
Foi assim que a crian�a que ele era entendeu o sobrenome que iria se tornar quase um substantivo do modernismo, sobretudo em Minas Gerais. Na sequ�ncia, Perdig�o ressalta o fato de Guignard ser tamb�m um dos maiores alvos de falsifica��es no pa�s.
Cento e vinte e cinco anos desde seu nascimento – completados nesta quinta-feira (25/2) – em Nova Friburgo, na serra fluminense, e 59 desde sua morte, em Belo Horizonte, Guignard segue como uma unanimidade (termo utilizado por Frederico Morais no texto “O humanismo l�rico de Guignard”) entre os mestres modernistas, e sendo considerado o autor de obra mais comovente, tamb�m citando o cr�tico mineiro.

ACESS�VEL
A despeito da import�ncia de sua obra e de seu legado como professor, Guignard n�o tinha, at� ent�o, uma biografia de car�ter jornal�stico. “O que existe de mais denso s�o livros de Frederico Morais (1974), que foram a base de tudo que veio depois, do Carlos Zilio (1983) e da L�lia Coelho Frota (1997). Mas todos s�o livros de artista, livr�es. O que procurei fazer foi um livro com uma linguagem mais acess�vel, para explicar para o leigo quem � Guignard”, comenta Perdig�o.A exemplo do que ocorreu com o autor na inf�ncia, n�o s�o poucos, principalmente entre aqueles que nasceram ou vivem em Minas, os que em algum momento da vida se depararam, surpreendidos, com Guignard.
“Bal�es, vida e tempo de Guignard”, que consumiu cinco anos de pesquisa de Perdig�o, ainda traz ricas colabora��es de pessoas que conviveram com o pintor. J� na folha de rosto est�o elencados os entrevistados, entre eles a colecionadora Priscila Freire, amiga de Guignard e propriet�ria de v�rios quadros do pintor – acervo doado para a Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), e suas ex-alunas Yara Tupynamb� e C�lia Laborne.
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Esta �ltima foi da primeira turma de alunos do curso livre de desenho e pintura na Escola de Belas Artes que ele criou, a convite de Juscelino Kubitschek, nos por�es de um Pal�cio das Artes em obras, em 1944.
“Tentei, mas n�o encontrei ningu�m que tenha convivido com ele no Rio de Janeiro. O que me deu alento para a pesquisa foi a Biblioteca Nacional, que traz muita coisa in�dita”, comenta o autor. A narrativa de Perdig�o segue os moldes de uma biografia tradicional, acompanhando seu personagem desde a inf�ncia at� a morte.

