
“Fiz muitas amizades (nas escolas), jogava bola com a galera no intervalo. N�o estava fazendo pesquisa. Estava trabalhando e, eventualmente, ali, jogando bola com a galera, vendo o que estava acontecendo, entendendo as estruturas das escolas”, diz Cardoso, de 45 anos.
Anos depois da realiza��o das oficinas, o diretor se deparou com alunos arremessando pedras na porta de uma escola e descobriu que o estopim foi a expuls�o injusta de um aluno. Foi quando ele decidiu discutir o que o sistema educacional reserva para os mais pobres no Brasil, especialmente a popula��o negra.
PRIS�ES
“Muitas escolas p�blicas foram erguidas, inclusive arquitetonicamente, para simular pris�es. Existe uma certa l�gica ali que � muito excludente”, diz. No filme, os celulares e a internet nas m�os de jovens s�o apresentados como ferramentas capazes de alterar a realidade do racismo e da precariedade do sistema p�blico de educa��o.
Apesar dos problemas ligados � tecnologia no desenvolvimento dos jovens, o diretor acredita que o mundo digital traz pontos positivos para o combate ao racismo atrav�s da democratiza��o da informa��o. Ele cita como exemplo a repercurss�o do assassinato de George Floyd, em maio de 2020, nos EUA, que gerou protestos em diversos pa�ses.
Ao mesmo tempo, “Cabe�a de nego" destaca a import�ncia de uma �nica professora para mudar a realidade de um jovem. Saulo tem acesso a livros sobre os Panteras Negras e o debate racial gra�as � professora Eliane, interpretada por J�ssica Ellen. A atriz conquistou o papel antes de viver a professora de hist�ria Camila, que luta contra o preconceito e as injusti�as sociais na novela “Amor de m�e” (2019), da Rede Globo.
“Todos n�s tivemos um professor ou uma professora marcante, que fez a gente enxergar por um vi�s diferente”, comenta o diretor. “Cabe�a de nego” salienta como o racismo permeia diversos setores da sociedade brasileira. “Se o racismo ainda est� vivo, � porque a gente n�o soube combat�-lo. A ferida est� aberta desde a �poca do Brasil col�nia”, afirma.
Enquanto escrevia o roteiro, o diretor testemunhou a ascens�o de um pensamento revisionista da hist�ria do negro na sociedade brasileira, respaldado pelo governo federal. “O cara chega na televis�o e diz que os pr�prios africanos escravizaram e se venderam para o europeu, sem contextualizar em que situa��o isso aconteceu. Ele apenas traz isso. Ent�o o filme � um fruto do que a gente est� vivendo e eu quero muito fazer outros (longas sobre o tema).”
D�o Cardoso fez quest�o de n�o identificar o local onde o filme se passa para demonstrar como a realidade apresentada se enquadra em qualquer parte do Brasil. O final da trama � aberto a diferentes interpreta��es e convoca os espectadores � reflex�o. Ao encarar o sistema, o protagonista provoca cada um a se posicionar em torno das agress�es frequemente sofridas pelos negros, inclusive com refer�ncias ao assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, em 2018. Para o diretor, � uma forma de questionar “de que lado a gente vai ficar”.
“Cabe�a de nego” conquistou apoio financeiro para a distribui��o do fundo do Festival Gotemburgo, na Su�cia, destinado a projetos audiovisuais inovadores em pa�ses onde a liberdade de express�o est� amea�ada.
O diretor se diz t�o ansioso para a estreia quanto estava na primeira exibi��o do longa, ocorrida na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2020, que terminou com aplausos de p� da plateia. “Eu me lembro que desabei, me escondi no cantinho e chorei, porque estava tenso. Foi aquele choro de al�vio, eu estava na cabe�a que a galera ia vaiar (risos).”
O diretor acredita que a ascens�o do cinema negro e da periferia brasileira � fruto de pol�ticas p�blicas na educa��o e no audiovisual. Ele cita como exemplo a produtora mineira Filmes de Pl�stico, de Contagem.
“O surgimento de uma cena de cinema negro, LGBTQUIA%2b, de mulheres, esse cinema indentit�rio � fruto de pol�ticas p�blicas necess�rias. Qualquer pa�s que se preze precisa ser diverso. Tem vaga para tudo, tem p�blico para tudo.”
“CABE�A DE N�GO”
(Brasil, 2020, 1h25min). Dire��o e roteiro: D�o Cardoso. Classifica��o: 14 anos. Em cartaz a partir desta quinta-feira (21/10), no Cine UNA Belas Artes (Sala 1, �s 16h)
*Estagi�rio sob a supervis�o da editora Silvana Arantes