Fabiane Albuquerque lan�a o romance 'Cartas a um homem negro que amei'
Regi�o Metropolitana de BH e sert�o mineiro s�o cen�rios da hist�ria da mulher negra que revela sua trajet�ria singular, em meio ao machismo e ao racismo
Em seu romance epistolar, Fabiane Albuquerque aborda a subjetividade da mulher negra (foto: Reprodu��o)
As consequ�ncias dos s�culos de escravatura no Brasil comp�em um arsenal de testemunhos que custam a vir � tona.
Quando se trata de cria��es autobiogr�ficas, esse custo n�o � s� sin�nimo da demora do acesso �s letras por injusti�a hist�rica. Custa o peso da pr�pria vida, que, tornada literatura, como se d� neste “Cartas a um homem negro que amei”, de Fabiane Albuquerque, busca representar uma coletividade que n�o tem nada de homog�nea – como atesta a singularidade da trajet�ria da protagonista quando contrastada com a de seu ex-namorado, alteridade central a quem ela destina estas linhas, mas n�o a �nica.
Irmanados pela negritude, pela classe e pelos deslocamentos proporcionados pela educa��o, remetente e destinat�rio viveram no passado uma paix�o, quando ela se preparava para entrar no convento e ele tinha acabado de deixar o semin�rio.
Entretanto, as 39 cartas desvelam muito mais as diferen�as entre os dois, como as determinadas pelos locais de origem (sert�o mineiro e Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, no caso dela, versus comunidade mais pr�xima das regi�es centrais, no dele) e, sobretudo, a de g�nero.
O esfor�o de compor uma cronologia que d� conta de narrar a forma��o da pr�pria subjetividade como mulher negra � o tempo todo atravessado pelo trauma, oposi��o � linearidade das conquistas do homem negro amado. Se essa dimens�o desestabilizadora irrompe no primeiro abuso sexual sofrido aos 5 anos, ela se repete cada vez que ela reconhece a viol�ncia de ser vista como “um corpo a ser violado”.
O arco temporal do livro � de vida toda, muito mais amplo do que podem sugerir os cabe�alhos que v�o de 14 de agosto de 2019, quando Bia est� prestes a completar 40 anos, a 1º de outubro de 2020. Tudo redigido a partir de Lyon, onde ela mora, na Fran�a, de modo que s�o extensos tamb�m os territ�rios percorridos nessa busca de si, em meio aos atravancos do machismo e do racismo.
Seja em Goi�s, onde abra�a mas se liberta do noviciado e se gradua em ci�ncias sociais, seja na It�lia, onde se casa e tem um filho, seja na �frica do Sul ou no interior paulista.
Em certo sentido, o romance epistolar n�o convence como forma, pois o que salta aos olhos n�o � a correspond�ncia entre ex-amantes, mas a intimidade como desdobramento de um debate p�blico. S�o mem�rias que t�m nas cartas um �libi, estrat�gia de alguma forma assumida. “Mantive voc� na minha vida, mesmo que n�o fizesse tanto sentido, para n�o perder o fio da minha hist�ria, para ter a sensa��o de continuidade.”
A feminista e escritora Angela Davis 'fez a cabe�a' da personagem do romance (foto: Youtube/reprodu��o)
V�rias tamb�m s�o as cita��es em “Cartas a um homem negro que amei”. Mais que refer�ncias te�ricas, pensadores como Patricia Hill Collins, Angela Davis, Sueli Carneiro, Frantz Fanon e Audre Lorde, entre outros, figuram como aliados numa luta cotidiana e palp�vel nas situa��es mais �ntimas.
Por�m, causa inc�modo a predomin�ncia de um discurso engajado, como o que pode ser observado neste trecho – “N�o me contem mais os segredos do patriarcado, do capitalismo e da supremacia branca pedindo-me para guard�-los, porque n�o estou disposta a manter a boca fechada”.
Assim, s�o in�meras as situa��es e viv�ncias que perdem em potencial narrativo quando impera a dic��o militante ou o coment�rio sociol�gico. “Eu sou constitu�da por sil�ncios”, escreve Bia, que tamb�m conclui que “daquilo que n�o se pode falar � melhor gritar”.
Nesse sentido, a cr�tica aqui vai na contram�o do “n�o conta para ningu�m”, palavras do abusador. Seria poss�vel contar mais e ir mais fundo ao contar menos? Talvez n�o, porque custa essa demora para atingir no plano da linguagem o que feriu fundo. Nada calar � quest�o de urg�ncia.
(foto: Mal�/reprodu��o)
“CARTAS A UM HOMEM NEGRO QUE AMEI”
• De Fabiane Albuquerque
• Editora Mal�
• 264 p�gs.
• R$ 52
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