A Obra, na Savassi, promoveu lives, faz festas on-line com DJs e lan�ou vaquinha para bancar custos (foto: Fotos: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
"O dinheiro que arrecadamos pagou algumas d�vidas e deu tranquilidade, mas n�o esper�vamos que o pior estaria por vir agora. Est� todo mundo no limite"
Edmundo Corr�a, dono da Casa Cultural Matriz
“Empres�rios inauguram casa de shows em BH: Matriz abre as portas na pr�xima semana com proposta cultural democr�tica”. Assim anunciava a manchete de abril de 2000 que foi compartilhada, na semana passada, pela Casa Cultural Matriz em sua p�gina no Facebook. Por causa da pandemia, a celebra��o de mais um ano dedicado � arte independente teve que ser dessa forma, totalmente restrita ao ambiente virtual.
Fechado desde mar�o de 2020, o espa�o � um dos poucos da cena independente de BH que conseguem resistir � COVID-19. Pior: o momento � de incertezas ainda maiores para o setor, que teme o esgotamento das possibilidades de seguir em frente.
Localizada no t�rreo do Edif�cio JK, na Regi�o Centro-Sul de BH, Matriz encontrou no ambiente virtual uma forma de manter a conex�o com o p�blico e artistas, alimentando o sonho de um dia reabrir as portas novamente.
Mister Rock, no Prado, tenta se reinventar provisoriamente como bar
“Temos o apoio dos seguidores, do p�blico e do setor cultural. O pessoal respeita a nossa hist�ria e quer ajudar a nos manter, pois fazemos parte da vida de cada um. Com trabalho, vimos que dava para buscar alternativas”, conta Edmundo Corr�a, fundador do espa�o, administrado por ele e a mulher, Andrea Diniz.
Em 13 meses de pandemia, o casal contou com recursos de uma campanha de financiamento coletivo, de verbas viabilizadas pela Lei Aldir Blanc e do Casa M�e, delivery de alimentos criado por Edmundo e Andr�a. Por�m, a apreens�o s� faz crescer.
“O dinheiro que arrecadamos pagou algumas d�vidas e deu tranquilidade, mas n�o esper�vamos que o pior estaria por vir agora. Est� todo mundo no limite, n�o h� mais caixa e o delivery n�o paga a totalidade dos custos, que incluem condom�nio, IPTU e taxas da prefeitura”, explica Corr�a. As despesas da casa somam cerca de R$ 4 mil mensais.
Matriz chegou a planejar festival virtual em 2020 para celebrar seus 20 anos. Mas ele foi adiado, em acordo com o p�blico, para um momento mais seguro. “N�o vamos fazer outra vaquinha. Muita gente quer ajudar, mas vemos um cen�rio em que ainda vamos passar muita coisa ruim e triste, principalmente por causa do governo. N�o vemos perspectivas. N�o � poss�vel pensar em reabrir agora”, diz Edmundo Corr�a.
O empres�rio destaca a import�ncia da Lei Aldir Blanc, garantindo que medidas semelhantes poderiam manter espa�os culturais durante este per�odo de compasso de espera. “Os locais v�m reabrindo em v�rias partes do mundo, enquanto estamos fechando. Para quem tem casa de shows, n�o d� para arriscar, pegar empr�stimos e se endividar. Isso cria uma situa��o ainda pior, que impedir� o funcionamento quando for poss�vel. Abrir custa caro, equipamentos de som muitas vezes s�o em d�lar. Quem sair de cena dificilmente voltar� e a Matriz corre esse risco. Se (a pandemia) continuar por mais sete, oito meses, isso implica em vender equipamentos”, prev� Corr�a.
Jack Rock, no Funcion�rios, apostou nas lives, que agora deixam de ser alternativa
VACINA
O momento � de preocupa��o redobrada para os donos d’A Obra, reduto do rock alternativo de BH – desde 1997, palco de bandas locais, nacionais e at� internacionais. “Estamos muito tristes. Se fossemos um pa�s que tivesse um combate eficiente (� pandemia) desde o in�cio, com isolamento social de verdade e busca planejada por vacinas, j� poder�amos pensar em reabrir de alguma forma. Mas hoje n�o h� perspectiva. Estamos fechados h� mais de um ano, sem rendimentos”, revela Marcelo Crocco, um dos s�cios-propriet�rios da casa, point cultural da Savassi.
Acostumada a receber duas apresenta��es por semana de bandas independentes antes da pandemia, restaram � Obra os eventos virtuais. O espa�o abrigou shows sem p�blico transmitidos pela internet e promove festas on-line com DJs.
“Gra�as � Lei Aldir Blanc, pudemos melhorar nossas condi��es de trabalho para a transmiss�o de lives. Continuamos com essa programa��o pela internet, tivemos uma vaquinha com a colabora��o do p�blico. Fazemos de tudo para manter A Obra viva, para que n�o nos esque�amos de como era a vida antes da pandemia. Mas s� vamos reabrir quando as pessoas puderem se divertir em seguran�a, vacinadas”, diz Crocco.
