Com seu viol�o e o Grammy que ganhou no ano passado pelo disco "Belo Horizonte", Toninho Horta fez de seu apartamento em BH um novo palco para chegar at� o p�blico (foto: Arquivo Pessoal Toninho Horta
)
"Estou fazendo um trabalho grande de me colocar em evid�ncia no ambiente virtual, meu nome, minha fisionomia, meu trabalho. Est� indo tudo muito bem e ao mesmo tempo. A �poca agora � essa, a �poca do virtual. � s� o pessoal ficar ligado no meu Instagram que ali a gente vai informando tudo sobre abertura de inscri��es para o curso, sobre o semin�rio, os sites e o que mais vier por a�"
Toninho Horta, instrumentista e compositor
A despeito de todas as dificuldades e barreiras impostas por estes tempos de pandemia, a roda tem que girar e, como reza o c�lebre samba de Arlindo Cruz, o show tem que continuar. Impossibilitados de exercer seu of�cio plenamente, com agendas canceladas e planos abortados, m�sicos mineiros veteranos tiveram que encontrar sa�das para se manterem ativos e adaptar seus projetos para o ambiente virtual.
� o caso de Toninho Horta, que sempre viajou o mundo para mostrar seu trabalho e, de repente, viu seu raio de a��o limitado aos metros quadrados de seu apartamento. Isso, no entanto, n�o o impediu de desenvolver alguns projetos, que, a partir do fim deste m�s, come�am a vir a p�blico.
Um deles, o mais ambicioso, � um semin�rio virtual batizado “Movimento musical al�m das montanhas”, previsto para ocorrer entre 18 e 25 de setembro e que consiste numa s�rie de atividades, como bate-papos, depoimentos, cursos, mesas-redondas, pocket shows e dois grandes concertos, de abertura e encerramento.
Boa parte das a��es que comp�em esse semin�rio foi gravada recentemente, ao longo de uma semana, no audit�rio do Minas T�nis Clube, sem p�blico, apenas com a equipe t�cnica e os artistas participantes, numa maratona de aproximadamente 12 horas por dia, segundo Toninho.
“Foi muito lindo o registro. Fizemos seis mesas redondas e dois shows, o de abertura e o de fechamento, com 13 m�sicas em cada um e a participa��o de v�rios herdeiros do Clube da Esquina, o Rodrigo e o Telo Borges, o Ian Guedes e muitos outros instrumentistas”, conta.
Toninho explica que ainda ser�o gravados “os pocket shows que v�o ser exibidos ao longo do semin�rio, com nomes como Nelson Angelo, Robertinho Silva, Wagner Tiso, v�rios m�sicos de Belo Horizonte e de S�o Paulo ligados � minha hist�ria e � hist�ria do Clube da Esquina. Tamb�m devemos ter uns 10depoimentos de m�sicos hist�ricos e uns 18 cursos, ministrados por eles, entre mat�rias te�ricas e pr�tica de instrumentos”, detalha.
Esse semin�rio deriva de uma ideia gestada h� dois anos, o “Circuito instrumental al�m das montanhas – CIAM”, que chegou a ser marcado para o in�cio de 2020, no Instituto Izabela Hendrix. Num primeiro momento, o evento foi adiado em raz�o das fortes chuvas no per�odo do ver�o. Depois, com a chegada da pandemia, hibernou.
“Ainda no ano passado conseguimos a confirma��o de um patroc�nio, da Anglo American, para fazer virtualmente. Reestruturamos a ideia e chegamos ao formato de um semin�rio on-line que se desenrola durante oito dias”, cita Toninho.
GERA��ES
Com rela��o � mudan�a de nome, o instrumentista explica que tem a ver com a proposta e os rumos que a empreitada tomou. “Pensamos que, agora, em vez de circuito, a ideia � fazer um movimento da m�sica mineira para as novas gera��es”, pontua.
