
Jean-Luc Godard, que morreu nesta ter�a-feira (13/09) aos 91 anos, foi um dos diretores mais influentes da hist�ria do cinema.
O cineasta franco-su��o ganhou fama no final dos anos 1950 como uma dos protagonistas do movimento franc�s conhecido como Nouvelle Vague, dirigindo dezenas de filmes em uma carreira que durou mais de meio s�culo.
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A seguir, confira nove curiosidades sobre Godard:
1. Ele mudou o cinema com uma garota e uma arma
A garota, Patricia, est� envolvida com um criminoso, Michel, que est� fugindo por ter atirado em um policial. Ela o trai, e a pol�cia o mata na rua.
Acossado lembra um drama policial, mas como em muitas de suas obras, o enredo era apenas uma moldura para Godard explorar a cultura, experimentar a imagem e analisar o pr�prio cinema.
Teve um impacto instant�neo, sendo aclamado e gerando um enorme lucro sobre seu parco or�amento.
Quase 60 anos depois, � amplamente reconhecido como um cl�ssico — e sua for�a ainda surpreende.
2. Ele rompeu com a conven��o
Um dos elementos mais radicais de Acossado foi o uso proeminente da t�cnica de edi��o conhecida como jump cut.
A produ��o cinematogr�fica antes e depois da estreia de Godard favorece em grande parte a edi��o suave para dar a ilus�o de tempo cont�nuo.
Em contrapartida, em Acossado, Godard cortava a cena bruscamente, fazendo o tempo parecer saltar para a frente.
� desconcertante, como Godard certamente pretendia que fosse. No m�nimo, prende a aten��o do espectador, mas tamb�m foi interpretado como reflexo do t�dio de Michel ou como uma tentativa de Godard de for�ar seu p�blico a refletir sobre a natureza do cinema.
Ao longo de sua carreira, Godard brincaria com a gram�tica da produ��o cinematogr�fica.
3. Ele reescreveu o roteiro
Tiveram outras inova��es. Acossado foi filmado em loca��es, usando c�meras port�teis de m�o, com Godard escrevendo o roteiro no dia e fornecendo as falas aos atores enquanto gravavam.
Esta foi outra ruptura com a tradi��o, diante dos filmes caros liderados por est�dios que dependiam de roteiros bem amarrados, grandes equipes e storyboards.

A t�cnica usada por Godard d� a Acossado uma grande espontaneidade e uma sensa��o de document�rio.
Ele a usaria em muitos de seus filmes, enfurecendo as estrelas que chegavam ao set de filmagem ainda sem saber quais seriam suas falas.
Godard e seus contempor�neos da Nouvelle Vague viam os verdadeiros grandes filmes como aqueles carimbados com a vis�o do diretor — e que melhor maneira de controlar um filme se voc� est� de fato criando � medida que acontece.
4. Ele era um grande cin�filo
Godard pode ter sido um iconoclasta, mas veio de um lugar de profundo conhecimento e afei��o pelo cinema.
Antes de se tornar diretor, ele era um �vido cin�filo — �s vezes, assistia ao mesmo filme v�rias vezes no mesmo dia nos clubes que ele e outras figuras da Nouvelle Vague frequentavam.
Como outras figuras da �poca, ele foi primeiro cr�tico, desenvolvendo suas ideias sobre o que ele achava que deveria ser o cinema que ele foi capaz de realizar na pr�tica.
Seus filmes est�o repletos de refer�ncias a outras obras e, mesmo quando ele buscava fazer o cinema avan�ar, ele n�o conseguia deixar de olhar para tr�s.
5. Ele continuou inovando
Acossado por si s� teria garantido seu lugar na hist�ria do cinema, mas sua carreira foi prol�fica. O site IMDB lista mais de 100 obras, entre curtas, document�rios, s�ries de TV e mais de 40 longa-metragens.
A d�cada de 1960 testemunhou seus trabalhos mais celebrados e amplamente assistidos — desde Uma Mulher � Uma Mulher (1961), que ele chamou de "musical neorrealista", at� a fic��o cient�fica dist�pica Alphaville (1965) e a com�dia de humor �cido Week-end � Francesa (1967), em que Emily Bronte � incendiada.

