 p�ginas
R$ 62
Onde encontrar: giostrieditora.com.br;
em Belo Horizonte:
