
"Nossa l�ngua escrita � mais pr�xima do que nossa oralidade. Para mim, � muito estranho que meus filmes passem legendados no Brasil. H� um lado da nossa oralidade que se afastou em termos lingu�sticos. Mas, apesar disso, h� uma s�rie de coprodu��es j� feitas entre os dois pa�ses que por raz�es �bvias na hist�ria recente do Brasil se interromperam"
Rodrigo Areias, cineasta portugu�s
Entre as muitas representa��es poss�veis da cultura portuguesa, aquela ligada ao interior do Minho, no Norte do pa�s lusitano, tem significado especial para o cineasta Rodrigo Areias. Nascido na cidade de Guimar�es h� 43 anos, o diretor retornou ao universo afetivo ligado � sua terra natal em “Surdina”, filme roteirizado pelo cultuado compatriota Valter Hugo M�e.
Depois de estrear mundialmente na 43ª Mostra Internacional de Cinema de S�o Paulo, em 2019, de ser premiado no Festival Internacional de Cinema de Girona (Espanha) na categoria principal, e ainda em melhor fotografia e melhor trilha original, o longa chega nesta quinta-feira (13/5) ao mercado brasileiro via plataforma CineSesc.
A trama � ambientada no Centro Hist�rico de Guimar�es, onde constru��es erguidas h� centenas de anos s�o habitadas por um povo provincianamente pitoresco. � o caso de Isaque, personagem central da hist�ria, interpretado por Ant�nio Dur�es. Aparentando j� ter passado dos 60, o solit�rio e carrancudo morador recebe a not�cia de que sua ex-mulher, que ele afirma ter morrido, reapareceu na regi�o e foi vista fazendo compras em uma feira local.
O epis�dio logo se torna tema de conversas entre algumas senhoras de not�vel predile��o por assuntos relacionados � vida alheia. O burburinho potencializa a ang�stia do protagonista. Preocupados, seus melhores amigo, Lu�s (Fernando Moreira) e Armando (Jorge Mota), surgem dispostos a oferecer um alento a Isaque e encaminh�-lo, quem sabe, para um novo amor que o fa�a se esquecer da ex-esposa, esteja ela viva ou n�o. A dupla tem at� uma pretendente, a solteirona Dona Micas (Ana Bustroff).
TRAGICOM�DIA

Ele jura que sua mulher est� morta e as pessoas pr�ximas preferem n�o entrar em conflito quanto a isso. Contudo, pelas suas costas � dito at� mesmo que ela j� est� com um novo companheiro. Quando n�o est� se indispondo com algu�m por causa desse assunto, Isaque fica solit�rio em sua antiga casa, cuidando de seus p�ssaros e alimentando uma criatura misteriosa que mant�m presa em uma jaula. Elementos que ganham sentido metaf�rico na hist�ria.
Apesar dessa ambienta��o regional, com elementos bem t�picos da localidade portuguesa que o diretor conhece bem, trata-se de uma trama com aspectos universais. “Em qualquer lugar, todos os pequenos meios t�m esse lado da press�o social, vizinhos que vivem � escuta e a tentar perceber o que se passa na vida dos outros. No fundo, � mais de todos os meios, n�o apenas de Guimar�es ou do Minho”, afirma Rodrigo Areias em entrevista ao Estado de Minas.
O cineasta destaca que a hist�ria escrita por Valter Hugo M�e traz “a amizade, o processo de envelhecimento e a quest�o do amor nessa idade avan�ada” como temas principais, comuns em qualquer parte do mundo. Por�m, ressalta que pontos muito pr�prios da vida no Minho est�o incorporados � trama.
“Uma caracter�stica muito espec�fica ali tem a ver com a rela��o das pessoas com o patrim�nio f�sico, com a pedra, com a constru��o. Isso acaba sendo maior talvez porque Guimar�es seja um marco hist�rico para Portugal, e as pessoas levam isso muito ao peito, dando muita import�ncia ao patrim�nio material. H� um grande respeito pela pedra, pelas constru��es. Tirando isso, � tudo muito universal no filme”, analisa Areias. Guimar�es tem hoje pouco mais de 50 mil habitantes na sede do munic�pio, considerado o ber�o hist�rico da na��o portuguesa.
“Tenho essa rela��o natural de amor �bvio com esse espa�o. Sa� de l� aos 17 anos, voltei depois dos 30 para fazer uma estrutura de produ��o de cinema. Tenho essa rela��o resolvida e h� coisas que eu adoro, como as tascas tradicionais, onde costumo ir, e as pessoas que trabalham nelas. Tem a ver com minha pr�pria rela��o com as pessoas e com o espa�o”, comenta o cineasta.
O diretor fez quest�o de inserir alguns desses aspectos no filme. Muitos di�logos s�o acompanhados por um “copinho de vinho” e petiscos t�picos, como o presunto curado e as nozes. A trilha sonora original, composta pelo guitarrista T� Trips, um dos mais aclamados de Portugal, complementa a ambienta��o.
SOTAQUE
Outro aspecto � o linguajar dos personagens. “� um sotaque mais natural para mim, que cresci na regi�o. Ent�o h� a autoriza��o do palavr�o como pontua��o, n�o como agress�o, mas como interjei��o no di�logo. No Norte de Portugal, o di�logo parece mais agressivo, embora as pessoas sejam mais calorosas umas com as outras”, diz Areias.
Ele e Valter Hugo M�e estiveram nos cen�rios e conviveram com pessoas que vivem ali. A fam�lia do escritor tamb�m tem origens na localidade. Mais especificamente em S�o Cristov�o do Selho, freguesia que tamb�m faz parte da trama.
“Alguns moradores que conheci at� aparecem no filme e foi um processo que fez com que os atores apanhassem esses trejeitos. Al�m da maquiagem e do figurino, apanharam tamb�m todo esse microcosmos do centro hist�rico de Guimar�es”, diz.
Rodrigo Areias aproveita a estreia do longa por aqui para falar sobre a rela��o cultural entre os dois pa�ses. Se na literatura o interc�mbio de autores e publica��es � forte, no cinema a troca n�o � t�o grande.
“Nossa l�ngua escrita � mais pr�xima do que nossa oralidade. Para mim, � muito estranho que meus filmes passem legendados no Brasil. H� um lado da nossa oralidade que se afastou em termos lingu�sticos. Mas, apesar disso, h� uma s�rie de coprodu��es j� feitas entre os dois pa�ses que por raz�es �bvias na hist�ria recente do Brasil se interromperam”, comenta.
O cineasta demonstra preocupa��o em rela��o � viabilidade atual do cinema brasileiro. “N�o ser� s� nessa �rea (cinema), mas efetivamente vai nos afastar e vai demorar a nos reaproximar. A pol�tica que existia entre a Ag�ncia Nacional do Cinema (Ancine) e o Instituto do Cinema e Audiovisual de Portugal (ICA) dava frutos e iria dar muito mais”, observa Areias, que espera que retomemos as pol�ticas de incentivo ao audiovisual.
“SURDINA”
Dire��o: Rodrigo Areias. Roteiro: Valter Hugo M�e. Com Ant�nio Dur�es, Adelaide Teixeira, Fernando Moreira, Jorge Mota, Filomena Gigante. Portugal, 2019. Dispon�vel a partir desta quinta-feira (13/5) na plataforma digital do CineSesc.