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Estado de Minas LITERATURA

Biografia da ativista negra Assata Shakur ganha edi��o brasileira

Publicado originalmente em 1988, livro sobre a trajet�ria da militante antirracismo acusada e procurada pelo FBI sai no Brasil pela editora Pallas


19/07/2022 04:00 - atualizado 18/07/2022 23:20

Caricatura de Assata Shakur carregando livros
(foto: Quinho)

“Me senti sendo arrastada para a cal�ada. Empurrada e esmurrada, um p� sobre minha cabe�a, um chute no est�mago. Policiais por toda parte. Um deles com a arma apontada para minha cabe�a”. � com o relato em forma de flashes do que aconteceu no dia 2 de maio de 1973, quando o policial Werner Foerster foi morto ap�s uma troca de tiros em uma blitz montada em uma rodovia de Nova Jersey, que Assata Shakur inicia sua autobiografia.

Publicada em 1988 nos Estados Unidos, a obra chega agora ao Brasil, em uma edi��o da Pallas, amplificando e aprofundando o debate sobre o racismo ao longo das �ltimas d�cadas. Nascida JoAnne Deborah Chesymard, no Queens, condado de Nova York, h� 75 anos, completados no �ltimo s�bado (16/7), Assata est� na lista de “terroristas mais procurados” pelo FBI, o servi�o de intelig�ncia dos EUA. A informa��o que se tem � que ela vive em Cuba desde 1980.

No in�cio dos anos 70, Assata j� era um nome de proa nos movimentos radicais antirracistas nos EUA, ligada aos Panteras Negras e ao Ex�rcito de Liberta��o Negra, at� ser condenada � pris�o perp�tua pela morte de Foerster – mesmo sem que vest�gios de p�lvora tenham sido encontrados em seus dedos. H� quatro d�cadas, portanto, Assata � considerada foragida, e o FBI oferece uma recompensa de U$ 2 milh�es por sua captura.

Entre abril de 1971 e maio de 1973, ela foi acusada por diversos crimes, de assalto � m�o armada em um hotel a sequestro e assassinato de um traficante de drogas. Alguns desses processos foram arquivados e, em outros, ela foi absolvida, at� que a condena��o veio pela morte do policial.

Lan�amento no Brasil 

Assata foi para a pris�o em 1977 e protagonizou uma fuga cinematogr�fica em 1979, quando foi libertada por tr�s homens negros, que invadiram a cadeia armados com este prop�sito. Tudo isso est� contado em detalhes no livro, cujo lan�amento no Brasil � marcado por dois eventos: um no Rio de Janeiro, realizado na �ltima quinta-feira (14/7), e outro em S�o Paulo, previsto para a pr�xima quarta-feira (20/7).

Tais eventos contam com as presen�as da escritora Cidinha da Silva; da cantora, atriz e ativista Preta Ferreira; da m�dica, ativista, escritora e diretora executiva da Anistia Internacional Brasil Jurema Werneck e da escritora e historiadora Yna� Lopes dos Santos, que assina a apresenta��o da edi��o brasileira de “Assata: uma autobiografia”.

Num determinado trecho dessa introdu��o, ela escreve que o livro � a materializa��o do conceito de “escreviv�ncia” cunhado por Concei��o Evaristo. Em outro, Yna� diz que “a autobiografia de Assata Shakur chega ao Brasil num momento em que sua vida e sua experi�ncia s�o hist�ria e tamb�m possibilidade”.

Possibilidade de a��o 

Ela destaca que a ativista e revolucion�ria � uma das personagens fundamentais da luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos, e que esta �, na verdade, uma luta que transcende as fronteiras do pa�s e atinge uma escala global. 

“A vida de Assata � uma forma de contar a hist�ria. E ela � uma possibilidade de a��o contra o racismo. � uma mulher que tomou medidas tidas como radicais, mas tem uma pauta muito bem definida para o desmonte do sistema racista nos Estados Unidos.”

Ela observa que, nos �ltimos 20 ou 30 anos, a partir da publica��o da autobiografia, o encarceramento em massa de negros nos EUA vem sendo denunciado como fruto de uma pol�tica p�blica. “Criam estratagemas que levam � segrega��o dos n�o brancos”, diz a historiadora.

O que h� de mais revelador no livro, segundo Yna�, � o fato de ele trazer a hist�ria de uma mulher tida como inimiga p�blica n�mero um dos EUA contada por ela pr�pria. “A gente percebe o quanto a hist�ria pode ser forjada, a depender de quem conta. Tamb�m conseguimos entender como a pr�pria estrutura estadunidense criou as condi��es para que Assata existisse, sobretudo pelas m�ltiplas viol�ncias e exclus�es que ela sofreu”, aponta.

"Elas (as vozes negras) deixam de ser objeto de estudo e passam a ser as que estudam, as pessoas que narram, que analisam. No caso da autobiografia, temos uma outra vers�o da hist�ria dos Estados Unidos, contada por uma negra, ativista, que teve que sair do pr�prio pa�s para continuar viva e em liberdade"

Yna� Lopes dos Santos, escritora e historiadora



Vozes negras 

Ela considera fundamental que esse livro esteja dispon�vel agora em uma edi��o brasileira para que se comece a perceber a hist�ria a partir das vozes negras. “Elas deixam de ser objeto de estudo e passam a ser as que estudam, as pessoas que narram, que analisam. No caso da autobiografia, temos uma outra vers�o da hist�ria dos Estados Unidos, contada por uma negra, ativista, que teve que sair do pr�prio pa�s para continuar viva e em liberdade”, diz.

