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Estado de Minas CULTURA

Fernanda Montenegro � eleita para a ABL: conhe�a os bastidores da disputa

Atriz � s� a 9� mulher a ocupar uma cadeira da academia. Outras quatro posi��es est�o vagas e ser�o definidas nas pr�ximas semanas


04/11/2021 21:04 - atualizado 04/11/2021 21:04

Fernanda Montenegro
A atriz Fernanda Montenegro � a mais nova imortal (foto: EURIVALDO BEZERRA)
A atriz Fernanda Montenegro foi eleita na quinta-feira (4/11) a mais nova imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL).

 

Fernanda, que era a �nica concorrente � vaga, recebeu 32 votos. Aos 92 anos, ela ser� a primeira mulher a assumir a cadeira 17 e suceder� o diplomata Affonso Arinos de Melo Franco (1930-2020).

 

Os ocupantes anteriores foram o escritor S�lvio Romero, o poeta Os�rio Duque-Estrada, o antrop�logo Roquette-Pinto, o cr�tico liter�rio �lvaro Lins e o fil�logo Antonio Houaiss.

 

"Fernanda Montenegro � um dos grandes �cones da cultura brasileira. Intelectual engajada e sens�vel leitora do real. Sua presen�a enriquece os la�os profundos da Academia com as artes c�nicas", disse o presidente da ABL, Marco Lucchesi.

A atriz � apenas a nona mulher eleita para a ABL ao longo dos 124 anos de hist�ria da academia.

 

Antes de dela, tornaram-se imortais Rachel de Queiroz (1977), Dinah Silveira de Queiroz (1980), Lygia Fagundes Telles (1985), N�lida Pi�on (1989), Z�lia Gattai (2001), Ana Maria Machado (2003), Cleonice Berardinelli (2009) e Rosiska Darcy de Oliveira (2013).


A escritora Ana Maria Machado
A escritora Ana Maria Machado � um das poucas mulheres na hist�ria da ABL (foto: Acervo ABL)

"Posso estar enganada, mas acho que � in�dito algo como o que est� acontecendo agora, de ningu�m concorrer com Fernanda Montenegro", observa a acad�mica Ana Maria Machado, ocupante da cadeira 1 e presidente da institui��o entre 2012 e 2013.

 

"Talvez seja um sinal de como ela se constitui num �cone cultural, embora seja uma atriz - a rigor um perfil algo ins�lito para a Casa de Machado de Assis. D� ideia de seu valor simb�lico hoje".

 

Muito antes de Rachel de Queiroz (1910-2003) se tornar a primeira mulher a vestir o fard�o de ramos de caf� bordados com fios de ouro, outras mulheres tentaram.

 

A primeira delas foi a jornalista Am�lia de Freitas Bevil�qua (1860-1946). Em 1930, escreveu uma carta ao ent�o presidente da casa, Alo�sio de Castro (1881-1959), propondo sua candidatura. Em v�o.

 

Quarenta anos depois, Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982) tamb�m cumpriu os protocolos da academia: entregou uma carta oficializando sua inscri��o e disponibilizou suas obras para os acad�micos. De nada adiantou. Um ano depois, tentou novamente. E, em 1979, mais uma vez. S� foi eleita em 1980.

 

"Historicamente, as candidaturas femininas foram n�o s� reiteradamente condenadas e rejeitadas pela esmagadora maioria dos membros da academia, como sua proibi��o foi incorporada ao regimento interno da ABL em 1951", afirma Michele Asmar Fanini, doutora em sociologia pela Universidade de S�o Paulo (USP) e autora da tese Fardos e Fard�es: Mulheres na Academia Brasileira de Letras (1897-2003).

 

"A proibi��o regimental �s candidaturas femininas vigorou at� 1976. Em seus primeiros 80 anos de exist�ncia, tornar-se 'imortal' correspondia a uma prerrogativa exclusivamente masculina". Hoje, apenas cinco dos 40 acad�micos, o que corresponde a 12,5% do total, s�o do sexo feminino.

 

Em agosto de 2018, Concei��o Evaristo bem que tentou, mas n�o conseguiu se eleger. Ela concorreu � cadeira 7, que pertenceu ao cineasta Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), mas s� obteve um voto. Cac� Diegues conquistou 22 votos e Pedro Corr�a do Lago, 11.

 

De nada adiantaram, entre outras iniciativas, o "tuita�o" usando a hashtag #Concei��oEvaristonaABL e uma peti��o online com 40 mil assinaturas. Se tivesse conseguido se eleger, Concei��o seria a primeira mulher negra a se tornar uma imortal da ABL.

