Ator Thelmo Fernandes anda apressado em corredor de hospital na série todo dia a mesma noite

Com cinco epis�dios, a produ��o dirigida por Julia Rezende � baseada em livro-reportagem da jornalista mineira Daniela Arbex e tem no elenco Thelmo Fernandes e D�bora Lamm, que interpretam pais de v�tima

Netflix/divulga��o

Uma sequ�ncia no �ltimo dos cinco epis�dios de “Todo dia a mesma noite”, que estreia nesta quarta-feira (25/1), na Netflix, justifica a realiza��o da s�rie sobre a trag�dia da boate Kiss, que completa 10 anos nesta semana. 

No Superior Tribunal de Justi�a (STJ), Pedro (Thelmo Fernandes), pai de uma v�tima do inc�ndio que matou 242 jovens na cidade ga�cha de Santa Maria, relembra outras mortes que poderiam ter sido evitadas n�o fossem o descaso, a gan�ncia, a impunidade e a neglig�ncia que marcam a hist�ria do Brasil.

Cita as trag�dias de Brumadinho (janeiro de 2019), do Bateau Mouche (dezembro de 1988) e do Flamengo (fevereiro de 2019). Nesta cena, ambientada em junho de 2019, o personagem est� no julgamento de um recurso para que os quatro r�us – os dois donos da boate e dois integrantes da banda que soltou os fogos de artif�cio – fossem a j�ri popular. 

Naquele momento, passados seis anos e meio da trag�dia, nada havia ocorrido com os envolvidos. Hoje, 10 anos depois – o inc�ndio foi em 27 de janeiro de 2013 –, o caso permanece emperrado: os r�us foram julgados em dezembro de 2021 e condenados. Posteriormente, em agosto de 2022, o j�ri foi anulado e uma nova data para o julgamento deve ser marcada. Todos est�o em liberdade. 

Na noite da trag�dia, a casa noturna estava com lota��o muito maior do que sua capacidade, n�o tinha alvar� nem sa�da de emerg�ncia, seus extintores de inc�ndio n�o funcionavam e havia sido isolada com espuma impr�pria, que pegou fogo quando a banda usou fogos de artif�cio. 
 
 

Desdobramentos

Dramatizar um desastre de grandes propor��es – o caso Kiss � a terceira maior trag�dia em casas noturnas do mundo – � um caminho perigoso. Tem que se tomar cuidado para n�o cair na mera especula��o ou no oportunismo. De forma criteriosa, “Todo dia a mesma noite” n�o cai em armadilhas.

Conta, por meio de personagens ficcionais inspirados em pessoas reais, o que aconteceu na fat�dica noite. Por�m, concentra-se muito mais nos desdobramentos – e na falta de mem�ria e de justi�a que marcam o Brasil.  

"N�o queremos que essa hist�ria caia no esquecimento, ent�o essa s�rie � uma den�ncia, uma forma de lembrar que essas fam�lias que buscam justi�a h� 10 anos seguem sem uma resposta", afirma J�lia Rezende, que assina a dire��o-geral da produ��o. 

"Fomos muito cuidadosos na hora de decidir o qu� e como mostrar, ent�o o som � essencial, bem como o foco da c�mera. Quando estamos com um personagem, tudo ao redor fica desfocado, justamente para tornar aquilo toler�vel", acrescenta.

A s�rie foi inspirada no livro-reportagem “Todo dia a mesma noite – A hist�ria n�o contada da boate Kiss” (Intr�nseca, 2018), da jornalista mineira Daniela Arbex, que atuou como consultora da produ��o.

No livro, com uma estrutura de thriller, a jornalista reconstitui a noite de 27 de janeiro por meio das lembran�as de quem participou direta (os profissionais da sa�de e sobreviventes) ou indiretamente (os parentes dos mortos) do epis�dio. 

V�timas

O foco da obra est� nas v�timas e nas pessoas que participaram ativamente do salvamento. O processo, as investiga��es, as reviravoltas do caso s�o deixados para a parte final, com um destaque menor.   

Mesmo tendo o livro-reportagem como base, a s�rie faz o contr�rio. No roteiro de Gustavo Lipsztein, a trag�dia em si � ambientada nos dois primeiros epis�dios. No primeiro, acompanhamos a vida de alguns jovens de Santa Maria que se preparam para passar a noite na boate – as sequ�ncias do inc�ndio, do corre-corre, do aprisionamento na boate e das sucessivas mortes foram filmadas com discri��o. 

Mais efetivo para refor�ar a viol�ncia das trag�dias � ouvir o som dos celulares que n�o param de tocar – algo que Daniela Arbex havia apontado em seu livro. Seriam liga��es de pais e m�es que, ao saber do ocorrido, correram para tentar contato com os filhos – os celulares nunca foram atendidos. 
 

