Longa "Um her�i" faz xadrez sobre �tica e moralidade em torno do dinheiro
Filme do iraniano Asghar Farhadi que estreia nesta quinta-feira (28/7) em BH mostra condenado por d�vida tentando devolver moedas de ouro encontradas na rua
Protagonizado por Amir Jadidi e vencedor do Pr�mio do J�ri em Cannes no ano passado, longa estreia hoje em Belo Horizonte (foto: Amir Hossein Shojaei/Divulga��o)
Qual � a rela��o entre a realidade e o que vemos das coisas? Central na obra do diretor iraniano Asghar Farhadi ("A separa��o", "O apartamento"), o enigma da apar�ncia est� entranhado em seu novo filme, "Um her�i", com o qual conquistou o Pr�mio do J�ri em Cannes, no ano passado, e pelo qual foi posteriormente acusado de pl�gio.
Ele nega ter copiado de uma aluna o roteiro do longa. A d�vida extra-filme, que vem sendo discutida no �mbito da Justi�a de seu pa�s, acrescenta a "Um her�i" mais daquilo que � sua pr�pria subst�ncia.
Na trama, o "her�i" em quest�o � Rahim Soltani (Amir Jadidi), que est� preso por uma d�vida. Durante uma sa�da tempor�ria de dois dias durante a qual vai visitar a fam�lia, ele se empenha em encontrar a dona de uma bolsa perdida com 17 moedas de ouro.
O gesto chega ao conhecimento da dire��o do pres�dio em que Soltani cumpre sua pena, e ele � apresentado � imprensa como um cidad�o exemplar. Antes de participar da reportagem, o presidi�rio alertou ao diretor da penitenci�ria que n�o tinha sido ele quem encontrou a bolsa, mas sim sua namorada. Por se tratar de um namoro em segredo, n�o seria conveniente para o casal contar toda a verdade.
O administrador penal conclui que esse detalhe pouco importa diante do ato em si da devolu��o e o plano de apresentar Soltani como um her�i da �tica prossegue com essa ligeira adapta��o dos fatos. Na grava��o para a TV, ele chega a apontar o lugar exato - um ponto de �nibus - onde "encontrou" a bolsa jogada no ch�o.
A divulga��o da hist�ria deslancha uma onda de admira��o e solidariedade. Uma ONG se prontifica a arrecadar recursos para que Soltani salde sua d�vida e se livre da cadeia. O credor, no entanto, teria que concordar com um bom desconto, mas se mostra inflex�vel e incr�dulo na hist�ria da bolsa.
Desconfian�a
Ele n�o � o �nico. Nas redes sociais, come�a a surgir a teoria de que h� inconsist�ncias no relato e que toda a hist�ria foi inventada para favorecer a imagem da penitenci�ria e desviar a aten��o de suas mazelas.
A desconfian�a se alastra, e Soltani passa a ter que provar que n�o mentiu. Quando "Um her�i" (o filme, n�o seu protagonista) se dedica a buscar onde est� a verdade, Farhadi toma o caminho j� trilhado em seus t�tulos anteriores. Ou seja, as informa��es s�o parciais e a dist�ncia entre a inten��o e o gesto parece ser imposs�vel de apreender. Soltani � um ing�nuo tra�do pelas circunst�ncias ou um aproveitador sagaz da ingenuidade alheia? Her�i ou bandido?
O diretor aduba o terreno da inoc�ncia com o personagem do filho de Soltani, uma crian�a gaga que, para defender o pai, se disp�e a expor sua aflitiva gagueira diante de um audit�rio repleto de gente ou de uma c�mera de TV. Soltani ama o filho exatamente como ele � ou o explora para angariar piedade?
Finais n�o conclusivos s�o comuns na filmografia de Farhadi. No caso de "Um her�i", no entanto, as pistas sobre o que o diretor quer dar a ver com este filme parecem estar mais firmemente colocadas em sua abertura.
Ao deixar a pris�o para sua sa�da tempor�ria, Soltani perde o �nibus. Depois de descer do t�xi que o deixa pr�ximo de seu destino, em Shiraz, ele vence incont�veis degraus de uma escada que conduz ao topo de uma montanha onde se cultua a mem�ria dos grandes her�is iranianos. Ao chegar ao seu destino e encontrar quem procurava, Soltani � convidado a descer, indo de volta para o mundo dos que t�m os p�s plantados na terra e as m�os embaralhadas na confus�o dos dias.
O protagonista Rahim Soltani (� dir.), com seu filho e o credor de sua d�vida, em cena de "Um her�i"
(foto: Amir Hossein Shojaei/Divulga��o)
Acusa��o m�tua entre diretor e aluna foi parar na Justi�a
Depois de vencer o Grande Pr�mio no Festival de Cannes de 2021, honraria que s� n�o � mais importante do que a Palma de Ouro, Asghar Farhadi, foi acusado de plagiar a ideia de uma ex-aluna e indiciado por um tribunal em Teer�, que considerou que partes do filme violam direitos autorais do curta "All winners, all losers" (“Todos vencedores, todos perdedores”, de 2018), de Azadeh Masizadeh.
