
Os �ltimos dias t�m sido de ansiedade para Rafael Freire. O fot�grafo autodidata de 29 anos, morador do Aglomerado da Serra, cujo foco do trabalho � o registro do cotidiano de sua comunidade, inaugura neste s�bado (1º/10), �s 11h, sua primeira exposi��o f�sica, no Memorial Vale.
Os registros de pessoas, lugares e cenas da favela feitos por Rafael v�m, h� algum tempo, chamando a aten��o de L�zaro Ramos, Babu Santana, Z�lia Duncan e do coletivo M�dia Ninja – que comentam ou repostam suas publica��es –, mas ainda n�o haviam sa�do do ambiente virtual.
Quem tamb�m atentou para a produ��o de Rafael, concentrada principalmente em seu perfil no Instagram, foi o fot�grafo Eug�nio S�vio, curador do projeto Mostra de Fotografia, do Memorial Vale, que o convidou para expor naquele espa�o. “O Eug�nio j� acompanhava o meu trabalho e me fez esse convite”, diz.

Outras lentes
“Comecei a fotografar no in�cio de 2011, mas considero que, profissionalmente, levando a fotografia um pouco mais a s�rio, foi em 2015. Nessa exposi��o, tento contar um pouco essa hist�ria, como nasceu o projeto ‘Favela, a flor que se aglomera’, que busca a valoriza��o dos moradores do Aglomerado da Serra”, aponta. “Sempre digo que se trata de fotografar com outras lentes, que n�o as do racismo”, acrescenta.

Ele resolveu sair pelas ruas fotografando logradouros habitualmente cheios de gente e que estavam completamente vazios. Quando as aulas foram retomadas, levou as imagens para que as crian�as expressassem o que sentiam ao v�-las. Uma das alunas deu a resposta em formato de uma poesia que o deixou particularmente tocado, conforme relata. O texto dizia: “De noite eu posso ver/ como a vista mais bela! /Quero aprender/ Com esse tanto de gente da Serra/ quero uma linda flor amarela.../ Mas que pena/ n�o acho na favela”.
"Gostaria de fotografar famosos que sa�ram de comunidades, porque a� posso usar isso como refer�ncia; quero manter a cara do meu projeto, valorizando a pele negra, que � o que est� no centro do que eu fa�o"
Rafael Freire, fot�grafo
Flores na favela
“Era uma crian�a que n�o via flores na favela. Comecei a reparar e me dei conta de que realmente n�o tinha flor. Entendi que, atrav�s da fotografia, eu podia florir a favela de uma outra forma”, afirma.
A primeira a��o que ele empreendeu foi plantar v�rias sementes em uma encosta do morro. Depois que desabrocharam, as flores come�aram a ser usadas como ornamentos dos personagens nas fotografias que Rafael fazia, com as p�talas amarelas harmonizando com os cabelos e corpos negros.
O fot�grafo se diz um “contador de hist�rias reais”, que se expressam n�o s� por meio de imagens est�ticas, mas tamb�m v�deos e textos – n�o raro de tom po�tico – que acompanham sua produ��o.
Em seu Instagram, � poss�vel assistir a uma s�rie, batizada “Querido di�rio”, de v�deos com narra��o, que ele come�ou a publicar h� pouco mais de um m�s. Em muitos deles, o lirismo � um ve�culo para externar a indigna��o contra a mis�ria e a viol�ncia que grassam na comunidade.
“Querido di�rio”
“Revolta”, responde Rafael, sobre a motiva��o para “Querido di�rio”. “S�o coisas que vivo e vejo dentro do Aglomerado. Transformo isso em relatos”, acrescenta. O �ltimo v�deo postado foi h� duas semanas, mas ele diz que pretende dar continuidade a essa produ��o – que � ao mesmo tempo oposi��o e complemento ao trabalho com as fotografias, sempre pautadas pela beleza est�tica e po�tica.