Vagas em disputa


Membros da ABL usando uniformes dourado
A ABL foi fundada em 1897 (foto: Acervo ABL)

Fundada em 20 de julho de 1897, a ABL sempre vira not�cia quando um de seus membros morre e a cadeira que ocupava torna-se alvo da cobi�a de aspirantes a "imortais".

 

Atualmente, al�m da que ser� agora ocupada por Fernanda Montenegro, outras quatro s�o disputadas por 22 candidatos - h� desde cantor e advogado at� m�dico, economista e representante ind�gena.

 

E esse n�mero n�o � maior porque dois pretendentes adiaram suas candidaturas: o jornalista Edney Silvestre e a professora universit�ria Raquel Naveira.

 

"Quero muito representar meu estado, o Mato Grosso do Sul, mas, por motivos pessoais, deixei para uma pr�xima oportunidade", justifica Naveira.

No dia 11, ser� escolhido o sucessor do jornalista Murilo Melo Filho (1928-2020). S�o tr�s os pretendentes � cadeira 20: Gilberto Gil, Salgado Maranh�o e Ricardo Daudt.


Daniel Mundukuru
Daniel Munduruku � candidato � cadeira 12 (foto: Arquivo Pessoal)

"Seguindo um certo protocolo informal, n�o pretendo falar sobre a campanha", respondeu Maranh�o, por e-mail. O atual presidente da ABL tamb�m declinou do convite. "Por tradi��o, presidentes n�o falam da elei��o. � uma regra", justificou Marco Lucchesi, por correio eletr�nico.

 

No dia 18, a disputa ser� pela cadeira 12, que pertenceu ao cr�tico liter�rio Alfredo Bosi (1936-2021). Mais tr�s candidatos: Paulo Niemeyer, Joaquim Branco e Daniel Munduruku. "Sou um educador que escreve ou um escritor que educa", define Munduruku.

 

"Sempre tive como meta dar visibilidade � tem�tica dos povos ind�genas para tentar aproximar nossos saberes dos saberes da cultura ocidental. Ambos t�m uma riqueza muito grande e podem se ajudar a construir uma vis�o de sociedade capaz de estabelecer um caminho novo para o Brasil que queremos".

 

Para Joaquim Branco, outro candidato � cadeira 12, a parte mais dif�cil da campanha � "advogar em causa pr�pria". "Como algu�m dizer que � merecedor disso ou daquilo?", indaga. "Sei que sou um autor mineiro com 35 livros publicados e alguns pr�mios liter�rios no Brasil e no exterior. Escrevi, como de praxe, a cada acad�mico dando meus motivos e pretens�es � vaga. Resta aguardar para ver".

 

No dia 25, seis candidatos disputam a vaga deixada pelo advogado Marco Maciel (1940-2021). S�o eles: Jos� Paulo Cavalcanti, Ricardo Cavaliere, Godofredo de Oliveira Neto, Luiz Coronel, Camilo Martins e Leandro Gouveia.

 

"Estar na Casa onde estiveram o autor de Br�s Cubas e o de Grande Sert�o: Veredas � uma honra para qualquer escritor. Conviver com intelectuais por quem tenho admira��o e respeito, idem. E, de quebra, uma oportunidade para representar literariamente o estado de Santa Catarina", afirma Oliveira Neto.

 

No caso de Ricardo Cavaliere, quem o estimulou a candidatar-se foi o acad�mico Evanildo Bechara. Perto de completar 94 anos, Bechara est� preocupado com o futuro do setor de Filologia e Lexicografia da ABL. "Os estatutos da Academia conferem-lhe o dever de cultivar a l�ngua e a literatura nacional. Trata-se de uma voca��o que a Casa de Machado de Assis n�o pode olvidar em respeito � vontade de seu patrono maior. Creio poder contribuir para o cumprimento deste compromisso".

 

Por �ltimo, mais dez nomes disputam o voto dos acad�micos: S�rgio Bermudes, Gabriel Chalita, Eduardo Giannetti da Fonseca, S�mia Macedo, Ant�nio H�lio da Silva, Jos� Humberto da Silva, Eloi Angelos Ghio D'Aracosia, Jeff Thomas, Jos� William Vavruk e Joana Rodrigues Alexandre Figueiredo.

 

A elei��o ser� no dia 16 de dezembro e quem vencer ocupar� a cadeira 2, do fil�sofo Tarc�sio Padilha (1928-2021).

 

"A campanha por uma cadeira na Academia � �rdua porque s�o muitos os pretendentes e poucos os lugares", sintetiza Bermudes.

