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Estado de Minas ENCONTRO DE ESTRELAS

Bob Marley no Brasil: o dia em que o m�sico jamaicano jogou futebol com Chico Buarque e Moraes Moreira no Rio

Cantor jamaicano, morto h� 40 anos, passou pelo Rio para um evento da gravadora Ariola, mas n�o fez shows no pa�s.


11/05/2021 09:25 - atualizado 11/05/2021 09:51
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Na escala em Manaus, militares liberaram os passaportes dos músicos jamaicanos, mas não concederam vistos de trabalho
Na escala em Manaus, militares liberaram os passaportes dos m�sicos jamaicanos, mas n�o concederam vistos de trabalho (foto: Acervo Pessoal)

Bob Marley estava em est�dio gravando Uprising - aquele que viria a ser seu �ltimo �lbum lan�ado em vida — quando recebeu um convite para l� de irrecus�vel de Ram�n Segura, diretor geral da Ariola: participar da festa de lan�amento da gravadora alem� no Brasil.

Torcedor apaixonado da sele��o � �poca tricampe� do mundo, o cantor jamaicano, ent�o com 34 anos, nem pensou em recusar o convite. "Rivelino, Jairzinho, Pel�... A Jamaica gosta de futebol por causa do Brasil", explicaria, dias depois, j� em solo brasileiro.

Convite aceito, um dos maiores nomes do reggae de todos os tempos embarcou em Port of Spain, em Trinidad e Tobago, rumo ao pa�s do futebol. Marley n�o veio sozinho.

A bordo de um jato particular fretado pela Island Records, gravadora jamaicana fundada em 1959 que, hoje, pertence ao acervo da Universal Music, vieram, tamb�m, o guitarrista Junior Marvin, da banda The Wailers; o cantor Jacob Miller (1952-1980), do grupo Inner Circle; o executivo Chris Blackwell, fundador da Island Records, e sua mulher, a atriz e modelo Nathalie Delon (1941-2021).

E a comitiva seria ainda maior se o cantor e compositor Barry Manilow, tamb�m convidado para prestigiar o evento, n�o tivesse mudado de ideia na v�spera do embarque.

Segundo Marco Mazzola, o fundador da Ariola Discos no Brasil, o voo de Bob Marley teve duas escalas: uma em Manaus, outra em Bras�lia, ambas para reabastecimento.

Em Ouvindo Estrelas - A Luta, A Ousadia e a Gl�ria de Um dos Maiores Produtores Musicais do Brasil (2007), Mazzola conta que, em Manaus, os militares desconfiaram daquelas "figuras estranhas" e pediram explica��es sobre o motivo da viagem.

Depois de algum tempo, liberaram seus passaportes, mas, n�o concederam vistos de trabalho. "Isso nos causou muita frustra��o", admite Mazzola. "Tanto n�s quanto eles sonh�vamos com uma jam na festa de lan�amento".

Por volta das 18h30 de ter�a-feira, 18 de mar�o, a aeronave pousou no Rio de Janeiro. No sagu�o do aeroporto Santos Dumont, Bob Marley - vestindo uma boina de tric� chamada tam - falou da vontade de conhecer Gilberto Gil.

Em agosto de 1979, Gil lan�ou N�o Chore Mais, sua vers�o para No Woman, No Cry, um dos maiores hits do repert�rio do artista jamaicano. "O reggae tem a mesma raiz, o mesmo calor e o mesmo ritmo do samba", declarou aos rep�rteres. Do aeroporto, Marley e sua comitiva seguiram para o Copacabana Palace.

Torcedor de muitos clubes


Apaixonado por futebol, Bob Marley torcia pelo Boys Town na Jamaica e pelo Santos no Brasil
Apaixonado por futebol, Bob Marley torcia pelo Boys Town na Jamaica e pelo Santos no Brasil (foto: Acervo Bob Marley)

Fan�tico por futebol, Bob Marley n�o era torcedor de um clube s�. Na Jamaica, o menino que aprendeu a jogar bola nas ruas de Trenchtown, bairro pobre de Kingston, a capital do pa�s, torcia pelo Boys Town. Mas, na Inglaterra, seu "time do cora��o" era o Everton; na Esc�cia, era o Celtic e, no Brasil, o Santos.

Na quarta, dia 19, dia seguinte � chegada no Rio, o rei do reggae ganhou de presente de Pel�, o rei do futebol, uma camisa 10 do time da Vila Belmiro.

Em sua visita ao Rio, Marley realizou outro sonho: conhecer Paulo C�zar Lima, tamb�m conhecido como Paulo C�zar Caju, companheiro de Pel� na sele��o que conquistou a Ta�a Jules Rimet no M�xico, em 1970.

