
A antiga farm�cia da fam�lia e a casa onde os Freire viveram em Boa Esperan�a, no Sul de Minas, at� se mudarem para o Rio de Janeiro foram demolidas h� mais de 15 anos. Na esquina da Pra�a Coronel Neves com a Rua Presidente Vargas, mais conhecida como Rua Direita, h� apenas uma placa na cal�ada, j� desgastada pelo tempo. L�-se: “Aqui nasceu Nelson Freire”.
Foi naquela casa que o pianista brasileiro mais bem sucedido internacionalmente teve seu primeiro contato com as teclas. Garoto prod�gio, ele precisou deixar o interior de Minas para se dedicar aos estudos no Rio de Janeiro. Mas se h� algo que Jos� Freire, o seu Ded�, e Augusta Pinto Neves ensinaram aos filhos Nelma, N�lio, Nirval, Norma (j� falecida) e Nelson foi a import�ncia das ra�zes na forma��o do ser humano.
“A raiz mineira n�o te solta. Nem que voc� queira. Mas a gente n�o quer. A alma mineira, como dizia Carlos Drummond de Andrade, � algo para toda a vida”, garante Nelson Freire. Cerca de 65 anos depois de deixarem a cidade, Nelma e Nirval contemplavam com saudade o lugar onde cresceram.
NA PRA�A
No fim de semana, afeto e mem�ria inundaram a cidade de 54 mil habitantes. Na manh� de ontem, quem sa�a da missa das 10h deparou com o conterr�neo ilustre na pra�a. Acompanhado da irm� e de um primo, Nelson Freire n�o se cansava de comentar o qu�o emocionante foi a noite de s�bado. Conhecido pela discri��o e timidez, o pianista aceitou todos os pedidos de selfies, fazendo quest�o de receber os cumprimentos de sua gente.
S�bado � noite, o concerto ao ar livre de Nelson com a Orquestra Filarm�nica de Minas Gerais uniu ainda mais a fam�lia Freire com a sua gente. Sete mil pessoas, segundo estimativa da Pol�cia Militar, foram ouvi-lo tocar. A maior parte do p�blico assistiu a seu primeiro concerto e teve a oportunidade de ser apresentada ao conterr�neo-celebridade. Fundada no in�cio do s�culo 19, Boa Esperan�a nunca havia recebido uma orquestra. “O objetivo era esse”, comentou Nelson, ontem de manh�, enquanto caminhava ao lado da irm�, Nelma, at� a Casa de Cultura para o lan�amento do livro sobre sua trajet�ria escrito por Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza.
“Para quem entende de m�sica, deve ter sido um transporte para outro mundo. Para n�s, que n�o conhecemos profundamente, foi um deslumbramento, um sonho, um marco na nossa vida”, resumiu Jane Marilda de Oliveira, presidente da Academia Dorense de Letras.
MEM�RIA
Boa Esperan�a parece ter acordado para a necessidade de preservar sua mem�ria. O concerto de s�bado deixou frutos: ser� reaberto o Conservat�rio de M�sica, que tem o pianista como patrono, e foram anunciadas a inaugura��o de uma sala dedicada a ele, na Casa da Cultura, e a constru��o de um bulevar na Rua Nelson Freire, no Centro. A ideia � fech�-la para o tr�nsito de ve�culos e instalar um monumento. Nelson aproveitou a visita para gravar as m�os no gesso da placa que ficar� na cal�ada da fama. Entretanto, ainda falta patroc�nio para levar o projeto adiante.
Amiga pessoal do pianista, a atriz Pepita Rodrigues foi a Boa Esperan�a. Desde 1987, ela acompanha os concertos dele em v�rios pa�ses. “Na Pol�nia, Nelson � conhecido como a reencarna��o de Chopin. Em Paris, � o deus do piano – e ele sempre falando de Boa Esperan�a... O povo daqui sabe que o Nelson � de casa. Ele � famoso, mas n�o tem a dimens�o do que representa”, afirma.
Bastante entusiasmada, a atriz diz que Boa Esperan�a tem potencial para receber turistas de todo o mundo interessados em conhecer a cidade de Nelson. Assim como ocorre com Aracataca, na Col�mbia, terra de Gabriel Garc�a M�rquez. E defende a reconstru��o da casa da fam�lia Freire, assim como ocorreu com a resid�ncia do autor de Cem anos de solid�o. “N�o tem que esperar o grande artista morrer pra fazer alguma coisa. Tem que reconstruir a casa, ele sabe cada detalhe dela. N�o � o caso de p�r plaquinha no ch�o dizendo ‘Aqui nasceu Nelson Freire’”, diz Pepita. Sempre discreto, o homenageado apenas balan�a a cabe�a e sorri.
Ali�s, nos �ltimos dias, o sorriso foi constante no rosto de Nelson Freire. Como � de lei em Minas, ele ganhou almo�o domingueiro na fazenda da fam�lia. No card�pio, a tradicional leitoa. “J� pedi pra separar aquelas partes de que voc� gosta”, avisou o primo, Celso Freire, � visita ilustre.
O presente especial para Nelson
“Quem est� vendo pela primeira vez uma orquestra?”, perguntou o maestro Fabio Mechetti diante das 7mil pessoas que no s�bado � noite foram � Pra�a do F�rum, em Boa Esperan�a, ouvir o pianista Nelson Freire e a Orquestra Filarm�nica de Minas Gerais. Cerca de 70% levantaram a m�o.
Mechetti foi did�tico: apresentou as cordas, detalhou a diferen�a do violoncelo para a viola e assim por diante, naipe por naipe. Falou para uma plateia encantada, que, minutos antes, ouvira em sil�ncio o Concerto para piano nº 4 em sol maior, op. 58, de Beethoven.
Escolhida por Nelson Freire para sua primeira apresenta��o ao ar livre com orquestra na cidade natal, a pe�a n�o � das mais f�ceis. � longa, muito �ntima.“Espero que sirva de incentivo para as pessoas pensarem mais nas artes, na m�sica e ficarem menos materialistas, porque isso faz muita falta e bem ao ser humano. A m�sica � uma linguagem maravilhosa, universal”, comentou o pianista assim que deixou o palco, todo sorridente. Via-se ali um homem realizado.
SURPRESA
O concerto fez parte do projeto de interioriza��o da m�sica cl�ssica promovido pelo Instituto Cultural Filarm�nica. O Hino Nacional Brasileiro, de Francisco Manuel da Silva, abriu o programa, que contou tamb�m com a abertura de O navio fantasma, de Wagner; Valsadas flores, deTchaikovsky; e a protofonia de Oguarani, de Carlos Gomes. Nenhuma delas emocionou tanto quanto a surpresa preparada pela Filarm�nica, que tocou Serrada Boa Esperan�a, de Lamartine Babo, como um presente para Nelson e sua terra natal.
Composta em 1937, essa joia de Lamartine, homenagem � cidade mineira, ganhou agora sua primeira vers�o orquestral, encomendada ao compositor J�natas Reis, vencedor do concurso Tinta Fresca 2015.