Ainda em dezembro, outra elei��o: a do pr�ximo presidente da ABL. O nome mais cotado para substituir Lucchesi � o do jornalista Merval Pereira. O ocupante da cadeira 31, se confirmado, ser� o 47º presidente da ABL. Quem ocupou o cargo por mais tempo foi Austreg�silo de Athayde (1898-1993): 34 anos.

Como ocorre a vota��o

Cada um dos candidatos precisou enviar carta, telegrama ou e-mail ao atual presidente da institui��o, Marco Lucchesi, no cargo desde 2018. Para ser eleito, o postulante precisa ter metade dos votos mais um. O voto, a prop�sito, � secreto e a sess�o, h�brida.

 

H� acad�micos que moram em outros Estados, como Lygia Fagundes Telles, em S�o Paulo, e pa�ses, caso de Paulo Coelho, na Su��a. No total, podem ser realizados at� quatro escrut�nios no mesmo dia. Se ningu�m conquistar a maioria dos votos, a elei��o � encerrada e tem in�cio uma nova fase de inscri��es. Terminada a contagem dos votos, as c�dulas s�o queimadas.

 

Antes da pandemia, cada acad�mico podia receber at� R$ 12 mil, considerando uma ajuda de custo mensal de R$ 3 mil, mais participa��o em duas reuni�es semanais, uma �s ter�as e outra �s quintas, al�m de um bom plano de sa�de. No ch� das quintas-feiras, entre um gole e outro, hist�rias que mais parecem anedotas.

 

Como a vez em que Aur�lio Buarque de Hollanda (1910-1989), vestido de fard�o, apanhou �s pressas um t�xi e ouviu do motorista que se acalmasse: "Do jeito que o senhor est� vestido, a cerim�nia n�o vai come�ar enquanto o senhor n�o chegar".

 

Segundo o artigo 2º do estatuto da ABL, "s� podem ser membros efetivos da Academia os brasileiros que tenham, em qualquer dos g�neros de literatura, publicado obras de reconhecido m�rito ou, fora desses g�neros, livro de valor liter�rio".

 

"Para ser candidato, duas condi��es s�o essenciais: ser brasileiro e ter escrito pelo menos um livro", resume o acad�mico Arnaldo Niskier, o ocupante da cadeira n�mero 18 e presidente da institui��o entre 1998 e 1999. "Por causa disso, o teatr�logo Pedro Bloch (1914-2004) n�o p�de se candidatar. Era nascido na Ucr�nia".

 

Machado ressalva que "n�o h� a menor pretens�o ou obriga��o de ler todos os livros de todos os aspirantes". "N�o precisamos ler todos os livros de todos os aspirantes a vagas para sabermos quem � quem. Levamos em conta outros aspectos. Como, por exemplo, a busca de um certo equil�brio de saberes ou a possibilidade de um conv�vio ameno. Isso pode eventualmente dificultar a entrada de um rabugento not�rio ou de um briguento insuport�vel".

 

Secchin afirma que "n�o h� receita infal�vel" para ingressar na ABL. At� o ritual das visitas, pondera, deixou de ser norma. "A conviv�ncia entre n�s � vital�cia e compuls�ria, at� que a morte nos separe: n�o h� div�rcio na Academia", diz.

"O ideal � que o postulante tenha algum conv�vio pr�vio com os acad�micos, pois o voluntarismo quase sempre d� errado: algu�m supor que tem de entrar simplesmente porque se considere merecedor, independente das circunst�ncias. E elas s�o important�ssimas. Saber perder com eleg�ncia hoje pode ser trunfo para uma vit�ria amanh�". Palavra de imortal.

Barrados na academia


Foto histórica de membros da Academia Brasileira de Letras
Alguns dos maiores escritores brasileiros concorreram e n�o se elegeram � ABL (foto: Acervo ABL)

A mais disputada elei��o da hist�ria da ABL ocorreu no dia 21 de agosto de 2008. Dezenove inscritos, como Ant�nio Torres e Ziraldo Alves Pinto, disputaram a cadeira 23, que pertencia � escritora Z�lia Gattai (1916-2008). O escolhido foi o jornalista Luiz Paulo Horta (1943-2013).

 

Uma curiosidade: quando Horta morreu, cinco anos depois, quem assumiu sua vaga foi Torres. "A ABL � uma das institui��es culturais mais respeitadas do pa�s. E fala de modo muito intenso ao imagin�rio da na��o", explica Ana Maria Machado.

 

"Celso Furtado (1920-2004) contava que os feirantes da rua onde ele morava se orgulhavam de dizer que ali residia um membro da ABL, como se nada mais do que ele fez na vida tivesse import�ncia".

