
Vencedor da 25ª edi��o do festival � Tudo Verdade, realizada entre setembro e outubro de 2020, o document�rio "Libelu - Abaixo a ditadura" chegou aos principais servi�os de TV sob demanda na �ltima quinta-feira (27/5).
Dirigido por Di�genes Muniz, de 34 anos, o filme conta a trajet�ria do grupo Liberdade e Luta por meio de imagens de arquivo e depoimentos de quem vivenciou o per�odo, como o jornalista Reinaldo Azevedo e o ex-ministro Antonio Palocci.
A Libelu, como ficou popularmente conhecida, surgiu em 1976, na Universidade de S�o Paulo (USP). De cunho trotskista, ela ajudou na revitaliza��o do movimento estudantil que havia sido silenciado pelo AI-5, de 1968. Apesar de ter durado apenas seis anos, o grupo deixou uma marca profunda na milit�ncia contra o regime militar, como a retomada do lema "abaixo a ditadura". Ainda assim, s�o poucos os registros que mostram essa atua��o.
Na avalia��o de Muniz, a resist�ncia aos militares que data da segunda metade dos anos 1970 "n�o ganhou tanta aten��o da narrativa hist�rica, sobretudo no audiovisual". Para realizar o filme, ele e equipe fizeram uma ampla pesquisa sobre o grupo, antes de come�ar a filmar. Esse processo trouxe � tona uma s�rie de imagens que ajudam a entender o que a Libelu representou na �poca, um "fen�meno", como o diretor descreve.
O filme traz o depoimento de 20 ex-militantes da Liberdade e Luta que relembram suas atua��es no movimento, entre eles o soci�logo Dem�trio Magnoli, o escritor Cad�o Volpato e o economista Eduardo Gianetti. Com exce��o de Palocci, que na �poca das grava��es estava em pris�o domiciliar por corrup��o e lavagem de dinheiro, todos eles gravaram a entrevista em uma sala na Faculdade de Arquitetura da USP.
Em um dos pontos altos do filme, o diretor confronta os entrevistados em rela��o a quest�es que n�o eram pautadas pela Libelu, como racismo e machismo estrutural. Isso, ele acredita, deve-se a um "choque geracional entre a equipe de filmagem (relativamente jovem, nascida na democracia) e os entrevistados (mais velhos, que lutaram contra a ditadura)".
Documentarista estreante, Di�genes Muniz considera a vit�ria no � Tudo Verdade algo "inesperado". Seu pr�ximo filme, o curta documental "Pivetta", tem estreia prevista para o segundo semestre deste ano.
"Libelu - Abaixo a ditadura" chegou ao circuito comercial de salas na semana passada em cidades como S�o Paulo, Bras�lia e Rio de Janeiro, onde os cinemas est�o funcionando. Em virtude da pandemia, a estreia segue em modo virtual para atingir o p�blico de outras localidades. Em 20 de julho, o document�rio ser� exibido pelo Canal Brasil e, em agosto, pela GloboNews.
Na �poca em que venceu o � Tudo Verdade, o diretor concedeu a entrevista a seguir ao
Estado de Minas
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"Libelu - Abaixo a ditadura" � um document�rio formado basicamente por dois elementos: entrevistas e materiais de arquivo. Em qual contexto pol�tico do Brasil essas duas etapas aconteceram? Esse contexto influenciou sua escolha por documentar esse tema?
Diferentemente do que se possa imaginar, n�o come�amos a pesquisar ou a rodar esse filme por conta da elei��o de Bolsonaro, que � um defensor da ditadura militar e adorador confesso de torturadores. Come�amos a procurar informa��es mais consistentes sobre a Libelu um pouco antes de 2015. As entrevistas foram feitas entre 2018 e 2019. O in�cio do projeto data de antes da deposi��o da Dilma e da pris�o do Lula, portanto. Uma das minhas primeiras surpresas foi ter encontrado registros f�lmicos (como o curta "O apito da panela de press�o") e relatos escritos em primeira pessoa (como o da poeta Ana Cristina Cesar) a respeito da onda de passeatas estudantis de 1977, que desafia o regime militar quando o AI-5 ainda vigia. Pensava em Junho de 2013, um tsunami que atravessa minha gera��o de maneira bastante aguda, mas depois vi que s�o eventos diferentes – sobretudo no que vem a seguir.
Como surgiu a ideia de documentar esse movimento? E por que agora?
A resist�ncia ao regime militar da segunda metade dos anos 1970, ap�s a derrota da luta armada, n�o ganhou tanta aten��o da narrativa hist�rica, sobretudo no audiovisual. Os eventos, quando muito, s�o apresentados de maneira desconectada. Por exemplo: � comum para pessoas da minha idade ouvirem falar da invas�o da PUC, mas poucos sabem que essa � uma resposta violenta do regime a um avan�o do Movimento Estudantil, um revide � reorganiza��o pol�tica dos estudantes. Ent�o havia essa vontade de se debru�ar sobre uma personagem relevante desse per�odo pouco explorado. A Liberdade e Luta, embora n�o fosse o grupo mais numeroso ou o que mais ganhava elei��es, era o mais vocal e um dos mais radicais. Acabou virando um fen�meno (inclusive midi�tico) e gerando fasc�nio entre seus pares do Movimento Estudantil - a ponto de o termo "libelu" surgir na boca de uma personagem de telenovela da Band, em 1979, como aparece no filme.