Ele explica que, com o patroc�nio obtido, o projeto ganhou um vi�s social: estudantes de escolas de m�sica das cidades que est�o no eixo de opera��o da empresa de minera��o ter�o acesso gratuito a alguns dos cursos que ser�o ofertados no escopo do semin�rio. S�o seis cidades em Minas Gerais, na regi�o do Serro, duas em Goi�s e uma no Rio de Janeiro.
Do ponto de vista tem�tico, Toninho ressalta que o foco � mesmo o repert�rio do Clube da Esquina, mas que a ideia � abarcar toda a produ��o musical mineira, desde o barroco. “Vamos abordar o barroco, a modinha mineira, a seresta de Diamantina, o samba-can��o e a m�sica de Carnaval do Celso Garcia, que foi parceiro do R�mulo Pae; a bossa nova da gera��o do Pac�fico Mascarenhas e o movimento da m�sica instrumental, que � muito forte atualmente. Tem, ainda m�sica regional, com Rubinho do Vale, Tizumba, Titane, quer dizer, tem essas vertentes todas, muito fortes, at� o pop rock, com essas bandas que fizeram muito sucesso a partir dos anos 90”, cita.
Al�m do semin�rio, o vencedor do Grammy Latino 2020 com o �lbum “Belo Horizonte” tamb�m vai marcar presen�a no ambiente digital com o curso on-line “O jeito de tocar Toninho Horta”, previsto para ser lan�ado no pr�ximo dia 30.
“V�o ser tr�s m�dulos, com aproximadamente uma hora e meia cada um, totalizando mais ou menos cinco horas. No primeiro, falo do disco ‘Belo Horizonte’, da minha concep��o e do que me levou a fazer cada m�sica. No segundo m�dulo, falo das m�sicas antigas, os cl�ssicos mesmo, como ‘Manuel, o Audaz’, ‘Aqui �’ e outras, por que e onde essas composi��es foram tocadas. E o terceiro m�dulo vai ser mais t�cnico, com os arpejos que fa�o, as harmonias, as progress�es de acorde, din�mica, enfim, meu jeito de tocar”, explica.
DEPOIMENTO
Juntamente com o curso, ele vai lan�ar um material complementar que � em parte did�tico, em parte biogr�fico e hist�rico. Trata-se, na verdade, de um longo depoimento gravado, que Toninho classifica com um document�rio.
“Vamos soltar isso ainda neste m�s. O conte�do sou eu falando sobre v�rias d�cadas da minha carreira, para as pessoas saberem os discos que faziam minha cabe�a, os m�sicos com quem toquei e tudo o mais que vivi na profiss�o at� aqui”, diz.
Segundo ele, a primeira parte do document�rio j� foi gravada e est� com duas horas e meia de dura��o. “Ainda vir�o outras, e a ideia � lan�ar em partes. Sou s� eu falando, com o viol�o na m�o. Isso � um produto para ser vendido”, diz, acrescentando que j� tem postado, em sua conta no Instagram, aperitivos deste material – pequenos v�deos em que comenta passagens de sua carreira ou apresenta elementos caracter�sticos de seu modo de tocar.
As inscri��es para o semin�rio “Movimento musical al�m da montanhas” e para o curso “O jeito de tocar Toninho Horta” ser�o abertas no in�cio de setembro, quando os links e formul�rio estar�o dispon�veis no site do m�sico e no site do Instituto Maestro Jo�o Horta – ambos em processo de estrutura��o.
“Em 2013, um ano antes de minha m�e falecer, com 104 anos, a gente criou o Instituto Maestro Jo�o Horta, que era meu av�, pai dela, como uma forma de homenagem. A ideia, com esse instituto, � que fosse um canal para eu fazer pesquisa acerca do esp�lio dele e desenvolver v�rios projetos de recupera��o de partituras, de mem�ria, para divulgar e dar refer�ncia da boa m�sica de Minas para o mundo. Agora ele vai ganhar um site novo em folha, que tamb�m vai ser plataforma para o semin�rio e para o curso”, diz.
