Tramas religiosas eram boas em superlotar salas, como a esp�rita "Nosso lar", com 4 milh�es de espectadores em 2010, e a cat�lica "Maria", com 2,3 milh�es em 2003. E as superprodu��es voltadas a crentes? Ningu�m sabe, ningu�m viu.
O jogo come�ou a mudar quando a Igreja Universal do Reino de Deus usou sua m�quina para lan�ar t�tulos como "Os dez mandamentos", de 2016, e as cinebiografias do bispo Edir Macedo, "Nada a perder" 1 e 2.
Mas esses filmes eram chapa-branca como um comercial de alvejante. Desse mal o "Nas ondas da f�", filme que Marcelo Adnet idealizou em 2014 e que est� em cartaz nos cinemas desde a �ltima quinta-feira (12/1), n�o sofre.
O Hickson interpretado por Adnet � o brasileiro t�pico. O t�cnico em inform�tica faz seus bicos, se vira como pode e tem sonhos de ascender. Tamb�m � um sujeito de f�. Um cara bacana mesmo, que ajuda senhorinhas a consertar panes no computador sem cobrar por isso.
Parte de J�ssika, vivida por Let�cia Lima, a ideia de apresent�-lo a um ap�stolo do templo evang�lico que o casal frequenta, para ver se descola um emprego na r�dio da igreja para o marido. O destino d� uma cambalhota e Hickson, que sonha em ser locutor, entra sem querer no ar, fingindo ser um pastor. Um, ali�s, com v�rios trejeitos da trupe inspirada por Edir Macedo.
Sai-se melhor que a encomenda e, na mesma noite, ouvintes v�m aos montes querendo dar ofertas � igreja, animados com a prega��o do tal pastor Hickson – t�tulo que ele acaba ganhando de fato, depois de o manda-chuva da igreja detectar seu potencial de trazer dinheiro para a casa.
Audi�ncia
"Nas ondas da f�" n�o deixa de surfar nas ondas da audi�ncia. Evang�licos em poucos anos poder�o ser a maior fatia religiosa do pa�s, e o audiovisual fez muito pouco, at� aqui, para tratar esse p�blico com o respeito que ele merece. Agora vai? A Globo, que na �ltima d�cada fez alguns acenos ao grupo, estreia nesta segunda-feira (16/1) "Vai na f�", sua primeira novela com protagonista crente.
Claro que o filme esbarra em estere�tipos que povoam o imagin�rio progressista, como o de pastores mais interessados no milagre da multiplica��o em suas contas banc�rias do que na salva��o dos fi�is.
Est�o l� o l�der que faz chuva com ma�os de dinheiro do d�zimo e a mercantiliza��o das rela��es na igreja, como a ideia de criar uma esp�cie de clube de milhagens, para que irm�os possam pagar mais para ter acesso a privil�gios como se sentar na primeira fila do templo, tal qual um "cliente diamante".
Mas tudo bem, porque tamb�m seria um erro factual retratar esta complexa rede de f� como um antro de altru�smo. �bvio que muita gente nas igrejas pensa at� demais em bufunfa, e que os sete pecados capitais tamb�m t�m vez ali, como em qualquer outro microcosmo da sociedade – da fiel voluptuosa ao ap�stolo invejoso.
Crente que � crente sabe disso, s� n�o gosta de ver espertalh�es de fora da religi�o destilando uma vis�o bitolada sobre sua turma.
O problema seria reduzir evang�licos a um bando sem escr�pulos a explorar coitadinhos sem qualquer autonomia. A obra escapa com alguma dignidade dessa armadilha. Cheio de f� e mal�cia, o casal protagonista faz parte de uma classe m�dia suburbana que d� seus ‘corres’ para conquistar na vida o que vem de bandeja para uma elite intelectual que esnoba sua cren�a evang�lica.
Uma cena expressa bem esse senso de deslocamento: Hickson e J�ssika num restaurante pomposo pela primeira vez, sem saber como reagir diante de um milkshake de atum vendido como a oitava maravilha da gastronomia moderna.
Com notas dram�ticas e dirigido por um diretor de com�dias (Felipe Joffily, de "Muita calma nessa hora" e "E a�... comeu?"), o t�tulo tem o m�rito de mergulhar num universo ainda pouco conhecido fora da bolha evang�lica.
Vai ser acusado de n�o ter lugar de fala? Vai. O portal Pleno News, por exemplo, j� cravou s� de ver o trailer: "Novo filme de Adnet zomba da f� dos evang�licos".
Olhando o material como um todo, meu palpite � que d� para sair do cinema com a sensa��o de rir com os evang�licos, e n�o apenas rir deles, como por tanto tempo aconteceu. Vai na f�.
“NAS ONDAS DA F�”
(Brasil, 2023). Dire��o: Felipe Joffily. Com Marcelo Adnet, Let�cia Lima, D�bora Lamm. Classifica��o: 12 anos. Em cartaz em salas dos complexos Cineart, Cinemark, Cin�polis e Cinesercla
*Para comentar, fa�a seu login ou assine