Um desses registros de bastidores flagra um instante de um ensaio que fez recentemente com a modelo Nat�lia Deodato, uma das participantes da �ltima edi��o do reality “Big brother Brasil”, da TV Globo. “Eu a conheci atrav�s de um amigo meu. Ele virou um dos assessores dela, que viu meu trabalho, gostou e disse a ele que queria fotografar comigo”, conta Rafael.
"Cora��o suburbano"
Recentemente, ele tamb�m fotografou o humorista Rafael Portugal, por conta de sua passagem pelo Aglomerado da Serra para a realiza��o da s�rie documental “Cora��o suburbano”, idealizada e apresentada por ele, e que come�ou a ser disponibilizada no in�cio desta semana no servi�o de streaming Paramount +.
O fot�grafo � um dos personagens da atra��o. “Apare�o fazendo os registros do desfile de moda que a gente montou na comunidade, organizado pela produ��o da s�rie. Conversei com Rafael Portugal, fiquei sabendo que ele tamb�m nasceu no sub�rbio, perguntei se topava fazer foto com uma flor e ele topou na hora”, conta, destacando que participar da s�rie foi uma experi�ncia muito positiva.
“O pessoal da produ��o convidou v�rios moradores da comunidade para o desfile. Eu colaborei, indiquei pessoas, rodei com a equipe para eles conhecerem o Aglomerado, fui apresentando pontos tur�sticos, a turma que eu conhe�o e alguns projetos que s�o desenvolvidos aqui”, relata.
Pele negra
Ele diz que fotografar pessoas famosas e figuras p�blicas tamb�m � um caminho que lhe interessa, de prefer�ncia sem ter que se distanciar do que � o eixo de sua proposta.
“Gostaria de fotografar famosos que sa�ram de comunidades, porque a� posso usar isso como refer�ncia; quero manter a cara do meu projeto, valorizando a pele negra, que � o que est� no centro do que eu fa�o”, aponta.
Rafael sublinha que desenvolve seu trabalho de forma totalmente independente, mas que, a despeito das dificuldades, vai levar a proposta adiante e seguir com o sonho de viver exclusivamente de seu of�cio. Ele conta que deixou a fun��o de monitor de fotografia na Escola Municipal Senador Levindo Coelho no in�cio deste ano e tem se mantido gra�as a trabalhos espor�dicos e contribui��es.
“�s vezes, aparece um ensaio para eu fazer, �s vezes n�o. Acontece tamb�m, de vez em quando, algu�m – normalmente os personagens que eu retrato – fazer uma doa��o simb�lica para que eu possa continuar meu trabalho”, diz. Ele destaca que tem buscado, ainda, diversificar os empreendimentos em torno da fotografia.
Visto Preto
“Criei uma marca, que se chama Visto Preto, para vender fotos emolduradas, de moradores da comunidade, e tamb�m moletons e camisas estampadas com o escrito ‘Favela’ e com flores. O que arrecado com as vendas ajuda no meu sustento e tamb�m � revertido para quem posa para essas fotos, que s�o pensadas como obra de arte mesmo, para a pessoa ter o quadro pendurado na parede de casa”, ressalta.

“Fui para essas e outras favelas por minha conta mesmo. Em breve, vou conhecer o Morro do Macaco, em Santa Catarina. Quando vou a esses lugares, vejo que a diferen�a est� mesmo s� no sotaque e nas g�rias; o resto � tudo igual. Quero conhecer mais favelas para fazer essa conex�o”, aponta.
Redes sociais
Est�mulo n�o lhe falta. Seu trabalho reverbera cada vez mais nas redes sociais e ele sabe que esse � um caminho a ser explorado. “Teve uma foto que repercutiu muito, que batizei ‘Salto para o futuro’, postada recentemente no Instagram. No TikTok, ela teve 5 milh�es de visua- liza��es. Esse tipo de coisa traz uma visibilidade legal para meu trabalho. As redes sociais s�o meu canal de divulga��o. At� o LinkedIn eu estou usando agora para postar foto”, diz.
Ele destaca que tem um contingente fiel de seguidores. “Tem gente que acompanha meu trabalho desde que comecei, ent�o a intera��o � muito boa. S�o pessoas que est�o me seguindo h� oito anos, que se manifestam dizendo que ficaram emocionadas com alguma imagem que produzi. Tem gente que me envia �udio chorando. A intera��o com quem admira meu trabalho � muito gostosa.”
“FAVELA, A FLOR QUE SE AGLOMERA”
Abertura da exposi��o de Rafael Freire, neste s�bado (1º/10), �s 11h, no Memorial Vale (Pra�a da Liberdade, 640, Funcion�rios), (31).3308-4000. A mostra fica em cartaz at� 29/10 e pode ser vista �s ter�as, quartas, sextas e s�bados, das 10h �s 17h30; �s quintas, das 10h �s 21h; e aos domingos, das 10h �s 15h30. Entrada franca