 

Ingressar na ABL n�o � nada f�cil. Muitos tentarame n�o conseguiram. Monteiro Lobato (1882-1948) foi um deles. O mais importante nome da literatura infanto-juvenil brasileira tentou duas vezes: em 1922, perdeu para Eduardo Ramos (1854-1923) e, em 1926, para Adelmar Tavares (1888-1963), ambos juristas.

 

"A ABL � uma confraria. Consegue votos suficientes para entrar nessa confraria quem cumpre certos rituais de 'beija-m�o' e se mostra af�vel e prestigioso o suficiente para ser aceito no 'clube'. E isso tem pouqu�ssimo a ver com a qualidade da obra de quem entra ou n�o ali", observa o jornalista e cr�tico liter�rio Rodrigo Casarin.

 

Lima Barreto (1881-1922) � outro bom exemplo. O autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911) bateu � porta da ABL em tr�s ocasi�es. "Na �ltima, desistiu", conta a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, autora de Lima Barreto - Triste Vision�rio (2017).

 

"Penso que Lima n�o tinha o 'modelo moral e bem-comportado' da academia". Em compensa��o, o inventor Santos Dumont (1873-1932), o pol�tico Get�lio Vargas (1883-1954) e o empres�rio Assis Chateaubriand (1892-1968) conseguiram se eleger.

 

Em 1940, o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) tentou ingressar na ABL. Como manda o protocolo, redigiu carta ao ent�o presidente da casa, o historiador Celso Vieira (1878-1954), se declarando candidato � sucess�o de Luiz Guimar�es Filho (1878-1940).

 

Quando soube da decis�o de Bandeira, Menotti Del Picchia (1892-1988) retirou sua candidatura. Com isso, sobrou, apenas, Oswald de Andrade (1890-1954). Contados os votos, Bandeira ganhou de lavada: 21 a um. H� controv�rsia sobre quem teria votado em seu oponente: se Cassiano Ricardo (1895-1974) ou Guilherme de Almeida (1890-1969).

 

"Nesse ano, Oswald de Andrade chamou a academia de 'asilo de impotentes'", escreveu Daniel Piza (1970-2011) no livro Academia Brasileira de Letras - Hist�rias e Revela��es (2003). "Certamente, sua pouca aceita��o vinha de sua l�ngua bipartida".

 

Em 1980, outro poeta, M�rio Quintana (1906-1994), tamb�m tentou a sorte. Encorajado pelo Pr�mio Machado de Assis, que recebera um ano antes pelo conjunto da obra, anunciou sua candidatura � vaga aberta pela morte de Ot�vio de Faria (1908-1980).

 

Teria como concorrente o ex-ministro da Educa��o do governo Figueiredo, Eduardo Portella (1932-2017). Quintana, por�m, n�o teve o mesmo �xito de Bandeira. Perdeu por 31 a 6. Abalado, deu entrada numa cl�nica de repouso em Porto Alegre.

 

"Quintana apresentou-se em ocasi�es pouco prop�cias", avalia o acad�mico Ant�nio Carlos Secchin, ocupante da cadeira 19, "desconsiderando que muitos acad�micos, que certamente votariam nele em outro momento, n�o poderiam faz�-lo por j� estarem previamente comprometidos".

 

A ideia de "academizar not�veis" partiu de Joaquim Nabuco (1849-1910), um dos fundadores da ABL. Em 1898, ele sugeriu a Machado de Assis (1839-1908) o nome do Bar�o de Rio Branco (1845-1912), ministro das Rela��es Exteriores. Segundo relato do acad�mico Carlos Heitor Cony (1926-2018) no artigo A Academia e o Tempo Brasileiro, Machado hesitou, alegando que "o bar�o n�o tinha livro publicado". Nabuco argumentou: "Rio Branco est� escrevendo o mapa do Brasil". E o bar�o tornou-se acad�mico.

 

Por outro lado, houve quem nunca sonhou em tomar o tradicional ch� das quintas-feiras, com direito a bolo, suspiros e biscoitos, entre outros quitutes saborosos. Caso de Graciliano Ramos (1892-1953), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Clarice Lispector (1920-1977).

 

Em Todas as Cartas (2020), a escritora ucraniana naturalizada brasileira admite, em bilhete escrito a Lygia Fagundes Telles, em novembro de 1977: "Quero dizer que, apesar do grande respeito que tenho pela Academia, eu jamais aceitaria entrar nela". "A gente d� um espirro, j� pensam que estamos morrendo e querem a nossa vaga", completou a autora de A Paix�o Segundo G.H . (1964).

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