Popularizado nos debates sociais nos �ltimos anos, o conceito de “lugar de fala” foi aplicado na pr�tica pela TV Globo com as produ��es “Falas negras” e “Falas femininas”, exibidas em novembro de 2020 e em mar�o deste ano, respectivamente.
Depois de dar voz a personalidades negras e a mulheres, com depoimentos que visavam a ampliar a diversidade de pontos de vista no debate a respeito de temas relacionados � representatividade desses grupos, a emissora lan�a nesta segunda-feira (19/4) “Falas da Terra”.
O novo especial ter� a participa��o de lideran�as, ativistas, intelectuais e outros representantes da cultura ind�gena, com o objetivo de ressaltar a riqueza cultural dos v�rios povos origin�rios do Brasil.
A estreia no dia 19 de abril, tradicionalmente marcado como o “Dia do �ndio”, procura romper constru��es estereotipadas em torno da data. Para isso, foi essencial a participa��o de Ailton Krenak, l�der do Movimento Socioambiental de Defesa dos Direitos Ind�genas, escritor e organizador da Alian�a dos Povos da Floresta.
Al�m de participar dando seu testemunho e compartilhando seus conhecimentos sobre o tema, Krenak foi um dos consultores da produ��o e participou da escolha dos outros nomes entrevistados.
Ele explica que o objetivo � construir uma narrativa edificante, especialmente sobre o presente da popula��o ind�gena no Brasil. “Evitamos toda caricatura, considerando, inclusive, que somos mais de 300 etnias no Brasil e no programa estar�o representadas apenas 20, aproximadamente. � uma produ��o respeitosa, que mostra aquilo que � afirmativo dos povos do aqui e agora”, diz ele.
Segundo o autor de “Ideias para adiar o fim do mundo”, o p�blico ver� ind�genas “em diferentes lugares da sociedade”. “Refutamos a ideia de que ‘lugar de �ndio � no mato’, ou que n�o temos inser��o na sociedade brasileira. Ser� uma surpresa interessante para muita gente. Maior do que aquela que teve quem falou que encontrou um povo bonito e nu na praia. Mais de 500 anos depois, agora � outra surpresa”, afirma Krenak.
''Refutamos a ideia de que 'lugar de �ndio � no mato', ou que n�o temos inser��o na sociedade brasileira. Ser� uma surpresa interessante para muita gente. Maior do que aquela que teve quem falou que encontrou um povo bonito e nu na praia. Mais de 500 anos depois, agora � outra surpresa''
Ailton Krenak, l�der ind�gena e escritor
VIRADA
Nascido em Minas Gerais, na regi�o do M�dio Rio Doce, Krenak, que tamb�m � fil�sofo e ambientalista, refor�a a import�ncia de ressignificar o 19 de abril. “Assim como os movimentos negros questionam o 13 de maio (Dia da Aboli��o da Escravatura) e o 20 de novembro (Dia da Consci�ncia Negra) os povos ind�genas questionam o m�s de abril, que sempre foi de combate, de luta contra a invas�o e destrui��o das florestas”, aponta.Nesse sentido, ele considera que “esse programa, em 19 de abril, � uma virada antol�gica. Quando convocamos as pessoas a pensar no que elas n�o est�o acostumadas, temos a oportunidade de mover essa pedra”.
Apesar de oferecer pontos de vista que podem ser novos para muitas pessoas, Krenak lembra que a grande m�dia j� abriu espa�o para a cultura ind�gena outras vezes anteriormente e celebra a possibilidade de uma alcance ainda mais amplo com o “Falas da terra”.
“Os povos ind�genas sempre estiveram na tela. H� tempos est�vamos lutando para demarcar a terra, agora estamos demarcado a tela. S�o muitas produ��es de realizadores ind�genas hoje em muitas plataformas e fico feliz que o grande p�blico, da novela e do ‘BBB’, possa ver esse programa, que convida as pessoas a pensar sobre o lugar onde elas pisam”, afirma. O especial ir� ao ar logo ap�s o “Big brother Brasil”.
PANDEMIA
Exibido no contexto da pandemia do novo coronav�rus e numa fase em que ela est� fora do controle e mais letal no Brasil, o programa prop�e uma reflex�o sobre a forma como o ser humano vem se relacionando com o meio ambiente, ao longo dos s�culos.“Tem tudo a ver pensar no que n�s, como cultura, temos a compartilhar com os outros sobre a maneira de pisarmos na Terra. Apesar de todos os conflitos, da nega��o da import�ncia disso, h� um reconhecimento que os povos origin�rios vivem em maior equil�brio com a vida no planeta”, analisa Krenak.
Ele cita como exemplo o livro “A queda do c�u: Palavras de um xam� yanomami”. Escrito por Davi Kopenawa Yanomami, que � um dos convidados do “Falas da terra”, em parceria com Bruce Albert, o livro publicado em 2015 pela Cia. das Letras fez sucesso tamb�m fora do Brasil.
“O pensamento ind�gena tem furado a muralha da ignor�ncia e alcan�ado outras praias. N�o s�o os povos ind�genas apenas que t�m a compartilhar com o resto do mundo. Todos n�s temos que aprender uns com os outros”, afirma Krenak.
