
Volta e meia algu�m pergunta ao baterista e percussionista Robertinho Silva se ele � mineiro. Bom de prosa, o carioca de 81 anos – um dos formatadores da linguagem da bateria na m�sica popular brasileira – costuma responder que sim, � mineiro de Realengo.
Ele considera que essa d�vida generalizada acerca de suas origens � pertinente, j� que, ao longo de 26 anos, acompanhou Milton Nascimento e outros membros do Clube da Esquina em shows e grava��es.
Essa rela��o estreita com a m�sica e com os m�sicos mineiros � o que justifica o repert�rio do show que Robertinho apresenta na noite desta quarta-feira (14/9) em Belo Horizonte, com entrada franca, pela s�rie BH Instrumental. Comemorativa aos seus 65 anos de carreira, a apresenta��o tem um roteiro musical quase inteiramente ancorado na obra do Clube da Esquina.
Acompanhado por Lizandro Massa (teclado), Eneias Xavier (baixo ac�stico) e J�lio Diniz (percuss�es), ele vai mostrar m�sicas como “Bola de meia, bola de gude”, “Milagre dos peixes”, “Cravo e canela” e “San Vicente”, entre outras. O repert�rio se completa com cl�ssicos do jazz norte-americano, como “Speak no evil” e “A night in Tunisia”, e temas como “Amazonas”, de Jo�o Donato, e “Alegria de viver”, de Luiz E�a.
''Na minha trajet�ria, as coisas foram acontecendo uma atr�s da outra. Integrei uma banda de baile, fui tocar na gafieira, depois fui para a boate do Cauby Peixoto em Copacabana, entrei para o Som Imagin�rio, viajei o mundo inteiro com o Milton''
Robertinho Silva, baterista e percussionista
Liberdade de cria��o
Robertinho recorda que ingressou no grupo Som Imagin�rio – formado por Wagner Tiso, Luiz Alves, Fredera, Z� Rodrix e Tavito – em meados dos anos 1960. Naquela mesma �poca, Tiso o apresentou a Milton Nascimento, e foi a partir da� que sua carreira deslanchou. “Falo isso para todo mundo: a m�sica mineira foi que me deu liberdade de cria��o. No samba-jazz, na bossa nova, voc� n�o tinha liberdade para criar na percuss�o”, afirma.
O primeiro disco que gravou com Milton foi em 1969. “Segui tocando com ele, mas, a partir dali, tamb�m fui tocar com todo mundo da m�sica popular brasileira - Tom Jobim, Chico Buarque, Egberto Gismonti, Jo�o Donato, a galera toda”, diz. Ao falar da liberdade que encontrou na m�sica mineira, Robertinho exemplifica com a grava��o do �lbum “Geraes”, de Milton, lan�ado em 1976.
Ele recorda que, num dado momento, Milton liberou os m�sicos do est�dio – sugeriu que fossem tomar um chope em uma galeria pr�xima – porque pretendia registrar um n�mero s� com voz e viol�o. “Eu n�o desci, fiquei por ali ouvindo. Ele estava gravando ‘A lua girou’, que � um tema lindo do folclore baiano. Fui para a percuss�o, Milton viu e n�o falou nada. Toquei o tambor com um acento africano. Ao final, fomos ouvir e ele falou que tinha gostado e que o arranjo ficaria daquele jeito, com minha percuss�o”, conta.
''Em que outra m�sica eu poderia experimentar o que experimentei? � a isso que me refiro quando falo da liberdade que a m�sica mineira me deu''
Robertinho Silva, baterista e percussionista
Compasso composto
Robertinho ressalta que foi com os mineiros que aprendeu, por exemplo, a tocar em compasso composto. “Em que outra m�sica eu poderia experimentar o que experimentei? � a isso que me refiro quando falo da liberdade que a m�sica mineira me deu”, aponta o m�sico, que � filho de m�e paulista e pai pernambucano.
Ele relembra que quando lan�ou seu primeiro disco solo, “M�sica popular brasileira contempor�nea”, em 1981, produzido por Roberto Menescal, foi convocado por um amigo a comparecer na loja de discos Modern Sound, no Rio de Janeiro, onde um produtor alem�o que tinha ouvido o �lbum desejava conhec�-lo.
“Esse produtor era um dos diretores do Festival de Jazz de Berlim. Ele disse que queria levar uma delega��o brasileira para o evento e me incumbiu de juntar uma turma. Liguei para todo mundo que eu achava que dava liga e fomos”, conta. Outra passagem marcante – e definidora – de sua trajet�ria ocorreu pouco menos de uma d�cada antes.

Wayne Shorter
Herbie Hancock havia falado a respeito de Milton Nascimento para Wayne Shorter, que estava de passagem pelo Brasil. “Ele resolveu ir a um show para conferir o trabalho do Milton. Wayne j� era meu �dolo desde o in�cio dos anos 1960. Na hora do show, eu, ciente de que ele estaria na plateia, toquei tudo o que sabia de bateria. Depois da apresenta��o, no camarim, ele ficou imitando com os bra�os meu jeito de tocar. Passados 15 dias, veio o convite para o Milton ir gravar com ele. Eu e Tiso fomos junto”, recorda.
Em 1975 foi lan�ado “Native dancer”, que marcou a parceria de Shorter com Milton. A partir daquele ano, Robertinho ficou morando por tr�s anos nos Estados Unidos. Ele conta que, nesse per�odo, teve a oportunidade de tocar com v�rios de seus �dolos e participar de importantes festivais de proje��o mundial, como New Port, Berlim, JVC New York, Montreaux e Midem, entre outros.