Para Yna�, o que mais chama a aten��o na escrita de Assata � a forma como ela constr�i a narrativa, sem se ater � linearidade dos acontecimentos e jogando luz sobre momentos distintos, entrecruzando passado e presente. A autora da apresenta��o considera que isso torna a leitura muito presente e pulsante, e que a sensa��o � de que se est� diante de um roteiro de filme ou s�rie.

“O livro come�a com o momento em que Assata sobrevive – ou nasce de novo –, ap�s a emboscada policial, e a partir da� o texto vai deixando pistas para que a gente entenda quem � ela, de forma que o leitor possa construir sua pr�pria Assata”, diz, acrescentando que assinar a apresenta��o da edi��o brasileira a ajudou a estabelecer um olhar mais distante, e n�o o de quem est� “mergulhado em um romance”.

Atualidade da obra 

A defasagem de 34 anos entre a publica��o original nos EUA e sua chegada ao Brasil n�o compromete a atualidade da obra, tampouco exige uma contextualiza��o mais estrita, segundo Yna�. Ela diz que a forma como o livro foi escrito explicita o car�ter estrutural do racismo nos EUA e, inclusive, antev� conquistas e retrocessos.

“� uma obra que nos ajuda a entender o racismo nos Estados Unidos no s�culo 20 e no s�culo 21, que permite compreender essas idas e vindas, as a��es mais progressistas, como a elei��o de Barack Obama, que, no entanto, s�o permeadas por casos impactantes, como os que geraram o (movimento) Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, como � chamado no Brasil). Isso tudo mostra a atualidade do que ela conta”, ressalta.

Cidinha da Silva tamb�m n�o considera que o lan�amento no Brasil seja extempor�neo. “� de praxe no Brasil que leiamos com muito atraso reflex�es pol�ticas e filos�ficas que possam abalar as estruturas de um pa�s racista como o nosso; � assim, por exemplo, com o pensamento de James Baldwin e Toni Morrison, entre outros. Demoramos muito a public�-los. A mensagem pol�tica de Assata � atemporal, assim como sua luta contra o capitalismo e o racismo articulados tamb�m”, diz.

Ela acredita que o livro pode contribuir para fortalecer o campo progressista e antirracista no Brasil, e que dialoga diretamente com a Coaliza��o Negra por Direitos – movimento que congrega mais de 250 organiza��es em todo o pa�s. “A leitura arguta de Assata sobre a operacionalidade do racismo no interior do sistema capitalista, ajudando a mant�-lo, � de grande import�ncia para que se firmem alguns entendimentos”, destaca.

Cen�rio de retrocessos 

Yna� dos Santos observa que o Brasil assistiu a avan�os ineg�veis ao longo dos �ltimos 20 anos no que diz respeito ao combate ao racismo, mas pondera que o atual cen�rio pol�tico e social do pa�s evidencia retrocessos. “Temos o ac�mulo das lutas dos movimentos negros”, diz, citando desde a inser��o da hist�ria africana na grade curricular de ensino at� a cria��o do sistema de cotas.

“Tivemos uma amplia��o do espectro de intelectuais, pesquisadores e influenciadores negros, mas n�o acho que esse aumento de representatividade seja um �ndice de desestrutura��o do racismo. Os negros t�m uma presen�a maior nas m�dias, mas ainda se observa uma aus�ncia sistem�tica nos postos de poder. N�o d� para confundir aumento de representatividade com ganhos efetivos”, aponta.

“Precisamos de mudan�as estruturais com vistas a conquistas significativas, que n�o v�o se perder em fun��o de um governo, por exemplo. � preciso entender essa quest�o como espinha dorsal da sociedade brasileira, caso contr�rio, a gente segue vivendo essa din�mica de avan�o e retrocesso. N�o haver� democracia plena enquanto o racismo tiver o tamanho que tem no Brasil”, acrescenta.

Luta concreta 

Yna� diz que tentou fazer do texto introdut�rio de “Assata: uma autobiografia” um est�mulo para que se possa sair do campo ret�rico e transformar a luta antirracista em algo mais concreto. “Sei que isso pode ser visto pelas alas conservadoras como uma declara��o de guerra. Assata at� hoje � vista como uma inimiga p�blica nos Estados Unidos. As pessoas que se interessarem em ler o livro v�o compreender a radicalidade que ela traz dentro da hist�ria que conta”, destaca.

Ela salienta que se trata, no entanto, de uma radicalidade n�o obtusa. Assata se permite, por exemplo, lan�ar um olhar muitas vezes cr�tico sobre os movimentos que integrou – tanto o Ex�rcito de Liberta��o Negra quanto os Panteras Negras. 

Yna� destaca que esse olhar se relaciona com uma perspectiva de g�nero. Ela diz que essa � uma dimens�o que tem ganhado peso ao longo dos �ltimos anos, com a teoria interseccional, que contribui para se pensar nas diversas formas de exclus�o.

“Por outro lado, a hist�ria que ela conta tamb�m contribui para uma humaniza��o dos membros desses movimentos, que foram demonizados, mas que, �s vezes, tamb�m podem aparecer como her�is rom�nticos para muitos militantes. O livro de Assata traz � tona a dimens�o humana dos Panteras Negras e dos integrantes do Ex�rcito de Liberta��o Negra, que foram fundamentais pela luta antirracista nos EUA”, ressalta.

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“ASSATA: UMA AUTOBIOGRAFIA”

.Assata Shakur
.Editora Pallas (472 p�gs.)
.R$ 98




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