Anitta � a l�der absoluta do ranking, com 17 milh�es de reprodu��es por m�s na plataforma
Anitta � a l�der absoluta do ranking, com 17 milh�es de reprodu��es por m�s na plataforma
(foto: Divulga��o
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O Brasil � o pa�s das cantoras – esse � um jarg�o h� muito disseminado e normalmente aceito sem ressalvas. Essa constata��o vem do sucesso, em territ�rio nacional, de grandes damas da MPB, como Maria Beth�nia, Elis Regina e Gal Costa, e do ininterrupto surgimento de novas vozes femininas.
De uns anos para c�, contudo, essa assertiva ganhou outra dimens�o, com a consolida��o de um sucesso estrondoso por parte de divas do pop que alcan�am uma audi�ncia sem precedentes, n�o raro ultrapassando as fronteiras do pa�s.
O top 5 das cantoras mais ouvidas do Spotify n�o deixa d�vidas sobre quem, em termos de mercado, d� as cartas na m�sica brasileira atualmente. O ranking mais recente aponta Anitta em primeiro lugar, com 17 milh�es de reprodu��es por m�s; em segundo lugar aparece Mar�lia Mendon�a, com 6,9 milh�es; em terceiro, Lu�sa Sonza, com 6,2 milh�es; em quarto, Ludmilla, com 5,3 milh�es; e em quinto, a dupla Maiara e Maraisa, com pouco mais de 5 milh�es.
Desde o in�cio de 2020, essas cinco cantoras se alternam nas primeiras posi��es desse ranking (em mar�o do ano passado, era Mar�lia Mendon�a quem ocupava o topo), no qual, volta e meia, tamb�m aparecem Giulia Be, AnaVit�ria e Ivete Sangalo. Somente nos dois primeiros meses de 2020, Mar�lia Mendon�a, Anitta e Ludmilla foram respons�veis por 500 milh�es de streamings no Spotify.
A quest�o que fica �: essas artistas inauguraram um modelo de cantora pop no Brasil? Ou elas descendem de uma linhagem? E, nesse caso, que linhagem � essa? Para responder a essa pergunta, talvez seja preciso, antes, entender o que � a m�sica pop no Brasil.
O jornalista e pesquisador de comunica��o e m�sica pop Felipe Sim�es, autor do livro "Aspectos gerais da cultura pop", defendeu que "no Brasil, esse conceito de m�sica pop historicamente designa um estilo musical mais h�brido, complexo e fluido se comparado aos padr�es difundidos pela ind�stria norte-americana e europeia", em entrevista para a revista "Rolling Stone", no ano passado.
Para Sim�es, no Brasil a m�sica pop tangencia um sincretismo maior de estilos, como o rock, a bossa nova, a MPB, o ax�, o funk e o sertanejo. Dessa maneira, Ivete Sangalo, Claudia Leitte, Anitta, Manu Gavassi, Ludmilla, Giulia Be, Lu�sa Sonza e Iza se encaixam nesse estilo, cada uma com as suas particularidades, ao flertar com sonoridades espec�ficas – sertanejo, funk, rap, ax� e outras. O pop brasileiro atual se enquadra na est�tica internacional, mas sem perder certo aspecto regional, seja o funk (carioca), o sertanejo (interior do pa�s) ou mesmo o ax� e o forr� (nordestinos), na avalia��o do pesquisador.
A sertaneja Mar�lia Mendon�a, que j� esteve no primeiro posto, atualmente ocupa o segundo (foto: Randes Filho/Divulga��o
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MAINSTREAM
Voltando ao lugar que as campe�s de audi�ncia ocupam hoje _ e num panorama hist�rico da m�sica brasileira _, o jornalista e produtor musical Marcus Preto, que desde 2013 dirige shows e �lbuns de Gal Costa, considera que elas n�o inauguraram nada e, pelo contr�rio, s�o devedoras de uma ramificada tradi��o de cantoras brasileiras. “A cantora do mainstream sempre houve. Um exemplo pouco lembrado � a Rosana, que, embora branca, era uma cantora de black music, que deu voz a muitas composi��es de Sullivan e Massadas e outras coisas dessa escola. Era uma cantora de vozeir�o, ultrapopular e, ao mesmo tempo, com uma t�cnica impec�vel, com voz bonita e potente. Ela, com certeza, � uma refer�ncia – ainda que n�o direta – para as divas pop atuais”, diz.
