
"A gente d� um jeito." A fala que encerra Marte Um poderia ser dita por milh�es de brasileiros que enfrentam problemas para sobreviver em 2022.
Mas o longa, escolhido para representar o Brasil no Oscar, se passa quatro anos antes, ap�s a vit�ria de Jair Bolsonaro (PL) na elei��o presidencial.
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O filme conta a hist�ria de uma fam�lia preta e perif�rica que, apesar das suas diferen�as e contratempos, se apoia e sonha com dias melhores.
Uma mensagem que cabe bem nos dias de hoje, diz o diretor Gabriel Martins.
"O Brasil est� muito debilitado, foi muito maltratado pela pandemia e por esse governo. Espero que Marte Um fa�a ressurgir um fio de esperan�a", diz Martins.
"Que mostre que � preciso resistir ao cinismo e ao �dio que esse governo representa. Que � preciso ter afeto e cuidado com o outro. Pensar nas outras pessoas n�o pode ser uma atitude fora de moda."Marte Um estreou no Brasil no Festival de Gramado, a mais importante premia��o no pa�s, onde venceu como melhor trilha sonora, melhor roteiro (assinado pelo diretor), melhor filme pelo j�ri popular e o Pr�mio Especial do J�ri.
Antes disso, percorreu o circuito de festivais internacionais, sendo premiado em alguns deles, com elogios da cr�tica especializada.
"� um exemplo emocionante - e um argumento apaixonado - do tipo de realismo humano que mant�m os filmes vivos e que nunca sai de moda", disse o jornal americano The New York Times.
Para o site ScreenDaily, "� um filme v�vido, com atua��es brilhantes" e que "amplia o escopo de representa��o da cultura preta brasileira".
J� a revista Variety destacou ser um "filme de bom cora��o, otimista e estranhamente antiquado" que "para o bem e para o mal" n�o se debru�a sobre as injusti�as e priva��es que seus protagonistas enfrentam.
Pol�tico sem falar de pol�tica

Marte Um � de fato um filme pol�tico que n�o fala de pol�tica.
A elei��o de Bolsonaro abre o longa, mas n�o sabemos o que os protagonistas pensam sobre o presidente.
A desigualdade social fica escancarada no dia-a-dia do porteiro Wellington (Carlos Francisco) em um edif�cio de alto padr�o e nas faxinas que sua mulher, a diarista T�rcia (Rejane Faria), faz na cobertura de uma subcelebridade. Mas o longa n�o � sobre luta de classes.
N�o h� milit�ncia � vista na trajet�ria da filha do casal, Nina (Camilla Dami�o), que estuda Direito em uma universidade federal e se envolve com outra mulher com uma condi��o econ�mica melhor.
Seu irm�o, Devinho (C�cero Lucas), quer se tornar astrof�sico, mas seu sonho � mais sobre participar da primeira miss�o para Marte (da� o t�tulo do filme) do que sobre ter uma vida mais confort�vel.
"� claro que o filme dialoga com a pol�tica, porque tudo � pol�tica, e convida a refletir sobre a vis�o e postura de um governo que n�o quer que a gente pense sobre essas quest�es", diz Martins.

Mas o contexto social e pol�tico atual serve apenas como pano de fundo para as situa��es cotidianas e os conflitos que seus personagens enfrentam.
O enredo � guiado pela luta dessa fam�lia para pagar suas contas, o alcoolismo de Wellington e a supersti��o de T�rsia ap�s ficar traumatizada por uma pegadinha.
O dilema de Nina em revelar aos pais que tem uma namorada e que vai sair de casa para morar com ela.
O conflito do Devinho com as expectativas do pai, que quer ver ele se tornar jogador de futebol - a "grande oportunidade da nossa vida", segundo Wellington.
"Quem chega para assistir com a expectativa de ver um filme com carga pol�tica � rapidamente desarmado, porque a hist�ria que quero contar � a dessa fam�lia, que � um pouco a hist�ria da minha fam�lia e das pessoas pr�ximas de mim", diz Martins.
"Essa no��o do imposs�vel pode ser interpretada como uma ideia que o ser humano precisa para seguir de cabe�a erguida, porque � f�cil desistir da vida, especialmente quem faz parte de um grupo marginalizado."
'Precisamos do imposs�vel para n�o desistir da vida'

