Vingan�a (dos ricos) com as pr�prias m�os � o tema do longa "A jaula"
M�dico emprega t�cnicas de tortura para punir marginal que tenta furtar objetos de seu carro no longa de Jo�o Wainer, que estreia nesta quinta (17/2)
Chay Suede teve Ferrez como consultor de g�ria e cortou o cabelo com o cabeleireiro de Mano Brown para viver um jovem infrator da periferia paulistana (foto: STAR/DIVULGA��O
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"Acho que 'A jaula' vai significar coisas diferentes em muitas �pocas e lugares diferentes. Isso para mim � filme bem-sucedido. Este per�odo que vivemos com essa escalada bizarra � longo, n�o � de agora, n�o � de quatro, 10 anos atr�s, foi sendo constru�do tijolo a tijolo"
Chay Suede, ator
Alguns anos atr�s, um roteiro argentino chegou � produtora paulistana TX Filmes. Os autores eram Mariano Cohn e Gast�n Duprat, em alta pelo sucesso do filme “O cidad�o ilustre” (2016). Para que a hist�ria de “A jaula” fosse filmada no Brasil havia um pr�-requisito: tinha que ser assinada por um diretor estreante, que n�o tivesse outro trabalho em fic��o.
Um dos s�cios da TX, o documentarista e fotojornalista Jo�o Wainer, viu o roteiro como um presente. J� com ganas de trabalhar com fic��o, entrou de cabe�a na hist�ria. Filmou “A jaula” em 2018, quando Jair Bolsonaro tinha acabado de ser eleito – a pandemia atrasou o lan�amento do filme, que chega nesta quinta-feira (17/2) aos cinemas.
“Naquele momento, imaginei como o Brasil estaria quando o filme fosse lan�ado. Pensei que o ‘cidad�o de bem’ estaria cada vez mais empoderado, com a vingan�a saindo do campo das ideias e entrando para o da realidade, j� que havia um governo estimulando as pessoas a fazerem justi�a com as pr�prias m�os. Infelizmente, eu estava certo”, diz Wainer.
O filme, lan�ado quase quatro anos depois de rodado, � de uma atualidade gritante. Chay Suede � Djalma, um ladr�o da periferia de S�o Paulo que entra com facilidade em um SUV preto numa rua pacata. Sua inten��o � roubar o equipamento de �udio, algum pertence que esteja no ve�culo e dar o fora. Com muita surpresa, ele descobre que consegue entrar, mas n�o sair.
Alexandre Nero interpreta o m�dico que controla remotamente o seu ve�culo blindado na trama do longa, cujo roteiro original � argentino
(foto: STAR/DIVULGA��O)
"O Brasil � violento desde sempre, e caras como este aparecem de tempos em tempos. Bolsonaro � o fascista da vez"
Jo�o Wainer, diretor
VINGAN�A
O carro pertence a um m�dico, Henrique (Alexandre Nero), um autodenominado “cidad�o de bem” que, depois de ter sido roubado 28 vezes, armou seu plano de vingan�a. Tornou o carro uma caixa-forte: todo blindado, com sistema � prova de som. Quem est� de fora n�o consegue ouvir ou ver o que se passa dentro.
Tudo � comandado por Henrique remotamente, que conversa com Djalma pelo sistema de som do carro. Os dias e noites passam, e Djalma permanece na gaiola, sem �gua, comida e ainda suscet�vel �s torturas f�sicas e psicol�gicas infligidas pelo m�dico. Primeiramente a dist�ncia, e depois in loco.
O pr�prio Mariano Cohn filmou a hist�ria na Argentina, o longa “4X4” (2019), in�dito no Brasil. Wainer manteve o roteiro original, mas com algumas adapta��es, como a personagem interpretada por Astrid Fontenelle, uma �ncora de programa jornal�stico mundo c�o, com forte direcionamento direitista. Do lado de dentro do carro, Djalma vai acompanhando o mundo � sua volta – v� um homem negro, que havia tentado entrar no mesmo carro, ser quase linchado pela popula��o.
“A viol�ncia na Argentina � diferente da viol�ncia no Brasil. Precisei trazer uma tinta, como essa capa meio ‘bolsominion’”, comenta Wainer, lembrando que a justi�a com as pr�prias m�os n�o vem do atual ocupante da presid�ncia. “O Brasil � violento desde sempre, e caras como este aparecem de tempos em tempos. Bolsonaro � o fascista da vez.”
MALOQUEIRO
Com o roteiro em m�os, Wainer pensou, logo de cara, em unir Alexandre Nero e Chay Suede, que tinham interpretado em 2014 o mesmo personagem, Jos� Alfredo Medeiros, na novela “Imp�rio”. “Queria deixar o Chay, que � um cara bonito, com cara de maloqueiro. Trouxe o cabeleireiro do Mano Brown para fazer o cabelo dele, o (escritor) Ferr�z para dar consultoria de g�ria. Se voc� olhar o Chay hoje e vir o Djalma, n�o parece a mesma pessoa.”
As filmagens de “A jaula” fugiram do convencional. Como o filme � ambientado em um cen�rio �nico, a rua onde o carro est� estacionado � cenogr�fica. Wainer filmou a hist�ria em ordem cronol�gica, acompanhando assim a degrada��o f�sica do personagem. E utilizou dois carros iguais, uma Pajero. Em um dos ve�culos foram filmadas as cenas externas. O outro, diz o diretor, para as internas, foi todo picotado, “como um Lego”.