GLOSS�RIO
Mas o pesquisador n�o se at�m � figura de Guignard. Ele extrapola a trajet�ria individual, ligando o artista a seus pares e tamb�m aos movimentos da �poca. Complementando a leitura, h�, na parte inicial, um gloss�rio dos movimentos art�sticos citados na obra e, na final, outro gloss�rio que elenca 400 pessoas, com minibiografias de artistas, pol�ticos e demais personagens que aparecem na narrativa.N�o faltaram dramas nos 66 anos de vida de Guignard. O l�bio leporino nunca resolvido ap�s sucessivas cirurgias e que lhe deixou com uma maneira estranha no falar foi o primeiro deles, que o acompanhou por toda a sua trajet�ria. A morte do pai na inf�ncia; a perda da m�e e da irm�, na juventude; o abandono pela mulher durante a lua de mel; o excesso de �lcool; a falta de dinheiro, que o levou a pintar em troca de favores (casa e comida, na maioria das vezes).
Mas tamb�m por causa disso tudo, Guignard teve uma trajet�ria incomum. Foi educado na Europa do in�cio do s�culo 20, vivendo entre Munique e Paris. Retornou ao Brasil em 1929, indo direto para o Rio de Janeiro. “Sempre se fala que chegou com uma m�o na frente e outra atr�s. Mas ele tinha um bem, e ningu�m sabia do im�vel”, conta Perdig�o.
HERAN�A
No livro, o autor comenta que Guignard penhorou ao jornalista Paulo Bittencourt um sobrado de tr�s pavimentos na Rua do Lavradio, atual Lapa, �nica heran�a do pai. Pouco tempo depois, intimado na Justi�a a pagar o que devia, perdeu o im�vel. “O Bittencourt era dono do Correio da Manh�, um dos jornais que mais escreveram sobre ele”, assinala Perdig�o.Outro achado do autor sobre esse per�odo diz respeito � Mostra de Arte Social, organizada por An�bal Machado em setembro de 1935, no Centro de Cultura Moderna do Rio de Janeiro. A mostra coletiva de cunho socialista da qual Guignard participou estava localizada na Avenida Rio Branco.
Exatamente em frente ficava a Pro Arte, sociedade de interc�mbio cultural Brasil-Alemanha, na qual o artista tamb�m atuava. “Quando a exposi��o socialista aconteceu, a Pro Arte era acusada de ser um ninho de nazistas”, comenta Perdig�o. Guignard frequentava os dois espa�os.
FORA DO PADR�O
“Este momento pol�tico dos anos 1930 tem muito a ver com o momento de agora. O Guignard n�o tinha um lado pol�tico, era amigo de quem gostava do trabalho dele. Era um cara preocupado com a arte. N�o era uma pessoa normal, entre aspas. O fato de ele ter sido tutorado no fim da vida diz muito sobre a quest�o. Ele n�o era uma pessoa totalmente dentro do padr�o.” At� uma experi�ncia do artista com o LSD, j� em seus �ltimos anos, � levantada por Perdig�o em uma curiosidade apresentada em p� de p�gina.O lado artista gr�fico tamb�m � abordado pelo autor, que encontrou alguns desenhos in�ditos, publicados em revistas da �poca e “perdidos” no acervo da Biblioteca Nacional. Um dos destaques � o desenho “Carnaval na Pra�a Onze”, que saiu na edi��o de fevereiro/mar�o de 1941 da revista Sombra, publicada entre as d�cadas de 1940 e 1960. Logo depois desse desenho, a pra�a foi demolida para dar lugar � Avenida Presidente Vargas.
Em 1942, o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York comprou, por US$ 250, o quadro “Noite de s�o-jo�o”. A t�tulo de compara��o, seu “Vaso de flores” (1930) foi leiloado em 2015 por R$ 5,7 milh�es, fazendo com que Guignard fosse o criador da tela mais cara de um artista brasileiro vendida em leil�o no pa�s. Em 2020, o recorde foi superado quando “A caipirinha” (1923), de Tarsila do Amaral, foi arrematado por R$ 57,5 milh�es.
“Se no Rio dos anos 1940 ele era reconhecido como um grande pintor, quando chegou a Belo Horizonte era como se ele tivesse zerado. BH n�o tinha, naquele momento, uma cultura modernista”, diz Perdig�o. Vale dizer que Guignard foi o quarto nome levantado por JK, ent�o prefeito da capital mineira, para criar, em 1944, a Escola de Belas Artes – antes dele foram considerados C�ndido Portinari, Tom�s Santa Rosa e Jos� Pancetti.
A voca��o para o ensino � a principal marca de seus �ltimos 20 anos, passados entre Belo Horizonte e Ouro Preto. “Por ter muitas refer�ncias, Guignard flertou com v�rios tipos de fazeres da arte, transpondo muito o que seus contempor�neos fizeram. (Al�m da pintura), Fez fotocolagem, artes gr�ficas, capa de p�ster. E fundou a primeira escola de arte modernista do Brasil. Recebeu pens�o vital�cia do governo de Minas, foi como um monumento vivo, uma coisa sem precedente para a �poca”, observa Perdig�o.

“BAL�ES, VIDA E TEMPO DE GUIGNARD”
• Jo�o Perdig�o
• Aut�ntica (368 p�gs.)
• R$ 64,90 (livro) e R$ 45,90 (e-book)
Casa Guignard promove live
Em 11 de mar�o pr�ximo, �s 19h, Jo�o Perdig�o far� uma live de lan�amento da biografia. O encontro virtual ser� transmitido pelas redes sociais do Museu Casa Guignard, como parte das comemora��es de anivers�rio da institui��o, em Ouro Preto. O museu, localizado em edifica��o hist�rica do s�culo 19, re�ne 415 pe�as, com desenhos, cart�es, pinturas, objetos e documentos. Destacam-se o conjunto de 111 cart�es (1932 a 1937) do �lbum dedicado a Amalita Fontenele e 145 fotografias de Guignard em Ouro Preto, em registro no final de sua vida feito por Lu�s Alfredo Ferreira.