O per�odo de apogeu e gl�ria de Rosana passou, e Preto destaca que m�sica pop tamb�m tem muito a ver com efemeridade. “Nem todo mundo � Beatles ou Rita Lee ou Roberto e Erasmo”, aponta. Ele avalia que Anitta s� � diferente porque est� em 2021, quando o mais comum � o artista cuidar da pr�pria carreira.
“Antes eram as gravadoras que cuidavam, elas definiam o caminho e inclusive a hora de descartar os artistas que j� tinham passado por um per�odo de grande sucesso popular. Gravadoras s�o empresas e como tal se d�o o direito de afastar um funcion�rio que j� n�o interessa mais e contratar outro. No caso da Anitta n�o, ela � dona de si, resolve se vai seguir o seu caminho, se vai parar, se vai mudar de rumo e fazer bossa nova”, afirma. “O fato de a Rosana ter passado n�o quer dizer que n�o seja, de certa forma, m�e dessas meninas.”
A jornalista carioca Chris Fuscaldo, que defendeu no doutorado em literatura, cultura e contemporaneidade, do Departamento de Letras da UFRJ, uma tese sobre cantoras veteranas, tamb�m considera que, para se chegar �s cinco primeiras colocadas no atual ranking do Spotify, � preciso percorrer um longo e tortuoso caminho, que foi pavimentado por mulheres pioneiras em diferentes g�neros musicais.
“Minha tese � um trabalho sobre as cantoras e compositoras - que eu chamo de ‘cantautoras’. Escolhi sete mulheres para contar essa hist�ria, uma escolha que se deu porque elas est�o na origem de v�rios g�neros. O que defendo � que as mulheres tiveram enormes dificuldades para se impor no cen�rio musical brasileiro”, afirma.
A jornalista observa que “a primeira, Chiquinha Gonzaga, que era maestrina, j� cortou um dobrado, teve que abrir m�o de fam�lia, de filhos. Foi uma hist�ria longa para se impor como compositora. De Chiquinha para frente, durante muito tempo, s� aparecem umas poucas mulheres, que deixaram poucos registros. S� na d�cada de 50 aparecem Dolores Duran e Maysa, que, al�m de compositoras, tamb�m eram cantoras, e come�am a se colocar de modo mais afirmativo”, diz.
Luisa Sonza, que acaba de lan�ar seu segundo �lbum, "Doce 22", est� em terceiro lugar (foto: @felipegrafias/Divulga��o
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G�NEROS
As sete cantoras que Chris Fuscaldo abordou em sua tese s�o Anast�cia, Martinha, Joyce Moreno, Lecy Brand�o, Sandra de S�, Roberta Miranda e Margareth Menezes – cada uma desbravadora em um g�nero distinto (o forr�, o rock, a bossa, o samba, a black music, o sertanejo e o ax�) e todas merecedoras de cr�dito por parte das atuais divas pop.
“Essas sete mulheres abriram caminho para as que est�o a� hoje, que s�o fruto desses estilos musicais diversos que surgiram no Brasil dos anos 60 para c�. As coisas v�o se modificando, hoje voc� v� misturas de sertanejo com ax� com funk e outras coisas, mas, no geral, o que a gente v� no Brasil � esse caminho tra�ado por essas mulheres”, afirma.
Ela ressalva que n�o cabe uma compara��o direta, porque os tempos s�o outros. “O pop, como o conhecemos hoje, vem dos anos 90. � anacr�nico tentar encaixar as mulheres de antes nesse entendimento de pop atual, que come�a praticamente com Sandy & J�nior”, aponta.