Enquanto isso, as dificuldades se acumulam. “A d�vida s� vai aumentando. As ajudas deram al�vio, mas temos despesas todos os meses. Fizemos previs�o para aguentar at� agora, mas j� entramos numa zona totalmente imprevis�vel”, relata o s�cio d'A Obra. A ajuda da Lei Aldir Blanc, segundo ele, limitou-se a tr�s meses, enquanto as lives de m�sica independente se esvaziaram ao longo do tempo.
“Vamos fazer de tudo para resistir at� onde conseguirmos. De algum jeito, voltaremos. Mas a preocupa��o maior n�o � com a gente, � com o Brasil, com o povo, com os trabalhadores. N�o haver� consumo se a popula��o n�o estiver bem quando isso passar. Era a hora de o Estado atuar, assim as pessoas n�o morreriam nem de COVID nem de fome”, afirma Marcelo.
Matriz, no Edif�cio JK, lan�ou financiamento coletivo
e criou at� delivery de comida
"Fizemos previs�o para aguentar at� agora, mas j� entramos numa zona totalmente imprevis�vel"
Marcelo Crocco, s�cio d'A Obra
SA�DA
Outras casas tiveram de se reinventar. O Mister Rock, no Prado, Regi�o Oeste de BH, recebia pelo menos tr�s eventos musicais por semana. Ap�s seis meses de portas fechadas em 2020 e de abrigar algumas lives, a sa�da foi reabrir provisoriamente como bar com m�sica ao vivo. Por�m, o futuro � incerto com o agravamento da pandemia.
Luc�lio Silva, s�cio-propriet�rio do Mister Rock, comenta que a dificuldade � enorme tanto para espa�os culturais quanto para profissionais que dependem deles para trabalhar. “Tem muita gente em situa��o pior. � uma sorte poder operar como bar, e agora estamos investindo no neg�cio de camisetas, pois tenho p�blico desse nicho. Infelizmente, parece que vamos ficar nesse abre e fecha”, lamenta.
O licenciamento para operar como bar, seguindo protocolos e com gradil entre as mesas, deu al�vio ao Mister Rock, mas Silva n�o v� solu��o a curto prazo. “A vacina anda a passos lentos e, para piorar, somos vistos como vil�es. Claro que � invi�vel pensar em funcionar neste momento de UTIs lotadas. Queremos funcionar no verde, quando o com�rcio em geral for liberado. E tamb�m como bar, pois do jeito como trabalhamos, com seguran�a, a contamina��o � bem menor do que em outros setores”, defende.
O dono do Mister Rock n�o espera apoio financeiro do governo. Deseja apenas que a casa seja autorizada a funcionar quando os �ndices sanit�rios forem favor�veis. “O setor de eventos foi o mais discriminado por governantes na pandemia. A maioria das pessoas que conhe�o quebraram. N�o h� mais emprego e nada foi feito pelo setor. A Lei Aldir Blanc n�o resolveu”, afirma Silva.
Apesar das dificuldades, a casa, com capacidade para 1 mil pessoas, tem agenda de shows para o futuro. Um deles � o da banda Shaman, adiado para 11 de dezembro de 2021. Luc�lio, por�m, lembra que remarca��es viraram rotina na pandemia.
Destinos conhecidos na noite belo-horizontina h� 18 anos, Jack Rock Bar e Lord Pub, pertencentes ao Circuito do Rock, convivem com a incerteza. “Passamos por crises anteriormente, que revertemos com trabalho. Mas um problema como esse, de ruptura total no faturamento e sem saber quando vai terminar, foi in�dito. N�o h� como fazer planejamento”, comenta Gustavo Jacob, s�cio-propriet�rio das duas casas.
LIVES
Durante a pandemia, a aposta foi na realiza��o de lives. “Tocamos um projeto com o objetivo de levar um pouco do Jack e do Lord para nosso p�blico e contemplar as bandas, o pessoal da graxa (t�cnicos) e nossa retaguarda com um esquema de arrecada��o”, conta. Segundo Jacob, a audi�ncia chegou a 40 mil pessoas, mas o formato perdeu o apelo. Hoje, n�o � mais alternativa.
“Nossa ideia � voltar quando pudermos como casa de shows, mesmo com limita��es de p�blico e seguindo protocolos de seguran�a”, prev� Jacob. “Estamos segurando as pontas, torcendo para que o n�mero de casos caia e a vacina chegue logo, mas o setor de entretenimento ficou meio esquecido pelo governo. Tivemos de renegociar todas as d�vidas, como muitos setores, mas muita gente p�de voltar a funcionar por um momento durante as flexibiliza��es. A gente, n�o”, lamenta.
PROGRAMA DE EMERG�NCIA
Na quarta-feira (7/4), a C�mara dos Deputados aprovou o projeto que cria o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A proposta contempla hot�is, cinemas, casas noturnas, de shows e espet�culos, parques tem�ticos, de divers�o e aqu�ticos, buf�s, empresas que realizam ou comercializam congressos, feiras, festas, shows e festivais. Uma das principais medidas � o parcelamento de d�vidas tribut�rias, n�o tribut�rias e do FGTS. O desconto vai at� 70% do total devido e o prazo para quitar a d�vida chega a 145 meses, com exce��o de d�bitos previdenci�rios (60 meses). Estima-se que a medida gere impacto de R$ 4 bilh�es nas contas do governo federal.