A viol�ncia urbana e os contrastes sociais s�o o grande tema de Wainer, que assinou document�rios como “Pixo” (2009) e “Junho: O m�s que abalou o Brasil” (2014). Entrar na fic��o era o passo seguinte. “Brinco que comecei a fotografar e 10 anos mais tarde perdi o frio na barriga. Ent�o fui para o document�rio e voltei a ter o frio na barriga. Dez anos depois, quando perdi de novo, vi que era hora de come�ar mais uma vez”, afirma.
“A JAULA”
(Brasil, 2022, 101min, de Jo�o Wainer, com Chay Suede e Alexandre Nero) – Estreia no BH 8, �s 17h e 22h; Cidade 1, �s 14h (seg a quarta) 16h10, 18h30 e 20h40 (quinta e sexta e seg a quarta) e 11h, 13h10, 15h20, 17h30 e 19h40 (s�b e dom); Contagem 7, �s 14h45, 16h50, 19h05 e 21h10; Del Rey 1, �s 14h e 19h; Del Rey 6, �s 21h20; Esta��o 5, �s 15h45, 17h45, 19h45 e 21h45; Monte Carmo 1, �s 14h30, 16h35, 18h45 e 20h50.
QUATRO PERGUNTAS PARA…
Chay Suede,
ator
Djalma � um personagem que exigiu muito da parte f�sica como tamb�m da psicol�gica. O que foi mais dif�cil na constru��o do personagem?
Dissociar uma coisa da outra. Dissociar o p�nico, o desespero da expans�o do movimento � muito mais dif�cil do que eu podia imaginar. Tive tamb�m que conseguir o calibre necess�rio para que a degrada��o f�sica fosse cr�vel, constante. Ele chega ao ponto de n�o ter mais for�a, mas o grau de desespero s� aumenta. Tivemos que repetir muitas vezes para conseguir o m�ximo de terror e p�nico e o m�nimo de for�a e energia. Foi estranho tamb�m come�ar a filmar sem o Nero. (Nas filmagens) Eu n�o estava em liga��o com ningu�m, havia algu�m lendo o texto do Nero e eu respondia. Tive que tentar imprimir uma sujeira que a din�mica da liga��o exigia. Interpretar sozinho � muito dif�cil.
O que voc� acha de o filme estar sendo lan�ado agora?
Uma das coisas mais bonitas do cinema s�o filmes que trazem diferentes possibilidades por terem um roteiro atemporal. Acho que ‘A jaula’ vai significar coisas diferentes em muitas �pocas e lugares diferentes. Isso para mim � filme bem-sucedido. Este per�odo que vivemos com essa escalada bizarra � longo, n�o � de agora, n�o � de quatro, 10 anos atr�s, foi sendo constru�do tijolo a tijolo. O filme est� dentro de um recorte muito maior que os �ltimos quatro anos. E parece que o roteiro foi escrito na semana passada, pois est� muito dentro do tempo. No come�o, ficamos tristes pela pandemia ter atrasado o lan�amento, mas ele sair agora faz todo o sentido.
Voc� v� o Djalma como um divisor de �guas na sua carreira?
Em alguns sentidos. Primeiro, na din�mica da filmagem, pois ele dividiu um paradigma que existia na minha cabe�a do que precisa ser um set. E tivemos um set de filmagem at�pico. Ent�o, precisei criar novos apoios e aprender a viver sem alguns. O filme pode ir muito bem, espero que v�, e pode realmente mudar tudo para mim. Mas, para al�m disso, ele dividiu �guas nas minhas possibilidades como ator, na sensa��o do que sou capaz ou n�o de fazer. N�o sou o mesmo ator de 2018. Fosse hoje, possivelmente faria coisas dife- rentes. Isso � tamb�m a beleza do cinema: � o melhor trabalho poss�vel que poderia ter feito naquele momento.
Passaram-se 10 anos desde que voc� estreou na novela “Rebelde”. Tornou-se conhecido do p�blico por causa de novelas, mas no cinema tem dado prefer�ncia a filmes mais autorais. Est� onde imaginava estar?
Fui quebrando pedrinha por pedrinha. Quando terminei “Rebelde”, quis trabalhar com algo em que minha participa��o fosse maior na parte criativa. Voltei a compor, escrever m�sica, mas a profiss�o de ator me chamou de volta por mil motivos. Quando fui fazer “Imp�rio” (2014), tive contato com um professor de atua��o pela primeira vez. O (argentino) Eduardo Milewicz, que � fant�stico, percebendo a minha crueza, me colocou nos ensaios de todo mundo que estava na novela. Foi um neg�cio diferente, pois vi alguns dos atores que considero os maiores do Brasil se alongando de moletom. Foi outro contato com a experi�ncia de ser ator e vi que toda a minha criatividade poderia estar ali. Ent�o, fui correr atr�s de trabalhar com quem mais admirava. Tive oportunidade de trabalhar com grandes artistas e n�o deixar escapar possibilidades menores. Estar no set da Daniela Thomas, por exemplo (ele fez uma pequena participa��o em “O banquete”, de 2018, que tamb�m fala do momento pol�tico-social do Brasil), me trouxe muito aprendizado, que foi al�m da quantidade de cenas que eu teria.