Paulo Santos, integrante do extinto Uakti, divulgou no fim do ano passado um single de seu �lbum que sair� em 2022
(foto: Bernard Machado/Divulga��o)
"O fato de ficar em casa, com tudo fechado, as coisas ficaram dif�ceis, ent�o foi um processo que se desenrolou todo no casulo, digamos assim, eu gravando comigo mesmo. Toquei todos os instrumentos. � um neg�cio radicalmente autoral, porque fiz tudo, compus, toquei, gravei. � uma selfie"
Paulo Santos, multi-instrumentista
Movido pela indigna��o
O multi-instumentista Paulo Santos, integrante do extinto grupo Uakti, � outro veterano da m�sica mineira que, durante o per�odo da pandemia, para driblar o necess�rio isolamento social, mergulhou no pr�prio of�cio – mas de um jeito muito diferente de Toninho Horta.
Ele dedicou-se � cria��o de temas in�ditos cujo resultado � o �lbum "Chama'', seu primeiro trabalho solo desde “Paulo Santos - m�sica para performances de Eder Santos”, lan�ado em 2002. O disco j� est� pronto – o primeiro single, “Ber�o do ar”, foi lan�ado nas plataformas no fim do ano passado. Mas, em raz�o do cronograma do Selo Sesc, de S�o Paulo, que o chancela, o registro s� deve vir � luz em janeiro de 2022.
Paulo conta que este trabalho se vale de temas e esbo�os que j� tinha guardados, mas s� come�ou mesmo a tomar forma em mar�o de 2020. “Comecei a dar o direcionamento desse �lbum quando entramos na pandemia. O fato de ficar em casa, com tudo fechado, as coisas ficaram dif�ceis, ent�o foi um processo que se desenrolou todo no casulo, digamos assim, eu gravando comigo mesmo. Toquei todos os instrumentos. � um neg�cio radicalmente autoral, porque fiz tudo, compus, toquei, gravei. � uma selfie. Mas acho que � essa coisa estranha que aconteceu mesmo e que acho que afetou a cria��o. A m�sica ficou muito intensa dentro da gente”, diz.
BOIADA
“Chama”, segundo seu autor, � um trabalho movido pela indigna��o. “O que deu o start mesmo no processo foi a coisa do desmatamento, aquilo foi chocante, aquele momento no in�cio da pandemia, a hist�ria de passar a boiada”, diz, acrescentando que esse mote justifica o t�tulo do disco.
“Esse foi o gatilho. Como ficou f�cil devastar as coisas, como foi simples, numa reuni�o, um ministro falar em passar a boiada. E voc� junta isso com muitas pessoas morrendo no pa�s, � tudo muito triste. ‘Chama’ tem a ver com a Amaz�nia, com o Pantanal, com Minas Gerais tamb�m, onde morreram 300 pessoas com os rompimentos de barragens, porque � tudo parte das mesmas inconsequ�ncias”, aponta.
Ele n�o esconde sua revolta com o atual estado das coisas, sobretudo no �mbito da pol�tica, e considera que isso naturalmente se reflete na cria��o. “Acho que muitos trabalhos que t�m sa�do v�m com essa espessura, do que a gente est� passando, deste momento que a gente n�o imaginava que pudesse acontecer.”
Por conta da pandemia, n�s, m�sicos, fomos os primeiros a parar e vamos ser os �ltimos a voltar, sem apoio de um Minist�rio da Cultura, que a gente tinha, que garantia um cuidado para com a gente, e que agora n�o existe, � inoperante, � um minist�rio acabado, dissolvido, que est� destruindo a mem�ria. Est�o conseguindo destruir mem�rias incr�veis, e come�a pela cultura. Voc� v� a Cinemateca Brasileira pegando fogo, e, poxa, eu fa�o trilha para cinema. Isso abalou muito”