Depois de Week-end � Francesa, ele abra�ou o radicalismo pol�tico, fazendo uma s�rie de filmes com temas marxistas que culminou com Tudo Vai Bem (1972).
Nas d�cadas que se seguiram, ele recontou o nascimento virginal, provocando uma reclama��o do ent�o Papa Jo�o Paulo 2º (Eu Vos Sa�do, Maria), tentou e falhou em recrutar Richard Nixon como ator (Rei Lear) e lan�ou uma hist�ria pessoal �pica do cinema (Hist�ria(s) do cinema). Em 2014, j� na casa dos 80 anos, lan�ou um filme experimental em 3D estrelado por seu cachorro Roxy (Adeus � Linguagem).
6. Ele botou o p�blico para trabalhar
N�o h� como fugir disso — os filmes de Godard v�o do desafiador ao quase incompreens�vel.
Ele teve sucesso comercial, mas trabalhos posteriores tiveram lan�amentos limitados, apesar da adora��o da cr�tica.
Godard era um leitor voraz, al�m de apaixonado pelo cinema — e o peso das refer�ncias pode ser desconcertante. Com apenas 70 minutos de dura��o, Adeus � Linguagem, por exemplo, est� repleto refer�ncias ao pintor abstrato Nicolas de Sta�l, ao autor modernista americano William Faulkner e ao matem�tico Laurent Schwartz.
Tamb�m est� em cena uma das influ�ncias mais importantes de Godard, o dramaturgo alem�o Bertolt Brecht.
Brecht queria que seu p�blico permanecesse criticamente engajado em sua obra e, por isso, empregou v�rios m�todos para desestabiliz�-lo e lembr�-lo de que est� assistindo a algo artificial.
V�rios dos filmes de Godard usam artif�cios brechtianos, como A Chinesa (1967), que inclui legendas l�gubres e atores quebrando a chamada "quarta parede", com Godard deixando at� a claquete no in�cio das cenas.
7. Ele se colocou em sua arte
Em muitas de suas obras, o protagonista pode ser visto como um representante do pr�prio Godard.
Em O Desprezo (1963), Michel Piccoli interpreta um dramaturgo franc�s encarregado de retrabalhar uma adapta��o cinematogr�fica de Ulisses.
O filme explora as tens�es entre mercantilismo e criatividade e retrata um casamento em ru�nas, inspirado na rela��o de Godard com Anna Karina, a estrela de v�rios de seus filmes.

Os personagens no filme s�o muitas vezes um porta-voz para ele pr�prio, mas em anos posteriores ele se tornou um elemento dos seus filmes.
Em 1995, lan�ou o autobiogr�fico JLG/JLG - Autorretrato de Dezembro, e seus ensaios apresentam sua pr�pria voz, mais recentemente Imagem e Palavra (2018).
Uma resenha do cr�tico americano Roger Ebert sobre Godard o descreveu em 1969 como "profundamente dentro de seu pr�prio universo", uma boa explica��o de por que os filmes de Godard podem ser t�o distintos e t�o frustrantes.
8. Ele podia ser um 'merda' �s vezes
N�o injustificadamente Godard tinha a reputa��o de ser dif�cil tanto pessoal quanto profissionalmente.
Seus dois casamentos, primeiro com Anna Karina e depois com Anne Wiazemsky, foram tempestuosos, algo que transbordou em seus filmes.
Irritado com a edi��o feita pelo produtor Iain Quarrier de seu document�rio dos Rolling Stones, Sympathy for the Devil (1968), Godard deu um soco na cara dele quando o filme foi exibido em Londres.

Houve uma briga extraordin�ria com seu amigo, outro grande diretor da Nouvelle Vague, Fran�ois Truffaut.
Em 1973, Godard escreveu para Truffaut atacando seu �ltimo filme, A Noite Americana, e pedindo financiamento para dar uma resposta. Truffaut escreveu uma resposta furiosa, acusando Godard de se comportar "como um merda" e listando anos de m� conduta de Godard. Sem surpresa, Truffaut se recusou a pagar pelo filme de Godard. O relacionamento da dupla nunca se recuperou.
Mas a colabora��o tamb�m foi uma parte importante de sua carreira.
Seus primeiros filmes n�o seriam os mesmos sem Karina ou Wiazemsky, tampouco sem Jean-Paul Belmondo
Ele estabeleceu uma estreita parceria com o pensador de esquerda Jean-Pierre Gorin e o diretor de fotografia Raoul Coutard, que disse: "Ele pode ser um merda... mas � um g�nio".
Desde a d�cada de 1970, sua colaboradora mais importante era sua parceira de vida, a cineasta su��a Anne-Marie Mi�ville.
9. Mas ele tamb�m foi uma inspira��o
As ind�strias cinematogr�ficas de todo o mundo viveram suas pr�prias Nouvelle Vagues. A Nouvelle Vague americana nos deu obras como Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Bala, Chinatown e Tubar�o.
O trabalho de Godard — seja pessoal, experimental, pol�tico ou todos os tr�s — teve um impacto enorme.
O diretor americano Quentin Tarantino chamou sua produtora de A Band Apart, uma refer�ncia ao filme de Godard Bando � Parte (1963). O diretor italiano Bernardo Bertolucci incluiu uma homenagem a ele em seu filme Os Sonhadores.
A influ�ncia de Godard pode ser vista na ambiguidade entre document�rio e fic��o do diretor iraniano Abbas Kiarostami ou na obra tematicamente e formalmente provocativa do dinamarqu�s Lars Von Trier.
Quatro filmes de Godard fizeram parte da lista dos 50 melhores filmes de todos os tempos da revista de cinema brit�nica Sight and Sound — Acossado, O Desprezo, O Dem�nio das Onze Horas e Hist�ria(s) do cinema.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62889030
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