Ele faz tamb�m um alerta: “Vivemos a realidade do antropoceno, e a Terra n�o faz distin��o sobre quem incidir�o as cat�strofes ambientais das pr�ximas d�cadas. Vamos ser todos atingidos por temperaturas elevad�ssimas. Como diz o velho prov�rbio, o sol � para todos. Vai torrar todos n�s, sem distin��o”.
Na opini�o do ativista, se paradigmas n�o forem mudados, n�o haver� revers�o desse cen�rio. “Quem sabe esse encontro, em 19 de abril, mude o paradigma sobre a M�e Terra. Ela � nossa m�e, n�o � um zool�gico ou um parque de divers�o. Se n�o mudarmos, n�o seremos mais tolerados aqui. Se n�o mudarmos a ideia que o ser humano � o rei de tudo, acabou. As outras esp�cies tamb�m t�m que viver em equil�brio. Se n�o aprendermos a pisar aqui, estaremos todos condenados.”
''Os povos ind�genas s�o a �ltima fronteira de resist�ncia em rela��o ao sistema de consumo em que vivemos. O capitalismo � um grande monstro, que vai comendo o que encontra � sua frente: pessoas, seres vivos, floresta, �gua''
Daniel Munduruku, educador e escritor
RESIST�NCIA
Outro participante do “Falas de terra” ser� Daniel Munduruku, escritor e vencedor do Pr�mio Jabuti e do Pr�mio de Literatura concedido pela Unesco. “Costumo dizer que os povos ind�genas s�o a �ltima fronteira de resist�ncia em rela��o ao sistema de consumo em que vivemos. O capitalismo � um grande monstro, que vai comendo o que encontra � sua frente: pessoas, seres vivos, floresta, �gua. Ele vai servindo isso tudo para alimentar sua v�nia, sua sede de mais riqueza e mais consumo”, afirma.Segundo o educador e escritor, os povos origin�rios ainda mant�m um equil�brio entre o mundo natural e o mundo humano. "Se o ser humano n�o for capaz de rever esse lugar de pertencimento na escala da natureza, ele vai acabar construindo sua pr�pria derrocada, e isso j� est� acontecendo efetivamente, h� muito tempo”, aponta.
Para Munduruku, “os povos ind�genas s�o guardi�es desse pertencimento, que tem a ver com o tipo de consumo da natureza que n�o � predat�rio, numa rela��o de pertencimento e parentesco. A natureza n�o � objeto, � preciso olhar para isso como conhecimento”.
Com uma premiada obra voltada para o p�blico infanto-juvenil, que inclui “Vozes ancestrais: dez contos ind�genas" (2016, Editora FTD), vencedor do Pr�mio Jabuti da categoria, em 2017, Munduruku diz acreditar que novas gera��es possam assimilar melhor essa ideia.
“Minha aposta ao escrever para crian�as e jovens � criar uma gera��o mais consciente, politicamente, ambientalmente, consciente da sua pr�pria humanidade. � minha utopia, minha esperan�a.”
Contudo, ele pondera: “Se n�o fizermos uma mudan�a na estrutura atual da sociedade, essas crian�as e jovens v�o crescer exatamente como estamos agora. Vai ser dif�cil respeitar o meio ambiente, cuidar da nossa m�e comum, que � a Terra, de uma forma diferente”.
A expectativa de Munduruku � que “novas gera��es consigam aprender com nossas falhas, com nossos defeitos, e consigam aprimorar a conviv�ncia no planeta. Mas, infelizmente, o sistema que vivemos, em que essas crian�as est�o inseridas, � ego�sta e nos ensina a pensar s� no futuro. Se n�o investirmos no que somos hoje, na nossa base social, essas crian�as v�o crescer assim. � preciso mudar hoje para que elas cres�am transformadas”.
“Falas da Terra”
Nesta segunda-feira (19/4), depois do “Big brother Brasil”, na Globo.
“A �ltima floresta” no � Tudo Verdade
Neste domingo (18/4), o longa “A �ltima floresta”, de Luiz Bolognesi, escrito em parceria com Davi Kopenawa Yanomami, estreia no festival � Tudo Verdade, com exibi��o gratuita na plataforma Looke, a partir das 19h. O filme mostra o cotidiano de um grupo Yanomami em um territ�rio ao Norte do Brasil e ao Sul da Venezuela, onde Davi Kopenawa Yanomami busca proteger as tradi��es de sua comunidade e cont�-las para o homem branco que, segundo ele, nunca os viu, nem os ouviu. Na segunda (19/4), �s 19h30, Bolognesi participa do bate-papo com Davi Kopenawa Yanomami, Ailton Krenak e Sonia Guajajara, com transmiss�o no Youtube do Instituto Socioambiental (ISA) e no Twitter do GreenpeaceBR.
MOSTRA IND�GENA
O Circuito Municipal de Cultura apresenta a Mostra Ind�gena,entre a pr�xima segunda-feira (19/4) e o s�bado (24/4). On-line e gratuito, o evento ter� exibi��es de filmes, exposi��es, sarau e um bate-papo com Ailton Krenak. A conversa ter� participa��o da artista, curadora e diretora teatral mineira Andreia Duarte, com quem Krenak desenvolveu o espet�culo “O sil�ncio do mundo” (2019). O bate-papo ir� ao ar na sexta (23/4), �s 20h, no YouTube da Funda��o Municipal de Cultura, no Facebook e no Instagram do Circuito.