O filme traz uma s�rie de registros hist�ricos bastante importantes para contextualizar o movimento e o per�odo hist�rico em que ele nasceu. Como foi o processo de pesquisa para acessar esse material?
Dividi a pesquisa com a assistente de dire��o do filme, a jornalista Bianka Vieira. Fu�amos os arquivos p�blicos de S�o Paulo e Rio de Janeiro e o Centro de Documenta��o e Mem�ria da Unesp. Tamb�m acessamos acervos do Arquivo Nacional, do jornal “O Trabalho” e de jornais e revistas que circulavam na �poca (“Folha”, “Estad�o”, “Jornal da Rep�blica”, “Jornal da Tarde", “Veja”, “Isto�”, etc). Levantamos documentos da repress�o que descreviam as movimenta��es dentro do Movimento Estudantil e especificamente da Libelu. As imagens da �poca s�o da TV Cultura, da Band, TV Globo e Cinemateca Brasileira. A pe�a videogr�fica mais importante do filme, uma entrevista de Mino Carta com dois dirigentes da Libelu na TV Tupi em 1979, veio da Cinemateca.
De certa forma, voc� confronta os entrevistados trazendo para eles algumas quest�es que, no passado, talvez n�o estivessem t�o em voga quanto hoje. A falta de negros e de lideran�as femininas na Libelu s�o exemplos disso. Por que voc� decidiu abordar isso no filme?
Acho que isso faz parte tamb�m do choque geracional entre a equipe de filmagem (relativamente jovem, nascida na democracia) e os entrevistados (mais velhos, que lutaram contra a ditadura). Debates que para n�s est�o postos de maneira mais corrente, naquela �poca n�o circulavam tanto - como � o caso do racismo e machismo estruturais. A USP sempre foi uma escola formadora de quadros de elite, com pouca diversidade racial. Isso s� vai come�ar a ser enfrentado de frente a partir de medidas de repara��o hist�rica, como as cotas, que s�o recent�ssimas.
Qual � o contexto do �udio em que Jos� Genulino se d� conta do racismo que sofreu a vida toda?
Eu e o Jos� Genulino acabamos ficando pr�ximos ap�s a grava��o na FAU-USP. Troc�vamos e-mails sobre m�sicas que poderiam encaixar na trilha sonora do filme e, �s vezes, ele me ligava com alguma lembran�a dos anos 1970. Depois da filmagem, percebi que ele n�o tinha conseguido dizer tudo o que gostaria e pedi autoriza��o para gravar nossos papos por telefone. O registro que aparece no filme � de uma liga��o dele no Dia da Consci�ncia Negra. Hoje ele est� vivendo na Bahia e continuamos com as sess�es telef�nicas. Acho que a vida dele daria um filme � parte.
Um dos personagens do filme � o ex-ministro Antonio Palocci, condenado � pris�o domiciliar por corrup��o e lavagem de dinheiro. Como foi o processo para conseguir gravar esse depoimento? Por que a escolha de colocar uma proje��o dele em uma das salas da FAU, onde ocorreram as demais entrevistas?
Palocci est� sem dar entrevista j� faz alguns anos, desde antes de ser preso. Demorei um bom tempo para conseguir oficializar o convite, para faz�-lo tomar conhecimento do projeto. Quando ele foi preso, continuei insistindo e mandei alguns arquivos e fotografias relacionados � sua milit�ncia trotskista por correio. Mas s� consegui conversar diretamente com ele por telefone depois da soltura. No in�cio, Palocci n�o queria me receber pessoalmente, mas acabou topando que grav�ssemos no seu apartamento em S�o Paulo enquanto cumpria pris�o domiciliar. Como levamos todos entrevistados de volta ao campus da Cidade Universit�ria, no Butant�, pareceu l�gico que fiz�ssemos isso tamb�m com ele – por isso o projetamos na FAU.
O filme � a sua estreia como documentarista. Enquanto estreante, como voc� avalia o produto final? Ele est� de acordo com o que voc� idealizou quando pensou, pela primeira vez, em fazer um filme? Quais foram os principais desafios da produ��o? Voc� pretende se embrenhar nesse caminho de novo?
Ter chegado at� o fim do processo de dirigir um longa-metragem e ter conseguido exibi-lo num festival como o � Tudo Verdade foi muito importante, at� inesperado. N�o s� para mim. Muitas das pessoas da pequena equipe do "Libelu" estavam estreando comigo ali, tamb�m n�o s�o originalmente do cinema. Passamos muito tempo duvidando da pot�ncia do document�rio, um filme de uma loca��o s�, com muitas limita��es de or�amento e um tema espinhoso protagonizado por gente mais acostumada a analisar do que a ser analisada. Tenho um outro filme pronto. Chama-se "Pivetta". � um curta-metragem sobre uma pris�o ocorrida na Bienal Internacional de S�o Paulo de 2008 (aquela exposi��o que ficou conhecida como "Bienal do Vazio"). Esse filme foi feito sem produtora e sem apoio nenhum, s� na vontade de fazer mesmo.

“LIBELU - ABAIXO A DITADURA”
• Dire��o: Di�genes Muniz
• 90 minutos
• 14 anos
• Dispon�vel no NOW, Vivo Play, Oi Play, Google Play, iTunes, Apple TV e Youtube Filmes