Premiado no Festival de Locarno, "Regra 34" chega ao cinema no Brasil
Longa de J�lia Murat se prop�e a abordar a intera��o entre sexo e viol�ncia com hist�ria de defensora p�blica que comercializa performances sexuais na internet
Atriz Sol Miranda no longa que chega ao circuito comercial brasileiro depois de vencer o Festival de Locarno em 2022
Amina Nogueira/Divulga��o
Um saco pl�stico que envolve a cabe�a e priva nariz e boca de ar. Um cigarro que passeia pelo corpo nu e o marca com queimaduras. Uma boca que, num beijo, arranca sangue dos l�bios colados aos seus. � o tes�o levado ao extremo que guia "Regra 34", mas n�o s�.
Essas cenas de fetiche se alternam com outras comportadas, em tribunais e escrit�rios, enquanto mulheres que foram v�timas de diferentes tipos de viol�ncia relatam suas experi�ncias � mesma personagem que, em casa, deixa seu corpo ser chupado, penetrado, cortado e queimado das formas mais diversas.
Em "Regra 34", Simone � uma defensora p�blica que cuida de casos de viol�ncia dom�stica. Os estudos em direito penal foram pagos com o dinheiro de performances sensuais na internet, como camgirl. Ela mant�m a atividade para gerar renda extra, mas, depois de ver um filme pornogr�fico de BDSM – sexo baseado no prazer vindo da dor –, ela come�a a explorar fetiches, sem a seguran�a e o conhecimento necess�rios.
Laureado com o Leopardo de Ouro, pr�mio m�ximo do Festival de Locarno, s� vencido antes por um brasileiro em 1967, ano de "Terra em transe", o longa de J�lia Murat esteve ainda no Festival do Rio, onde as sess�es foram disputadas.
Fantasma
H� seis anos, a cineasta de "Pendular" refletia sobre o que gostaria de abordar em seu pr�ximo filme, quando foi confrontada por um fantasma que sempre rondou sua vida – a incompreens�o em torno do casamento entre sexo e viol�ncia.
Ela � filha da tamb�m cineasta L�cia Murat, que tem sua obra marcada pela experi�ncia da pris�o e da tortura durante a ditadura militar, quando integrou a luta armada contra o regime. Por isso, a diretora nunca entendeu muito bem como havia gente que sentia prazer na dor.
"Quando eu come�o a querer falar sobre o tema, eu entendo o qu�o complicado ele �, ainda mais num pa�s como o em que a gente vive, com uma hist�ria marcada por aparatos de repress�o", diz a cineasta.
"Entender essa complexidade fez com que eu adicionasse v�rias camadas. � a� que entra a ideia da defensoria, por exemplo, para explicitar as rela��es de poder e controle do corpo com as quais nos debatemos sempre."
O t�tulo "Regra 34" faz alus�o a uma m�xima da internet que afirma que para tudo h� uma vers�o porn�. Qualquer tema, objeto ou personagem pode ganhar uma vers�o erotizada no mundo virtual – e no longa de Murat, qualquer saco, cigarro, vidro e item � disposi��o vira apetrecho sexual.
Por ter personagens manuseando esses objetos, a diretora passou por um processo complicado de escolha de elenco. Afinal, era preciso encontrar atores que estivessem dispostos a n�o apenas tirar a roupa diante das c�meras, mas simular situa��es de prazer vistas com preconceito pela por��o mais moralista da sociedade.
Riscos
Ainda mais importante, no entanto, era que essas pessoas tivessem consci�ncia dos riscos, que n�o topassem o trabalho apenas pelo tes�o. O elenco foi construindo os pr�prios limites no set de filmagem, afirma ela, que tamb�m participou dos seis meses de prepara��o para que, na hora certa, todos se sentissem confort�veis.
Antes das grava��es, eles tiveram aulas de direito penal, kung fu, tantra, asfixia e BDSM. Uma camgirl fez uma performance virtual diante deles, para explicar o que excitava e o que n�o. E a ideia de consentimento pairou a todo instante.
Assim, o roteiro foi sendo constru�do gradualmente, incorporando viv�ncias e desejos de todos os envolvidos e as descobertas da pr�pria Murat sobre o universo pornogr�fico. Um aspecto moldado com especial cuidado foi a identidade da protagonista, uma mulher negra, para que "Regra 34" n�o soasse como pura fetichiza��o desses corpos.
"N�s estabelecemos desde cedo tr�s imagens que n�o quer�amos reproduzir no filme. N�o quer�amos aquelas rom�nticas – da c�mera lenta passando pelo corpo –, as ex�ticas – do mist�rio da contraluz, de revelar sem revelar – e as pornogr�ficas – da exposi��o pela exposi��o. Quer�amos um documental do prazer, algo que n�o tivesse como intuito dar tes�o ao espectador, s� aos personagens."
� diferente de "At� os ossos" ou "Titane", exemplares de uma leva recente de filmes que tem explorado os limites do sexo, associando a transa ao sangue, �s v�sceras e ao que mais parecer extremo sem economizar no erotismo.
“REGRA 34”
(Brasil, Fran�a, 2022) Dire��o: J�lia Murat. Com Sol Miranda, Lucas Andrade e Lorena Comparato. Classifica��o: 16 anos. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 16h40 e 18h30)
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