Marcus Preto v�, al�m de Rosana, diversos outros nomes na �rvore geneal�gica das atuais divas pop. Ele cita, por exemplo, Sandra de S�, de quem acredita que Ludmilla � grande devedora. “A Sandra de S� era uma cantora popular que tocava no r�dio o dia inteiro, e segue at� hoje, claro que com um foco diferente”, cita. “Quando a gente fala de �rvore geneal�gica, n�o quer dizer que essas meninas de hoje tenham ouvido essas cantoras de antes, porque �rvore geneal�gica � assim mesmo, voc� n�o tem muita ideia de quem foi seu bisav�, do que ele fez, mas ele est� na sua �rvore geneal�gica.”
Pode at� ser que, conforme ele destaca, o que Rosana ou Sandra de S� criaram l� atr�s tenha sido “desinventado” para que, agora, as divas pop pudessem reinventar, mas a linhagem existe. “A Anitta � neta da Rosana. A raiz musical dela � de m�sica preta, o funk, assim como a da Rosana tamb�m era, da soul music, da disco music. Entre Anitta e Rosana n�o tem diferen�a de tamanho. A Rosana fez de ‘Como uma deusa’ um sucesso estrondoso, que tocou no Brasil inteiro”, ressalta.
E ele acrescenta outras mulheres que pontuam a linha evolutiva musical que chega no atual pante�o das cantoras pop. “Quando a Anitta soltou, recentemente, a ‘Girl From Rio’, tenho certeza de ela ouviu e entendeu as carreiras da Marina Lima e depois da Fernanda Abreu, que tratam desse ambiente solar, da praia, que era um lugar tem�tico que estava vago. Mesmo em termos de arranjo h� similaridades. A Marina Lima gravou ‘Garota de Ipanema’ e foi das m�sicas mais tocadas em 1991. Depois vem a Fernanda, que j� vai colocando em suas produ��es elementos eletr�nicos, samples, e isso tudo des�gua na Anitta”, destaca.
SOFRER COMO UMA GAROTA (FEMINISTA)
A jornalista e pesquisadora de m�sica Chris Fuscaldo se diz avessa a r�tulos, mas considera que, se for necess�rio colocar Anitta, Ludmilla, Lu�sa Sonza, Mar�lia Mendon�a e a dupla Maiara e Maraisa numa prateleira, todas estariam na da m�sica pop, ainda que as duas primeiras tenham emergido do funk e as duas �ltimas do sertanejo, com Lu�sa Sonza um pouco deslocada em outro ambiente musical, talvez mais pr�ximo do modelo pop norte-americano e europeu.
J� o jornalista e produtor Marcus Preto v� Mar�lia Mendon�a e Maiara e Maraisa vinculadas a uma outra linhagem da m�sica brasileira, que, no entanto, comp�e o am�lgama da atual m�sica pop brasileira.
“Acho que as mulheres do sertanejo t�m mais a ver com a Alcione ou com a Faf� de Bel�m, que foram e ainda s�o figuras muito populares. As duas, provavelmente, s�o as m�es do que hoje a gente chama de ‘sofr�ncia’. Acho que essas meninas, Mar�lia Mendon�a, Maiara e Maraisa, v�m um pouco dessa escola, elas conhecem esse repert�rio. E nisso a� tem uma mistura, porque elas v�m tamb�m dos sertanejos homens, as duplas sobretudo, Chit�ozinho e Choror�, Leandro e Leonardo, o pessoal do sertanejo universit�rio”, opina.
SOFR�NCIA Ele tamb�m identifica um feminismo subjacente � sofr�ncia que aproxima Alcione e Faf� de Bel�m das cantoras sertanejas que hoje ocupam o p�dio das mais ouvidas. “A Alcione sofre porque ela resolveu sofrer, ela nunca est� por baixo, n�o � porque ela foi abandonada ou coisa do tipo. Mar�lia Mendon�a, Maiara e Maraisa e outras desse fil�o misturaram a est�tica das duplas sertanejas masculinas com um discurso que j� era feminista na Alcione, na Faf�. A mulher, mesmo quando estava sofrendo, era por uma decis�o dela. N�o � um sofrimento anterior, que existiu muito no samba-can��o, onde a pessoa estava sofrendo porque se achava um lixo. A Alcione n�o, e essas meninas sertanejas t�m esse discurso muito parecido”, aponta.