"O futebol fazia tanto parte da vida de Bob Marley quanto a m�sica", afirma o bi�grafo Gerald Hausman, organizador da antologia O Futuro � O Come�o (2013). "Adorava acordar cedo para correr e jogar bola. Quando estava em campo, sentia-se revigorado."

Na �nica vez em que esteve no Brasil, Bob Marley n�o entrou em est�dio ou subiu ao palco. Mas, boleiro incorrig�vel, n�o abriu m�o de mostrar seus dotes como jogador.

A "pelada" foi marcada para o Centro Recreativo Vin�cius de Moraes, no Km 18 de Avenida L�cio Costa, antiga Sernambetiba, no Recreio dos Bandeirantes. � l� que funciona, at� hoje, o "est�dio" do Politheama, o time de futebol do cantor e compositor Chico Buarque que, reza a lenda, nunca perdeu uma partida oficial.

"Politheama era o time de bot�o do Chico, azul e verde, que ele fundou aos 15 anos", explica a jornalista Regina Zappa, autora das biografias Chico Buarque: Para Todos (1999) e Chico Buarque - Para Seguir Minha Jornada (2011). "Depois, foi promovido a time de futebol de verdade. No grego, Politheama significa: muitos espet�culos".

"Sou passarinho, n�o ornit�logo"

Ao contr�rio de Bob Marley, que torcia por diferentes clubes, Chico Buarque � torcedor de um time s�: o Fluminense Football Club - paix�o que herdou da m�e, Maria Am�lia (1910-2010). Mas, os dois, Marley e Chico, t�m algo em comum: sempre que saem em turn�, d�o um jeito, antes ou depois dos shows, de bater uma bolinha com seus m�sicos ou membros da equipe t�cnica.

Certa vez, na falta de um campinho de futebol e de um time advers�rio, Chico e alguns integrantes de sua banda, como o percussionista Chico Batera, improvisaram uma troca de passes e uns chutes a gol no corredor de um hotel em Bras�lia.

Mas Chico n�o gosta apenas de jogar futebol. Tamb�m gosta de assistir aos jogos pela TV e, de quando em quando, ser cronista esportivo — em 1998, na Copa do Mundo da Fran�a, escreveu uma coluna para o jornal O Globo.

At� criar um jogo de tabuleiro sobre futebol, Chico Buarque j� criou: o Ludop�dio, em 1969, pela Grow. A �nica coisa de que ele n�o gosta � teorizar sobre futebol. "Sou passarinho, n�o ornit�logo", costuma dizer, citando o escritor chileno Antonio Sk�rmeta.

Desde que o Politheama foi inaugurado, em 1979, Chico e outros "peladeiros" assumidos, como o cantor Carlinhos Vergueiro e o produtor e empres�rio Vin�cius Fran�a, costumavam se reunir tr�s vezes por semana - �s segundas, quintas e s�bados - para jogar bola.

Indagado sobre quem seria o "craque" do Politheama, Carlinhos Vergueiro diz que n�o gostaria de cometer injusti�as. "O Politheama �, antes de tudo, um time. O entrosamento favorece as individualidades", filosofa.

Naquela tarde, o Politheama ganhou alguns refor�os: Toquinho, Moraes Moreira e Alceu Valen�a, todos rec�m-contratados pela Ariola. Bob Marley chegou �s 15h50. "Para minha tristeza, n�o compareci a esse evento hist�rico", lamenta Vin�cius Fran�a. "Estava prestando exames finais na PUC".

Um craque entre os peladeiros

Evandro Mesquita compareceu, mas chegou atrasado. Estava na praia com Regina Cas� e Patricya Travassos, acertando os �ltimos detalhes de um ensaio do grupo teatral Asdr�bal Trouxe o Trombone, quando Paulo C�zar Lima o convidou para jogar bola.

"O Bob Marley t� na casa do Chico e quer jogar com a gente. Bora l�?", perguntou PC. Evandro quase caiu para tr�s. "No come�o, as duas estranharam. Mas, como sabiam da minha paix�o pelo Bob Marley, me liberaram", diverte-se o l�der da Blitz.

� beira do campo, Evandro demorou a entrar. Nenhum dos jogadores, por mais cansado que estivesse, queria ceder a vaga.

Faltando uns dez minutos para o apito final, a bola escapuliu pela lateral, Evandro fez umas "embaixadinhas" e a devolveu, com estilo, para Bob Marley. "Yeah, man! Very nice!", exclamou, sorridente, o jamaicano. "Nice to meet you, man!", retribuiu Evandro, encabulado. "I love your music!". "Bob Marley era lindo, gentil e maravilhoso. Um gigante, bem ali na minha frente", derrete-se o roqueiro.