Seja em palco ou em est�dio, o baterista e percussionista j� acompanhou nomes como Herbie Hancock, Pat Metheny, Paul Horn, George Duke, Airto Moreira, Flora Purim, Raul de Souza, Dori Caymmi, Cal Tjader, Sarah Vaughan, Gilberto Gil, Jo�o Bosco, Toninho Horta, Gal Costa, Nana Caymmi, Bud Shank e George Benson, entre muitos outros.
VEJA: Robertinho Silva apresenta 'Sauda��o ao tambor' no Sesc Instrumental
Presente de Deus
Instado a citar algum m�sico com o qual gostaria de ter tocado e n�o teve oportunidade, ele n�o hesita em dizer que teve o privil�gio de acompanhar todo mundo que quis. “Acho que n�o tem ningu�m com quem eu gostaria de ter tocado e n�o toquei”, diz, destacando o fato de que, com alguns, ficou por mais tempo, como o pr�prio Milton ou Jo�o Donato, com quem colabora h� 42 anos.
“Foi uma coisa muito importante na minha trajet�ria como m�sico conhecer e morar nos Estados Unidos, gravar com v�rios �dolos. Tudo isso come�ou com Wayne Shorter me vendo tocar. Foi um presente de Deus. As coisas foram acontecendo na minha vida de uma maneira muito natural.”
Robertinho considera que sua musicalidade � inata. Ele conta que, quando crian�a, criava tambores com lata de manteiga, percutia intuitivamente a colher no prato e passava o dia batucando em qualquer superf�cie da qual se pudesse extrair som.
“Quando eu tinha 8 anos, ouvia o trem de ferro chegando e, quando ele passava na ponte sobre o rio, emitia uma frequ�ncia percussiva grave. Eu ouvia aquilo como um tambor e ficava tentando reproduzir. Eu nasci com essa musicalidade”, conta.
Estreia profissional
Esse talento que vinha de ber�o foi o que permitiu a Robertinho estrear profissionalmente antes de chegar � maioridade. Ele conta que subiu em um palco para se apresentar pela primeira vez quando tinha 15 anos, com uma banda de baile, e, a partir dali, n�o parou mais.
“Na minha trajet�ria, as coisas foram acontecendo uma atr�s da outra. Integrei uma banda de baile, fui tocar na gafieira, depois fui para a boate do Cauby Peixoto em Copacabana, entrei para o Som Imagin�rio, viajei o mundo inteiro com o Milton”, diz.
Robertinho chama a aten��o para o fato de que o show desta quarta � especial, pensado para a ocasi�o. Ele diz que, com sua carreira solo, tem circulado com dois shows previamente formatados: um chamado “Imp�rio dos metais” e o outro, “Tocando e contando hist�ria”. Sobre o primeiro, diz tratar-se de uma investiga��o sobre os timbres met�licos na percuss�o, que permitem a cria��o de linhas mel�dicas.
“O Sandro Lustosa, um amigo meu que morou na �ndia, foi quem me deu essa sugest�o, porque eu tenho muita percuss�o mel�dica. A� comecei a montar uma campana s� com metais na sala l� de casa, que, na verdade, costumo dizer que � um ateli� percussivo, porque tenho instrumentos espalhados pela casa inteira”, conta.Diversidade brasileira
Robertinho ressalta que esse �mpeto de investiga��o de possibilidades na bateria e na percuss�o sempre foi uma constante em sua carreira. Robertinho considera que isso � algo de que as novas gera��es carecem. “Tem pouca gente ligada na diversidade r�tmica brasileira.
As pessoas n�o param para ouvir. O pessoal da minha gera��o parava para ouvir. Acho que os bateristas da atualidade, n�o s� no Brasil, mas no mundo inteiro, tocam a mesma coisa sempre, tudo igual, n�o tem mais criatividade”, afirma.
O mote do outro show com que tem circulado est� expresso no pr�prio nome: trata-se de uma apresenta��o na qual Robertinho alterna os n�meros musicais com causos de sua trajet�ria. Ele diz que esse projeto surgiu por acaso, a partir de uma estada em Paraty, a convite de Jo�o Donato. “Ele tem l� uma casa antiga, com piano de cauda, as coisas dele num quarto, outro c�modo cheio de livros. Fui para l� levando meus brinquedos.”
Show na rua
Por sugest�o de um produtor local, Robertinho topou fazer um show ao ar livre, na rua. Tudo pronto, cen�rio montado, m�sicos a postos, na hora de come�ar a apresenta��o, o microfone n�o funcionou. “Perguntei se as pessoas estavam me ouvindo e, enquanto n�o se resolvia a quest�o do microfone, comecei a contar hist�rias para a plateia, para entreter”, diz.
Ele relata que o p�blico n�o s� ficou entretido como se divertiu muito com algumas dessas hist�rias. “Resolvi incorporar, porque realmente tenho muito o que falar da minha carreira. Conto de show que fiz com Chico Buarque em uma casa noturna do Ricardo Amaral, quando o microfone tamb�m n�o funcionou; falo da minha primeira viagem internacional, acompanhando a Gal Costa; falo dos meus tambores, que trouxe da �frica, quando estive excursionando por l� com Gilberto Gil. S�o v�rias hist�rias que pouca gente conhece.”
No entanto, ele ressalva e reitera que a proposta do show de amanh� no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas � outra. “Margareth, que est� cuidando da produ��o, me disse que esse � um show para tocar direto, sem conversa. Ela costuma dizer que sou ca�ador de orelha”, brinca.
“65 ANOS DE ESTRADA”
Show de Robertinho Silva, nesta quarta-feira (14/9), �s 19h30, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Entrada franca. Retirada de ingressos no dia do evento, na bilheteria do teatro, das 12h �s 20h, ou pelo site Eventim.