A cineasta participou de um workshop do diretor em 2014 e percebeu semelhan�as entre a trama do longa e a de seu filme. Ela entrou com o processo em mar�o deste ano. O document�rio "All winners, all losers" conta a hist�ria de um prisioneiro de Shiraz, cidade do Ir�, que encontra uma mochila cheia de dinheiro durante uma de suas sa�das di�rias da pris�o e tenta localizar a pessoa que a perdeu.
"Um her�i" tamb�m se passa em Shiraz e gira em torno de Rahim (Amir Jadidi), um homem que est� preso por conta de uma d�vida. Fora da cadeia, sua companheira encontra uma bolsa cheia de moedas de ouro que pagariam parte do dinheiro que ele deve. Por�m, os dois desistem de vender as moedas e tentam devolver a quantia � verdadeira dona.
Apesar de ser uma obra de fic��o que, segundo o diretor, foi inspirada na pe�a "A vida de Galileu", de Bertolt Brecht, o filme flerta com uma pegada documental. Segundo reportagem do “The Hollywood Reporter”, o imbr�glio judicial de "Um her�i" come�ou com uma acusa��o informal de Masihzadeh contra Farhadi.
Difama��o
Na �poca, o diretor processou a ex-aluna por difama��o e ela rebateu, alegando que ele cometeu pl�gio. A �ltima informa��o dispon�vel sobre o caso � de abril passado e d� conta de que os dois processos estavam a favor de Azadeh Masihzadeh.
Masihzadeh sustenta que ela mesma descobriu a hist�ria retratada no filme, que n�o havia sido divulgada na m�dia. O advogado de Farhadi argumenta que a hist�ria j� havia sido noticiada, fornecendo links para duas not�cias publicadas em 2012. Um colega que participou do workshop testemunhou a favor de Masihzadeh, enquanto alguns outros alunos assinaram uma declara��o em apoio a Farhadi.
De acordo com a lei iraniana, se a Justi�a considerar Farhadi culpado, ele pode ficar preso por um per�odo. Al�m disso, Masihzadeh pede participa��o nos lucros do filme. Caso contr�rio, ou seja, se o diretor for considerado inocente, a cineasta pode receber chicotadas como puni��o, al�m de ficar dois anos presa.
Antes da acusa��o de pl�gio, "Um her�i" percorreu uma trajet�ria de sucesso em festivais de cinema mundo afora, a come�ar por Cannes. Essa foi a quarta vez que o diretor participou do festival franc�s e a terceira em que ele foi premiado. Farhadi j� venceu o pr�mio do j�ri ecum�nico por "O passado" (2013) e o de melhor roteiro por "O apartamento" (2016). Ele participou do festival tamb�m com "Todos j� sabem" (2018), longa filmado na Espanha e estrelado por Pen�lope Cruz, Javier Bardem e Ricardo Dar�n.
"Um her�i" representa, portanto, o retorno do diretor para sua terra natal. O filme foi rodado entre junho e dezembro de 2020, em Shiraz, e foi escolhido como representante do Ir� para competir no Oscar 2022. Apesar de ter sido pr�-selecionado para a competi��o, o filme terminou n�o sendo indicado.
Apesar disso, Asghar Farhadi tem uma hist�ria gloriosa com a Academia de Artes e Ci�ncias Cinematogr�ficas de Hollywood. O iraniano venceu duas estatuetas de melhor filme estrangeiro, com "O apartamento" e "A separa��o".
"Um her�i" chega ao Brasil com distribui��o da Calif�rnia Filmes e, ap�s sua temporada nos cinemas, ficar� dispon�vel em streaming por meio da Rede Telecine. Antes de estrear, o filme foi apresentado na Mostra Internacional de Cinema de S�o Paulo e no Festival de Cinema do Rio, ambos em 2021, e na edi��o deste ano do Festival Varilux de Cinema Franc�s. A Fran�a � coprodutora do longa. (Guilherme Augusto)
"UM HER�I"
(Ir�, 2021, 127 min.). De Asghar Farhadi. Com Amir Jadidi, Mohsen Tanabandeh, Sahar Goldust, Fereshteh Sadre Orafaiy, Sarina Farhadi, Ehsan Goodarzi, Alireza Jahandideh, Maryam Shahdaei. Estreia nesta quinta-feira (28/7) no UNA Cine Belas Artes (Sala 2, 18h20), P�tio Savassi (18h30 e 21h30, hoje e amanh�; 18h40 e 21h40, s�bado e domingo; 18h10 e 21h10, a partir de segunda) e Cineart Ponteio (16h45, 21h20).
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