Torcedor apaixonado da seleção tricampeã do mundo, Bob Marley foi convidado a participar do lançamento da gravadora Ariola no Brasil
Torcedor apaixonado da sele��o tricampe� do mundo, Bob Marley foi convidado a participar do lan�amento da gravadora Ariola no Brasil (foto: Acervo Bob Marley)

Dos "jogadores" em campo, o �nico profissional era mesmo Paulo C�zar Caju - na �poca, ele defendia as cores do Club de Regatas Vasco da Gama. Todos os demais eram "peladeiros". Caju, ali�s, n�o foi o �nico jogador profissional a marcar presen�a no Politheama - Zico, J�nior e Rom�rio, tr�s dos mais famosos, j� entortaram muitos marcadores e fizeram alguns gola�os por l�.

Na hora de montar os dois times, por�m, faltou jogador. Foi quando tiveram a ideia de convocar, �s pressas, alguns funcion�rios da Ariola e at� o jornalista Jo�o Luiz de Albuquerque. "Free lancer", Jo�o Luiz fora contratado pela Ariola para escrever o discurso do diretor, Marco Mazzola, apresentando a gravadora para a ind�stria fonogr�fica e a imprensa.

Bom de bola ou perna de pau?

Segundo o jornal O Globo, de 20 de mar�o de 1980, a "pelada" teria durado apenas 20 minutos - "dadas as condi��es f�sicas dos 'atletas'", enfatizou o rep�rter.

Toquinho, um dos "craques" do jogo, nega essa vers�o. E, esbanjando mod�stia, acrescenta: "O melhor em campo? Ora bolas, fui eu! Joguei muito naquele dia", afirma, categ�rico, antes de soltar uma risadinha marota.

E o que dizer de Bob Marley com a bola nos p�s? "Muito ruim", resume o eterno parceiro de Vin�cius. A opini�o de Toquinho � compartilhada por Evandro. "Era esfor�ado, mas os jamaicanos eram meio duros", analisa.

Carlinhos Vergueiro discorda: "Jogava muito bem". Controv�rsias � parte, o amistoso terminou tr�s a zero — gols de Bob Marley, Paulo C�zar Caju e Chico Buarque.

Durante a visita de Bob Marley ao Rio, Paulo Cezar Caju realizou dois desejos do cantor: comer peixe cru — o dono de um restaurante no Baixo Leblon, muito amigo do jogador, descolou uma bandeja de sashimi — e tomar suco de frutas.

"Viemos andando pela Visconde de Piraj� e paramos numa lanchonete", recorda o jogador na biografia Dei a Volta na Vida (2006), referindo-se a uma das principais ruas de Ipanema. "A�, misturamos manga, abacaxi, mel�o e mam�o e ele tomou tudo na hora".

Um rei no Rio de Janeiro

Na quarta � noite, Bob Marley, Marvin J�nior e Jacob Miller subiram o Morro da Urca, na Zona Sul do Rio. Chegaram por volta das 22h15. "Marley chegou como um rei. Fumou baseados, tomou guaran� e ficou louco com o visual do Rio", observou o jornalista e escritor Nelson Motta no livro Noites Tropicais: Solos, Improvisos e Mem�rias Musicais (2000).

O astro da noite trajava cal�a jeans e camiseta azul. Adepto da religi�o rastaf�ri, n�o consumiu bebida alco�lica.

https://www.instagram.com/p/B_xuJgjJHVJ/

A casa de shows Noites Cariocas, no P�o de A��car, foi a escolhida para sediar a festa de inaugura��o da Ariola. O primeiro lan�amento da gravadora no Brasil foi o �lbum Um Pouco de Ilus�o, de Toquinho & Vin�cius.

Entre os mais de mil convidados, grandes nomes da MPB, como Ivan Lins, Simone e Marina. O show de Moraes Moreira come�ou �s 23h20, com direito � participa��o de Baby Consuelo.

Na manh� seguinte, uma coletiva de imprensa, prevista para come�ar �s 11h30, foi cancelada. Motivo: o voo de volta, segundo os jornais da �poca, tinha sido antecipado.

Na bagagem, o astro jamaicano levou mil d�lares em material esportivo e alguns instrumentos musicais, como cu�ca, atabaque e maracas, que comprou em uma loja de Copacabana.

Houve quem especulasse que, em setembro, ele voltaria para um festival de reggae no Maracan�zinho. Festival esse que acabou n�o acontecendo. No dia 11 de maio de 1981, quase um ano e dois meses depois de sua visita ao Rio, Bob Marley morreu, v�tima de c�ncer, aos 36 anos.

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