O diretor de 34 anos cresceu na periferia de Contagem (MG), onde o filme se passa, e sonhou com o "imposs�vel" quando crian�a: queria se tornar cineasta.
Ele mesmo chegou a treinar na escolinha do Cruzeiro. Sua m�e o levava toda semana e, depois, iam para a Toca da Raposa para ver Ronaldo jogar.
"Ela tinha o desejo que eu jogasse, mas n�o cheguei a ser uma promessa, n�o", diz Martins. Entretanto, ele refor�a que Marte Um n�o � um filme autobiogr�fico.
"N�o estou contando a minha hist�ria, mas uma que � inspirada tamb�m na observa��o de pessoas que conhe�o e nos relatos que os pr�prios atores trouxeram. � um filme que trafega na mem�ria afetiva de todos n�s", diz Martins.
O desejo de se tornar cineasta ganhou outra dimens�o quando ele assistiu, aos 12 anos, ao seu primeiro filme brasileiro "s�rio", Bicho de Sete Cebe�as, de La�s Bodansky.
A mesma La�s Bodansky com quem ele disputou agora a chance de representar o Brasil no Oscar.
"Ela me parabenizou no meu Instagram e fiquei com vontade de escrever para ela para contar como Bicho de Sete Cabe�as foi importante para mim", diz Martins.
"J� tinha visto filmes da Xuxa, dos Trapalh�es, mas aquilo foi muito potente para mim, porque n�o sabia que era poss�vel fazer um filme que falasse de quest�es densas, de coisas pesadas, mas de uma forma muito bonita, com humor."
'Preciso acreditar que d� para ganhar o Oscar'

B�rbara Cariry, presidente da comiss�o que selecionou Marte Um, disse que a escolha � "importante" porque "sintetiza bem o cinema brasileiro, com qualidade narrativa e t�cnica, que vem sendo realizado hoje, representando a diversidade do pa�s".
"O filme trata de afeto e de esperan�a, da possibilidade de seguir sonhando em meio a tantas dificuldades econ�micas e pol�ticas", afirmou Cariry.
Marte Um levou oito anos para chegar aos cinemas. Martins come�ou a escrev�-lo em 2014, e as filmagens tiveram in�cio quatro anos depois.
Parte dos recursos do longa da Filmes de Pl�stico, produtora fundada por Martins e mais tr�s s�cios, vieram da sele��o em 2016 em um edital do governo federal para filmes dirigidos por cineastas negros.
A produ��o tamb�m teve o apoio do Canal Brasil e do Projeto Paradiso, iniciativa de incentivo ao audiovisual brasileiro do Instituto Olga Rabinovich.
Marte Um agora concorrer� com os representantes de outros pa�ses para ser um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional.
O �ltimo longa brasileiro a concorrer nessa categoria foi Central do Brasil, em 1999.
O diretor diz que a escolha em si j� � muito significativa: "Nem sempre o mercado olhou para fora do eixo Rio-S�o Paulo. � o primeiro filme mineiro selecionado e o primeiro de um diretor preto, s� isso j� diz muita coisa".
No entanto, ele quer chegar mais longe. De certa forma, o Oscar agora virou a miss�o para Marte de Gabriel Martins. "Querendo ou n�o, � isso", diz ele.
"Aconte�a o que acontecer, j� � uma vit�ria chegar aos cinemas em um pa�s onde o governo n�o quer que a gente fa�a filmes, mas preciso acreditar que d� para ganhar. Temos que trabalhar com toda a garra para conseguir algo que pode parecer imposs�vel."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62827954
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