
A primeira coisa que chama a aten��o no filme “A ilha de Bergman”, da francesa Mia Hansen-L�ve, que estreia nesta quinta-feira (24/2) no UNA Cine Belas Artes, � que existe uma esp�cie de Disneyl�ndia em Faro. Ilha do Mar B�ltico no Sudeste da Su�cia, tem grandes forma��es rochosas, solo est�ril, invernos dific�limos e, at� a d�cada de 1990, era proibida a estrangeiros por causa de uma instala��o militar do governo, hoje desativada.
Pois foi em Faro que o cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007) morreu. Est� enterrado ali, ao lado de sua quinta e �ltima mulher, Ingrid von Rosen. Descobriu a ilha nos anos 1960, quando j� era um cineasta de fama internacional. Filmou no local os longas “Atrav�s de um espelho” (1961), “Persona” (1966), “Vergonha” (1968), “A paix�o de Ana” (1969) e a s�rie “Cenas de um casamento” (1973).
Construiu uma casa, mais tarde adquiriu uma pequena fazenda – o est�bulo foi transformado em sua sala de cinema e o galp�o virou o guardi�o de seu acervo de filmes. Em 2003, quando se aposentou, mudou-se definitivamente para Faro.
TEMPORADA EM FARO
Em “A ilha de Bergman”, os cineastas e roteiristas Chris (Vicky Krieps, de “Trama fantasma”) e Tony (Tim Roth) v�o passar uma temporada em Faro, durante a Semana Bergman, evento anual que ocorre em junho, com proje��es e confer�ncias sobre a obra do cineasta. Tony, um diretor respeitado, vai fazer uma palestra no local. Tamb�m vai aproveitar o momento para se dedicar ao seu novo roteiro.
O longa concorreu � Palma de Ouro no Festival de Cannes no ano passado. Muitos cr�ticos apontaram um prov�vel paralelo entre a trama do longa e a trajet�ria particular da diretora, que foi casada com o cineasta franc�s Olivier Assayas at� 2016. Ela estreou no cinema como atriz, aos 18 anos, num filme de Assayas (“Fin ao�t, d�but septembre”, 1998).
No filme de Mia, o casal se hospeda em uma casa que serviu de loca��o para produ��es de Bergman. Chris se incomoda j� na primeira noite. Como vai dormir na mesma cama onde foi rodada “Cenas de um casamento”, s�rie que contribuiu para div�rcios mundo afora?
O inc�modo dela � maior, na verdade. Em meio a um bloqueio criativo, ela tamb�m se aborrece ao saber detalhes da vida de Bergman. Pergunta-se se a sociedade aceitaria com naturalidade que ela tivesse nove filhos de seis parceiros diferentes, como o cineasta fez em seu tempo.
Chris tampouco pensa em fazer uma imers�o na trajet�ria do cineasta no local – deixa o marido na m�o quando ele embarca num antigo �nibus amarelo para o “Saf�ri Bergman”, um tour pelos lugares mais marcantes que � o campe�o entre os turistas (e o passeio existe tal qual est� no filme). Em vez do marido, ela prefere a companhia de um jovem estudante que conhece bem a regi�o e a leva a lugares que n�o fazem parte do roteiro do saf�ri.
REFER�NCIAS
Mas � imposs�vel ir a Faro e n�o ser dominado pelas refer�ncias do mais denso e angustiante dos cineastas. A partir de certo momento, “A ilha de Bergman” se torna quase que dois filmes em um. Chris finalmente supera o bloqueio e come�a a dar vaz�o ao seu pr�prio filme. Pede sugest�es para Tony, j� que n�o sabe como termin�-lo.
Neste momento, “A ilha de Bergman” traz outra hist�ria, imaginada por Chris. Segue a jovem cineasta americana Amy (Mia Wasikowska), que chega a Faro para o casamento de uma amiga. O que ela quer, na verdade, � retomar um antigo romance com Joseph (Anders Danielsen Lie), que foi seu primeiro amor.
Ambientado ao longo de tr�s dias, o conto incompleto de Chris se desenrola em torno de pequenos e grandes conflitos, como o vestido branco inadequado escolhido por Amy para uma festa de casamento e o breve caso dela com Joseph. � nesta segunda parte que o filme de Mia Hansen-L�ve busca se desvencilhar do peso de rodar um longa na ilha de Ingmar Bergman.
Como uma grande ironia, a cineasta coloca a mais pop das refer�ncias suecas, a banda Abba, como o tema de uma longa sequ�ncia. N�o h� como imaginar “The winner takes it all” em uma hist�ria de Bergman. Mas tais liberdades – e tamb�m um terceiro movimento, na parte final, em que realidade e fic��o se fundem – � que fazem com que a diretora francesa consiga ter voz pr�pria em meio � influ�ncia de um dos mais importantes e prol�ficos cineastas da hist�ria.
“A ILHA DE BERGMAN”
(Fran�a/B�lgica/Alemanha/Su�cia/M�xico, 2021, 112min, de Mia Hansen-L�ve, com Vicky Krieps, Tim Roth e Mia Wasikowska) – Estreia �s 18h30 na Sala 1 do UNA Belas Artes