''A gente precisa construir esse caso na mem�ria coletiva do Brasil para que o que te indignou ao ver a s�rie n�o aconte�a mais''

Daniela Arbex, autora do livro 'Todo dia a mesma noite - A hist�ria n�o contada da Boate Kiss'

 

Procura

O segundo epis�dio traz a procura dos pais pelos filhos, vivos ou mortos, nos hospitais de Santa Maria e no gin�sio municipal, onde os corpos foram colocados para reconhecimento. Mesmo sem ser expl�citas, h� v�rias sequ�ncias de forte impacto. A partir deste momento, ficam mais desenhados os personagens que ir�o protagonizar a hist�ria. 

Todos s�o pais de v�timas de morte. S�o eles o supracitado Pedro (Thelmo Fernandes) e a mulher Sil (D�bora Lamm), um casal simples de Santa Maria; Ana (Bianca Byington), uma fazendeira ga�cha de posses; Ricardo (Paulo Gorgulho), um militar local; e Geraldo (Leonardo Medeiros), que vive em S�o Paulo. Eles encabe�am a Associa��o dos Familiares de V�timas e Sobreviventes da Trag�dia de Santa Maria.
 
Familiares das vítimas da tragédia da Boate Kiss vestem roupas brancas e se emocionam durante o julgamento do caso, em dezembro de 2021

Familiares das v�timas da trag�dia da Boate Kiss no julgamento do caso, realizado em dezembro de 2021 em Porto Alegre, e adiado posteriormente

Silvio Avila/AFP
 

Como personagens secund�rios est�o os detetives que investigaram o caso, os promotores, duas v�timas que tentam reconstruir sua vida com as sequelas do inc�ndio e os donos da boate. A s�rie n�o utiliza nomes reais: na fic��o, a banda Gurizada Fandangueira passou a se chamar Guapos Baladeiros. Os donos da boate, Elissandro Callegaro Spohr (Kiko) e Mauro Londero Hoffmann, na s�rie s�o chamados Anderson Almeida Pargo (Ded�) e Thales Matteus Baumer.

Do terceiro ao quinto epis�dios, a s�rie se concentra no per�odo que veio a seguir. Depois do luto, veio a indigna��o, o que levou os pais a se unirem em busca de justi�a. S�o v�rios os momentos de tribunal. 

A produ��o acaba lembrando fatos pouco falados fora do Rio Grande do Sul. Houve um momento em que alguns pais chegaram a ser processados pelo Minist�rio P�blico.
 
A luta dos pais e sobreviventes para que o caso de Santa Maria n�o fosse esquecido trouxe situa��es vexat�rias, como um morador local que atacou uma m�e na tenda da associa��o no meio da pra�a. Segundo ele, j� era momento de esquecer aquilo. 

Tal situa��o, apresentada na s�rie, veio da pr�pria pesquisa de Daniela Arbex para o livro. "A gente precisa construir esse caso na mem�ria coletiva do Brasil para que o que te indignou ao ver a s�rie n�o aconte�a mais", diz a jornalista (Com Folhapress)

“TODO DIA A MESMA NOITE”

• Miniss�rie em cinco epis�dios. Estreia nesta quarta (25/1), na Netflix

Fachada da boate Kiss destruída pelas chamas

O Corpo de Bombeiros foi chamado para conter o inc�ndio, que se alastrou rapidamente devido a uma s�rie de irregularidades na boate, em Santa Maria

Germano Roratto/Ag. RBS/Folhapress

Document�rio sobre a trag�dia ga�cha

O Globoplay lan�a nesta quinta (26/1) a miniss�rie documental “Boate Kiss – A trag�dia de Santa Maria”. Com cinco epis�dios, a produ��o � comandada pelo rep�rter Marcelo Canellas. Ga�cho de Passo Fundo e ex-morador de Santa Maria, o jornalista acompanha o caso desde o in�cio. Ap�s a trag�dia, entrevistou familiares, sobreviventes e outros envolvidos.
 
Em sua cobertura, Canellas tamb�m foi a Buenos Aires, onde um caso semelhante ocorreu em 2004 – 194 pessoas morreram durante o inc�ndio na boate Republica Croma��n.
 
S� que, na Argentina, diferentemente do Brasil, a hist�ria teve uma conclus�o: os envolvidos foram julgados e presos, e o prefeito de Buenos Aires na �poca da trag�dia foi destitu�do do cargo e viu sua carreira na pol�tica ser encerrada, depois que ficou comprovada uma s�rie de irregularidades no funcionamento da casa noturna.
 
O então cardeal Jorge Bergoglio, que se tornaria o papa Francisco, celebra missa para familiares dos 194 mortos na discoteca República Cromañón, em Buenos Aires. A cerimônia religiosa ocorreu em 30 de dezembro de 2005

O ent�o cardeal Jorge Bergoglio, que se tornaria o papa Francisco, celebra missa para familiares dos 194 mortos na discoteca Rep�blica Croma��n, em Buenos Aires. A cerim�nia religiosa ocorreu em 30 de dezembro de 2005

Juan Mabromata/AFP