Uma observa��o feita pelo pesquisador Felipe Sim�es em entrevista � “Rolling Stone” contribui para ampliar ainda mais o entendimento sobre a linhagem de cantoras que desemboca no atual cen�rio. Ele ressalta que, a partir da d�cada de 1980, a performance e a est�tica da espetaculariza��o firmaram-se como linguagem principal da m�sica pop e rock, o que, a seu ver, tem rela��o direta com o surgimento e a expans�o da MTV.
“O espet�culo � uma est�tica que dialoga mais facilmente com p�blicos diversificados, de diferentes localidades, culturas e backgrounds. A imagem tornou-se t�o importante quanto a m�sica”, diz o jornalista.
A partir dessa premissa, � imposs�vel n�o alocar Gretchen em algum ponto da �rvore geneal�gica das atuais divas pop. E, se quisermos recuar ainda mais – muito mais –, a est�tica da espetaculariza��o que � o cerne da m�sica pop j� estava em Carmem Miranda.
Desconstruindo Anitta
L�der absoluta no ranking das mais ouvidas do Spotify, Anitta condensa em si diversas refer�ncias – nacionais e internacionais – que se podem pin�ar em suas falas e nas entrevistas que j� concedeu desde que despontou para fama. Confira:
•Anitta j� declarou, em diversas ocasi�es, que uma de suas principais refer�ncias � Mariah Carey, com quem, conforme diz, “aprendeu a cantar”, mas ela tamb�m soma em seu rol os nomes de Rihanna, Ivete Sangalo e Beyonc�.
•Em 2013, durante o programa “Altas Horas”, de Serginho Groisman, Anitta declarou sua admira��o por Sandy, que tamb�m participava da atra��o e com quem cantou "As Quatro Esta��es" e "Desperdi�ou".
•Durante a produ��o de seu segundo �lbum, “Bang”, Anitta citou Katy Perry como influ�ncia para as novas faixas.
•Tamb�m h� espa�o para nomes de uma MPB mais casti�a no quadro de refer�ncias de Anitta: ela j� citou Marisa Monte, Gal Costa e Caetano Veloso, “por sempre estarem se renovando e se arriscando em outros estilos”.
•Madonna, Britney Spears, Adele, Kate Nash e Colbie Caillat s�o outros nomes que, volta e meia, s�o apontados por Anitta como refer�ncias.
•Na lista dos 10 discos preferidos de Anitta, publicada em uma edi��o de 2017 do jornal “O Dia”, aparecem tr�s brasileiros: “Djavan: Ao vivo”,
de 1999, “Reggae Power (ao vivo)”, do Natiruts, de 2006, e “Tribalistas”, de Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, de 2002.
•Anitta j� declarou, em diversas ocasi�es, que uma de suas principais refer�ncias � Mariah Carey, com quem, conforme diz, “aprendeu a cantar”, mas ela tamb�m soma em seu rol os nomes de Rihanna, Ivete Sangalo e Beyonc�.
•Em 2013, durante o programa “Altas Horas”, de Serginho Groisman, Anitta declarou sua admira��o por Sandy, que tamb�m participava da atra��o e com quem cantou "As Quatro Esta��es" e "Desperdi�ou".
•Durante a produ��o de seu segundo �lbum, “Bang”, Anitta citou Katy Perry como influ�ncia para as novas faixas.
•Tamb�m h� espa�o para nomes de uma MPB mais casti�a no quadro de refer�ncias de Anitta: ela j� citou Marisa Monte, Gal Costa e Caetano Veloso, “por sempre estarem se renovando e se arriscando em outros estilos”.
•Madonna, Britney Spears, Adele, Kate Nash e Colbie Caillat s�o outros nomes que, volta e meia, s�o apontados por Anitta como refer�ncias.
•Na lista dos 10 discos preferidos de Anitta, publicada em uma edi��o de 2017 do jornal “O Dia”, aparecem tr�s brasileiros: “Djavan: Ao vivo”, de 1999, “Reggae Power (ao vivo)”, do Natiruts, de 2006, e “Tribalistas”, de Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, de 2002.