
Um americano do bairro nova-iorquino do Brooklyn anda fazendo tanto sucesso no YouTube reagindo a m�sicas brasileiras que foi convidado a assistir em julho a um dos shows da turn� dos Racionais MC's nos Estados Unidos.
"Apertei a m�o de todos eles", conta Clinton Manegault, mais conhecido no mundo digital como GooneyGoogles. A energia do show e a participa��o da plateia deixaram o americano de queixo ca�do.
"Eu tenho 37 anos. Todo mundo ali tinha a minha idade ou menos. E sabiam todas as letras das m�sicas", diz admirado. Clinton descobriu, nos Racionais, uma conex�o com a cultura brasileira que n�o poderia imaginar quando decidiu criar um canal pr�prio no YouTube durante a pandemia.
A ideia inicial era reagir a filmes. Aqueles famosos que, por um motivo ou outro, Clinton n�o chegou a assistir.
Foi o caso de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Katia Lund, lan�ado em 2002. O sucesso do longa, na �poca, chamou a aten��o do americano. Mas entrou naquela lista de filmes tipo "um dia eu vejo".
Poucos anos depois, Clinton se alistou e serviu no Iraque como fuzileiro naval. Ele nunca esteve em situa��es de combate, trabalhava com inform�tica.Na volta se mudou para a Carolina do Norte, terra da esposa que conheceu nas for�as armadas.
Hoje ele mora em uma casa t�pica de sub�rbio americano, daquelas que se v� em filmes, com jardim, quintal, outras casas em volta e nada de com�rcio por perto.
Foi nessa casa, isolado com a mulher e o filho por causa da pandemia de covid, que ele criou o personagem GooneyGoogles, nome que tomou emprestado de uma apresenta��o de Eddie Murphy.
Os primeiros filmes que Clinton analisou renderam quase 2 mil assinantes para o canal. Mas, quando ele descobriu o Brasil, foi uma revolu��o. O n�mero de inscritos subiu para 230 mil e os v�deos mais vistos s�o os dos coment�rios que ele j� fez sobre m�sicas dos Racionais MC's.

Basta falar da banda que as visualiza��es disparam para a casa dos milh�es. Mas foi atrav�s de Fernando Meirelles, o cineasta, que o americano chegou a Mano Brown, o poeta.
Cidade de Deus foi uma revela��o. "Vi e amei", conta Clinton � BBC News Brasil.
"Fiz essa conex�o por causa daquelas pessoas negras na tela. Eu conheci crian�as assim quando estava crescendo. Claro que os n�meros aqui s�o menores. Os negros n�o s�o essa popula��o t�o grande aqui. Mas o que vi � algo que reconhe�o. Gravei a rea��o e dois meses depois o n�mero de visualiza��es come�ou a subir. Do nada!"
Nos Estados Unidos, os negros s�o pouco mais de 13% da popula��o, enquanto no Brasil 9% da popula��o se declara negra e 47% dos brasileiros se declaram pardos.
Os americanos assistem aos v�deos de Clinton, mas eles atraem um n�mero cada vez maior de brasileiros para o canal.
Por isso mesmo, passou a ter legendas em portugu�s. Um investimento sem retorno para o nova-iorquino curioso, dono de um sorriso desarmado e cativante, que mant�m um di�logo intenso e constante com um p�blico que tamb�m vai se redescobrindo.
Dicas de brasileiros
Nessa via de m�o dupla, os coment�rios revelam o quanto o olhar e a sensibilidade de Clinton emprestam aos brasileiros uma vis�o renovada de sucessos consagrados no pa�s.
Uma reflex�o atualizada de temas de ontem e de sempre para esse p�blico brasileiro que n�o cansa de dar dicas ao americano. S�o sugest�es de m�sicas, artistas, filmes e de fatos hist�ricos tamb�m.
"Eu n�o sabia nada da ditadura militar no Brasil", conta Clinton. Mas com as perguntas e os coment�rios no canal, se interessou cada vez mais. Assistiu a Marighella, de Wagner Moura, mas tamb�m o document�rio sobre o l�der guerrilheiro dirigido por Isa Grinspum Ferraz com m�sica de Mano Brown.
"Tamb�m aprendi um pouco por causa de um document�rio do americano Henry Louis Gates Jr. que fala dos negros na Am�rica Latina. Ele conta que a maior parte dos escravizados da rota do Atl�ntico foi para o Brasil. Eu n�o podia acreditar! Isso � grande demais e eu n�o sabia!"
Com essa revela��o, foi � internet buscar os m�sicos negros do tal Brasil que ele tem certeza que vai conhecer um dia.
O filme de Fernando Meirelles foi apenas a porta para toda uma descoberta que Clinton ainda n�o sabe aonde vai dar. Ele tem fome de saber mais e vai seguindo, sem pressa, o caminho que a intui��o dita.
A mesma intui��o que guia os coment�rios sobre ritmos e batidas que ele reconhece como muito familiares. Elas remetem ao auge do hip hop do fim dos anos 1980 e come�o dos 1990. E tratam de temas que ele dificilmente encontra no rap americano atual.
"Essa m�sica n�o conta mais a hist�ria do que est� acontecendo. O que o Public Enemy fazia, o que o Rakim fazia. Era a hist�ria de verdade e n�o uma forma de escapar da realidade. Era isso que eu estava buscando e foi essa conex�o que eu vi".
Um mergulho mais profundo
Ele destaca que � preciso olhar tamb�m para os m�sicos que vieram depois dos Racionais. Cita Djonga, Emicida, e acha que o mesmo ainda pode acontecer nos Estados Unidos.
"A gente tem Kendrick Lamar, J. Cole", lista. Artistas que falam dos assuntos que Clinton quer ver retratados e que, para ele, podem ter um grande impacto na cultura do pa�s. Mas enquanto n�o encontra essa for�a narrativa na m�sica americana, ele vai mergulhando na brasileira.
"Ouvi Cassiano pela primeira vez. Uau! Amo. Ou�o no meu carro agora", conta.
Tim Maia � um cap�tulo � parte para o nova-iorquino de fam�lia religiosa que cresceu ouvindo hip hop, blues e gospel.
E os brasileiros querem ampliar ainda mais o leque de GooneyGoogles. Foi assim que ele se apaixonou por Alcione e topou o desafio de enveredar pelo samba.
Gravou recentemente um v�deo sobre Lucidez, de Jorge Arag�o, e outro sobre Gal Costa cantando For�a Estranha.
Prometeu que vai ouvir Clementina de Jesus. Se o tempo � curto, por causa do trabalho em sistemas de log�stica e movimenta��o de cargas, sobram curiosidade e apetite para conhecer ainda mais a cultura que cala fundo no cora��o desse americano.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64032652